Rogério Fernando Taffarello
Cecília de Souza Santos, José Carlos Abissamra Filho e Matheus Silveira Pupo.
Corria o ano de 2008. Antes de o Conselho Nacional de Justiça, então sob a presidência do Ministro Gilmar Mendes, debruçar-se sobre o drama do cárcere no Brasil, o Conselho Nacional de Política Criminal fez uma série de relatórios sobre os principais presídios brasileiros. A situação era alarmante. No Espírito Santo, a Casa de Custódia de Viana e os presídios em contêineres motivaram um pedido de intervenção federal naquele Estado. Na visita à Penitenciária Lemos de Brito, logo após ser encontrado um detento com fratura exposta em pleno pátio, sem qualquer esboço de atendimento, o Governo da Bahia dispôs-se a fazer um Termo de Ajustamento de Conduta para sanar as irregularidades ali encontradas. No Recife, a Penitenciária Aníbal Bruno era totalmente controlada pelos chaveiros, nomes que alguns presos recebiam por terem as chaves das celas. No encontro com o Governador Eduardo Campos, acordou-se a divisão do presídio, para facilitar sua administração. Em Porto Alegre, o Presídio Central, que fora construído para ser uma referência, estava em petição de miséria, totalmente desfigurado pela superpopulação carcerária e pela inexistência de grades em muitos raios. A Penitenciária de Urso Branco, em Porto Velho, palco do segundo maior massacre de presos depois do Carandiru, vinha sob uma gestão compartilhada (União e Estado de Rondônia) desde a recomendação da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Muitos outros presídios preocupavam, quase sempre pela má — ou inexistente — administração, dentre os quais o de Pedrinhas.
Passados cinco anos, a situação em quase todos eles não é muito diferente. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão ligado à OEA — Organização dos Estados Americanos — acaba de notificar (3/1/2014) o governo brasileiro para adotar medidas cautelares que garantam a integridade dos detentos do Presídio Central de Porto Alegre. A Comissão pede, entre outros pontos, a redução do número de presos no local, a garantia de higiene e tratamento médico aos apenados, além da recuperação do controle da segurança em todas as áreas do presídio, ainda entregue a facções criminosas.
A Corte da OEA também impôs uma serie de medidas cautelares (em 2011) no que tange ao Presídio Aníbal Bruno que, no entanto, continua enredado em denúncias de homicídios, tortura, superlotação e insalubridade.
O Espírito Santo, por seu turno, depois das agudas denúncias que teve que responder na OEA e na própria ONU, parece ter resolvido investir um pouco na dignidade dos presos. Não obstante a pressão de entidades de direitos humanos, a desativação dos contêineres e da Casa de Custódia de Viana produziu um alívio na situação.
Recentemente, a situação das masmorras maranhenses foi divulgada em todas as mídias do Brasil. O Estado que é líder no ranking da pobreza (39,5% da população é pobre e a pobreza extrema é de 22,4%), que tem o segundo pior IDH do Brasil (0,639), com uma taxa de analfabetismo de quase um quarto da população (22,5%), com a segunda pior taxa de mortalidade infantil (28,3 óbitos por 100 mil) e a terceira pior taxa de domicílios que recebem abastecimento de água e tem acesso adequado a esgoto (23,9%), dá ao país uma demonstração de que o tratamento dado aos encarcerados é pautado pela mesma sensibilidade com que trata a população livre.
Os problemas no Centro de Detenção Provisória de Pedrinhas são os mesmos de outros cárceres brasileiros, para os quais os olhos do Estado permanecem sempre fechados. Há superlotação, grande parte dos presos é provisório (55% em Pedrinhas) o que indica péssimo funcionamento do Judiciário e/ou Defensoria Pública ineficiente. Em uma ideia genial da Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária, os agentes penitenciários foram terceirizados. Gente com uma semana de treinamento foi colocada para enfrentar uma realidade complexa que nem sempre é controlada por gente experiente. Resumo da ópera (bufa): 62 presos foram assassinados desde 2013, já que duas facções criminosas disputam o controle interno do presídio.
Some-se tudo isso à inoperância do Estado em tentar resolver o problema. Verba disponível pelo Departamento Penitenciário Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, foi disponibilizada ao Maranhão, mas não aproveitada por falta de projeto para a construção de novos presídios. A entrada da PM para tentar resolver o problema foi seguida de uma enxurrada de acusações de maus-tratos e violências. Enfim, depois de um circo de horrores dentro da cadeia, a violência transborda e atinge a própria população, com incêndios em ônibus, morto e feridos. Após tudo isso, começam a surgir pedidos de intervenção federal e um deles é estudado pelo Procurador Geral da República.
A superpopulação carcerária existente no Brasil é um fenômeno que só se alterará se houver uma mudança de mentalidade. Até mesmo nos Estados Unidos, com uma população de dois milhões e duzentos mil presos, já se está revendo a política prisional. O Procurador-geral dos EUA, Eric Holder Jr., pediu aos colegas promotores menor rigor ao processar pequenos traficantes. A astronômica conta de 50 bilhões de dólares/ano não pode ser custeada pelos contribuintes. Nossas autoridades, juízes, promotores e administradores do sistema, deveriam estar atentas a esse movimento. O pequeno tráfico produz um encarceramento em massa (138 mil presos de um total de 550 mil) que poderia ser revisto para que não venha a ter o efeito bumerangue que tem se observado. Outros delitos pequenos poderiam ser punidos com penas alternativas. No Brasil, quando se fala da criminalidade de massas encarcera-se mal e muito, o que facilita aos presos organizarem-se em facções nos precários presídios brasileiros e tirarem o sono dos governos e populações.
Ou pensamos em alternativas ao puro e simples encarceramento vingativo, ou em pouco tempo não restará pedra sobre pedra...
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