INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 241 - Dezembro/2012





 

Coordenador chefe:

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Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi, Rafael Lira e Renato Stanzio

Conselho Editorial

Editorial

Editorial - Na guerra entre a polícia e o crime, a vítima é o povo pobre

“Não houve punição aos crimes de 2006, o poder público deu carta branca aos policiais, os crimes foram cometidos com o consentimento do Estado. Houve chacinas em 2009 e também os crimes de abril de 2010 na Baixada Santista. E em todos esses casos, quem se escondia debaixo do capuz era o Estado. Os crimes dos últimos meses têm muita semelhança com os crimes de 2006, é um maio continuado”.(1)

Sob o sempre conveniente pálio da guerra contra organizações criminosas, está em curso um genocídio que atinge membros das classes subalternizadas que vivem nas zonas periféricas da Grande São Paulo.

Toque de recolher, suspensão de atividades educacionais e culturais e assassinatos em massa durante a madrugada. Essa é a triste rotina vivida nos últimos meses pela população que mora nos imensos bolsões de pobreza que cercam a metrópole paulistana.

Por trás dessa onda de violência, suspeita-se que há uma disputa por pontos de venda de drogas e jogos caça-níquel, marcada pelo embate entre facções criminosas que atuam dentro e fora dos presídios e milícias e grupos de extermínio compostos por policiais civis e militares, conforme noticiado pela imprensa.(2)

Os dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, relativamente ao terceiro trimestre de 2012, revelam um preocupante aumento no número de homicídios dolosos, bem como um impressionante incremento no concernente ao número de pessoas mortas pela Polícia Militar.

Segundo análise elaborada pelo Instituto Sou da Paz,“no caso dos homicídios dolosos, que aumentaram 24,7% em relação ao 3.º trimestre de 2011, trata-se de fenômeno atípico para o período. Nos últimos 10 anos, as ocorrências de homicídios dolosos no 3.º trimestre vinham caindo em relação ao 3.º trimestre do ano anterior”.(3) Ainda de acordo com essa análise, o morticínio pode ser explicado em razão do “acirramento dos confrontos entre policiais e supostos criminosos e à execução de policiais durante a folga. A tônica da retaliação, seja por parte de policiais ou de criminosos, somada ao apoio das autoridades a uma atuação mais enérgica por parte da Polícia Militar, tem impacto direto no aumento das mortes”.

No que diz respeito à letalidade policial, o quadro é ainda mais assustador. De cada cinco pessoas assassinadas em São Paulo no terceiro trimestre de 2012, uma foi morta pela polícia. Nesse mesmo período, o número de policiais feridos em confrontos é o menor dos últimos dez anos, 57% menor do que o número relativo ao 3.º trimestre de 2011.

Na capital, o modo de agir da polícia é muitíssimo mais violento do que no restante do Estado, como mostra a análise do Instituto Sou da Paz: “Calculando a razão entre o total de pessoas mortas ou feridas pela Polícia Militar e o número de policiais militares mortos ou feridos no último trimestre, percebemos que na capital, a cada policial militar morto ou ferido, 6 pessoas foram mortas ou feridas pela PM. Fora da capital, essa proporção foi três vezes menor (...). Mesmo na Grande São Paulo, palco de inúmeros confrontos nos últimos meses, essa proporção foi de 4,3 pessoas mortas ou feridas pela PM para cada policial militar morto ou ferido”.(4)

A apologia da violência e o incentivo ao uso excessivo da força, características institucionais da Polícia Militar, inspiraram o Governador do Estado, que declarou a respeito de mais uma resistência seguida de morte: “quem não reagiu, está vivo”.

Em síntese, a política de segurança pública em São Paulo se resume à alocação de mais policiais nas ruas e à instigação à vindita.

Como se não bastasse, a investigação dos crimes violentos, a cargo da polícia judiciária, é extremamente ineficiente. Quando envolve a política de extermínio de Estado, a chance de esclarecimento é mínima. Lamentavelmente, esse tipo de impunidade não desperta indignação, como bem demonstra a ausência de responsabilização dos autores do massacre do Carandiru, muitos dos quais foram inclusive promovidos nos últimos 20 anos.

É hora de romper o ciclo vicioso da vingança que perpetua a violência. É hora de repensar o modelo de segurança pública. Nesse sentido, e a despeito de outras mudanças necessárias, a desmilitarização da polícia e o investimento em inteligência e no aperfeiçoamento dos métodos de investigação – especialmente no que se refere ao ultrapassado modelo de inquérito policial previsto no Código de Processo Penal – são medidas urgentes.

Notas

(1) Débora Maria da Silva, mãe de Edson Rogério Silva dos Santos, assassinado por policiais em 2006, fundadora do grupo Mães de Maio, movimento que congrega familiares das vítimas da violência policial (“No Rio e em SP, polícia mata pobres como nunca”. Disponível em: . Acesso em: 12 nov. 2012.

(2) “Situação na periferia de SP é de calamidade, dizem movimentos sociais”, matéria publicada no jornal O Globo em 31.10.2012. Disponível em: . Acesso em: 12 nov. 2012.

(3) Disponível em: . Acesso em: 12 nov. 2012.

(4) Idem, ibidem.



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