INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

     OK
alterar meus dados         
ASSOCIE-SE


Boletim - 250 - setembro/2013





 

Coordenador chefe:

Rogério Fernando Taffarello

Coordenadores adjuntos:

Cecília de Souza Santos, José Carlos Abissamra Filho e Matheus Silveira Pupo.

Conselho Editorial

Editorial

Editorial - Novas demandas sociais, velhas (e demagógicas) soluções

O passado recente do Brasil conheceu legislações de toda ordem. Não raro, contudo, em termos penais, o vício da resposta fácil tem sido regra inexorável. Recordando uma figura de linguagem comum a penalistas, utiliza-se, aqui, do tacape ameaçador do Direito Penal, como se fosse solução para todos os males. Hoje, tristemente, mais uma vez, repete-se tal cenário.

Quando da edição da Lei 8.072/1990, denunciou-se a aparente adesão do Brasil a uma política criminal de lei e ordem. O rigor da norma posta, bem como exemplos duvidosos de experiências estrangeiras, acabou por seduzir o legislador nacional naquele momento de sedimentação democrática. Não haveria de se duvidar, evidentemente, da necessidade de respostas mais severas a crimes de especial gravidade que estavam a agredir, de forma mais incisiva, a sociedade. Curiosamente, e em contrapartida, foi esse também o tempo da chegada ao País dos ensinamentos garantistas que, com as lições de Ferrajoli, sedimentaram dique necessário à onda criminalizante desprovida de racionalidade necessária.

Seguindo a lógica de um movimento pendular, não tardou para que pensadores contrários a uma visão liberal do Direito Penal acusassem o chamado garantismo de ser verdadeiramente viciado em suas origens. Seria ele, em sua essência, embrionariamente errático, já que criaria um desbalanço favorável unicamente aos réus. Traçando uma lógica próxima daqueles que acusam a defesa dos Direitos Humanos de se preocupar somente com direitos dos criminosos, passou-se, também, a afirmar que se pretenderia garantir tão só direitos dos acusados. Deixar-se-iam, pois, ao relento, os direitos das chamadas pessoas de bem. Formatou-se, então, o que se apregoou como garantismo integral. Seus defensores, no entanto, não se aperceberam que as bases do garantismo devem-se, também, à necessidade de controle de legitimidade e de proporcionalidade viciada na normativa nacional. Não se trataria de proteger criminosos, nem de fomentar construções baseadas em teses defensivas. Pretende-se, sim, limitar e controlar o arbítrio legal e social que, tantas vezes, vitima, além do necessário, esperado ou aceitável.

É de se observar que essa realidade não é unicamente brasileira. Momentos de crise social, econômica ou política sempre incentivam políticos, mundo afora, a utilizar da fumaça do Direito Penal para camuflar variada gama de problemas. Denunciam-se, assim, a ilusão penal, a legislação penal compulsiva, a inflação penal, a legislação penal de emergência, o irracionalismo penal, o populismo penal ou o uso político da legislação repressiva. Frequente no estrangeiro, por aqui, a questão não é diferente. A acusação a esse estado de coisas, no entanto, é imperiosa.

Os movimentos de protesto recentemente havidos no Brasil ainda hão de merecer uma leitura mais acurada. Algumas respostas dadas pelo parlamento nacional, contudo, merecem, desde um ponto de vista penal, um repúdio imediato e veemente. De afogadilho, foram aprovadas normas e leis de cunho criminal, como se fossem elas aptas a dar plena satisfação ao problema. Note-se: a penada legislativa não tem o condão de reforma, por exemplo, de uma cultura de corrupção arraigada na sociedade brasileira e que só começa a ser debelada de alguns anos a esta parte.

O legislador, no entanto, midiaticamente declara cumprir seu mister, e, em arroubo claramente populista, fez aprovar medidas como as atinentes à transformação da corrupção em crime hediondo ou a dar redação específica ao crime de organização criminosa. Volte-se à afirmação: são estas condutas reprováveis e que necessitam de leitura penal. Apenas seria de se esperar e se requerer uma ideal e racional leitura penal. E não é isso que se verifica.

Apenas a título de destaque, seria de se indagar se toda e qualquer corrupção merece, necessariamente, a alcunha e os predicados de crime hediondo. Chega-se a mencionar internacionalmente que certa corrupção seria atentatória até mesmo aos Direitos Humanos, tamanho são seus efeitos deletérios à sociedade como um todo. Mas será que a corrupção corriqueira, do contínuo, como acusava Hungria, merece igual reprovação? A se vingar tal entendimento, ou se consagrará a desproporcionalidade de punição vil, ou se deslegitimará a produção legislativa, atestando a imprestabilidade da disposição.

O mesmo se diga de uma confusa normatização sobre organizações criminosas. Sabe-se, por evidente, que a disposição atinente ao crime de quadrilha ou bando não se adéqua a certa vertente da criminalidade moderna. Convenções internacionais e a própria dogmática exigem aperfeiçoamento da construção típica, mas esta deveria ser feita com um mínimo de preocupação conceitual. Ao se estipularem severíssimas penas, também se acaba por incorrer no risco de desproporção ou ilegitimidade patente. Com isso em mente, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais apresenta sua mais aguda preocupação no sentido de que a voz das ruas se faça ouvir corretamente, resultando em medidas sérias e conformes à Constituição, e não em eco repetitivo de fórmulas passadas e irracionais, as quais já demonstraram sua ineficácia.



IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040