INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 12 - Janeiro / 1994





 

Coordenador chefe:

Antonio Carlos Franco

Coordenadores adjuntos:

Álvaro Busana, Antonio Carlos Franco, Ana Sofia Schmidt de Oliveira, David Azevedo, Helios A.

Conselho Editorial

Editorial

A Lei contra o crime organizado exige debate mais sério, por toda a sociedade

Luciana Ferreira Leite Pinto e Tatiana Viggiani Bicudo

Na última edição do Boletim do IBCCRIM noticiou-se a aprovação pelo Senado Federal, de projeto de lei tendente a instituir nova figura criminal - a do crime organizado - e ampliar o respectivo procedimento investigatório.

Em sua origem, o anteprojeto, tendo como primeiro subscritor o Deputado Michel Temer, decalcava-se em esforço de "aperfeiçoamento da legislação penal de combate ao crime organizado", com apoio em estudos desenvolvidos por específicos Grupo de Trabalho, constituído, entre outros, por Ana Pellegrini Grinover, Wanderley Aparecida Borges, Antonio Scarance Fernandes, Agenor Nakazone, Cláudio Gobbetti, José Ercídio Nunes e Sérgio Sakon.

Resultou, aprovado pela Câmara, o Projeto de Lei, complementar nº 62, de 1990, com o objetivo, ali explicitado, de "proporcionar meios operacionais mais eficientes às instituições envolvidas no combate ao crime organizado - Polícia, Ministério Público e Justiça - dotando-as de permissivos legais controlados, como ocorre nos mais civilizados e democráticos países do mundo".

No Senado, ele foi objeto de parecer, relatado pelo Senador José Paulo Bisol que, ampliando o teor e o caráter de suas disposições, apôs-lhe substitutivo, que (aparentemente sem mais discussão pelos pares) foi aprovado e - agora na comissão de Redação - está prestes a ser enviado à apreciação da

Câmara Federal.

Aqui, a primeira colaboração que recebemos, com críticas a esse substitutivo, agora convertido em projeto de lei:

O substitutivo apresentado pelo Senador José Paulo Bisol ao Projeto de Lei da Câmara n 62, de 1990, pretendeu "definir crime organizado" e "dispor sobre meio especiais de investigação e prova nos inquéritos e processos que sobre ele versem".

Enquanto o projeto originário da Câmara limitava-se a tratar de meios operacionais de prevenção e repressão a crime organizado, sem pretensões de criar novos tipos penais, o substitutivo inovou criando o tipo penal a que intitulou de "crime organizado". Não atentou, contudo, para as inúmeras peculiaridades que caracterizam o fenômeno a que se tem denominado criminalidade organizada.

Dispõe o art. 2º do substitutivo: "considera-se crime organizado aquele que de de algum modo coopera com os fins ou participa das atividades das quadrilhas, bandos ou organização previstas pelo art. 288, do C.P". Nesse passo, a criminalidade organizada sofreu um conceito redutor, na medida em que ficou contida no art. 288, do CP, que por sua vez, também recebeu nova redação:" participar de quadrilha, bando ou organização que se serve das estruturas ou é estruturada ao modo de sociedades, associações, fundações, empresas, grupos de empresas, unidades ou forças militares, órgãos, entidades ou serviços públicos, concebidas, qualquer que seja o princípio, pretexto, motivação ou causa, para cometer crimes ou alcançar objetivos cuja realização implica a prática de ilícitos penais. Pena: reclusão de um a três anos.

O art. 288do CP retrata, em verdade, a criminalidade de massa, e não há confundir criminalidade de massa com criminalidade organizada. A fusão dos dois conceitos gera equívocos de graves e ameaçadoras conseqüências, Hoje, os atentados à vida ou à integridade corporal e as hipóteses de roubos em vias públicas ou em qualquer tipo de estabelecimento, de furtos de veículos ou em residências, de ações contra a liberdade sexual das pessoas, de fatos anti-sociais de jovens infratores, de comércio de drogas, etc. têm uma incidência maior e, sem dúvida, acarretam, máxime pela atuação da "mass media", a atmosfera de medo e de insegurança que toma conta da sociedade, transformando a violência num fenômeno mais comunicacional do que vivencial.

Essa ciminalidade de massa, mesmo quando é planejada, programada e executada em termos de estruturação e de profissionalização, não se traduz, ainda, em noção de crime organizado. Este, apresenta alguns sinais significativos: "é um fenômeno cambiante, compreende uma gama de infrações penais sem víti8mas difusas, intimida as vítimas, quando elas existem, a não levarem o fato ao conhecimento da autoridade e a não prestarem declarações, possui solos férteis em bases nacionais, dispõe de múltiplos meios de disfarce e simulação". A idéia de uma relação com o poder econômico e político, essencial ao conceito, foi de todo esquecida pelo legislador.

Em resumo: o crime organizado é qualitativamente diverso da criminalidade de massa: apresenta calibre e estrutura organizativa que interferem nos poderes estatais para efeito de inerciá-los ou fragilizá-los, tornando "Legislativo, Executivo ou Judiciário extorquíveis ou venais" e visam a assumir o controle estatal com meios que repelem o consenso democrático (Hassemer, "Segurança Pública no Estado de direito", "in" Revista Brasileira de Ciências Criminais - no prelo). Os esquemas de corrupção do Orçamento ou do governo "Collor" são exemplos ilustrativos da criminalidade organizada.

É evidente que o "crime organizado" está a demandar um estudo sério e aprofundado e que o direito Penal deve, nesse caso, posicionar-se de maneira bem nítida, preenchendo, sem recorrer a argumentos emocionais ou políticos, o conteúdo do conceito. Mas daí a aceitar pura e simplesmente, pelo prazer de atender aos reclamos de determinados segmentos sociais, uma definição vesga e cosa da criminalidade organizada e a referendar meios investigatórios e de prova que lesionam as garantias processuais, de conotação constitucional, há uma distância muito grande que ninguém, de visão democrática, estará disposto a trilhar.

Luciana Ferreira Leite Pinto e Tatiana Viggiani Bicudo



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