Fernanda Regina Vilares
Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi e Renato Stanziola Vieira
Instalada em 16 de maio de 2012, com a posse de sete integrantes, a Comissão Nacional da Verdade deve implementar a Lei 12.528/2011 que visa entre diversos objetivos: promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior (art. 3.º, II). A lei fixa o período a ser investigado – de 1946 a 1988 – e determina que a Comissão terá o prazo de dois anos, contado da data de sua instalação, para a conclusão dos trabalhos... (art. 11). O Brasil é um dos últimos países da nossa região a criar a Comissão da Verdade e o faz com uma lei ainda limitada, que restringe a sua força política para uma apuração detalhada da verdade dos fatos.
A luta incansável de familiares dos mortos e desaparecidos políticos foi, sem dúvida o que impulsionou a criação da Comissão. Lembremos aqui o caso da Guerrilha do Araguaia, movimento – que durou de 1972 a 1974, no sul do Pará – no qual os militares sequestraram, mataram e promoveram a ocultação dos cadáveres de 70 militantes políticos e de um número incerto de camponeses da região. Talvez tenha sido um dos episódios massivos mais violentos e truculentos daquela época: crianças, filhos de guerrilheiros sequestrados – e que não tiveram até hoje sua identidade resgatada – e provavelmente nascidas em cativeiros; cabeças decepadas; camponeses torturados junto às suas famílias; vilas e cidades cercadas pelas forças militares; moradores da região impedidos de ir e vir. Os familiares dos guerrilheiros ganharam a ação judicial que tramitou na Justiça brasileira de 1982 a 2007. E tiveram êxito junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA quando houve a condenação do Estado brasileiro, em 14 de dezembro de 2010, obrigando-o a localizar e entregar os restos mortais dos desaparecidos políticos do período da ditadura militar (1964 a 1985) e a apurar as responsabilidades dos agentes estatais pelas violações de direitos humanos. A Corte Interamericana não aceitou a decisão do STF que estendeu os efeitos da Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) aos torturadores, o que é considerado autoanistia.
O funcionamento da Comissão Nacional da Verdade deveria potencializar as ações para a execução dessas sentenças que ainda não foram cumpridas devido à falta de informações.
Quando a Presidenta da República, Dilma Roussef, sancionou a lei que cria a Comissão da Verdade, sancionou, em seguida a
Lei 12.527/2011, que viabiliza o acesso a informações produzidas pelos órgãos públicos e que foi regulamentada em 16 de maio de 2012, pelo Decreto 7.724/2012. Nesta lei, estão definidos as classificações dos documentos e os prazos de restrição de acesso à informação:
a) ultrassecretos (25 anos); b) secretos (15 anos) e reservados (5 anos) – art. 24, § 1.º, I, II e III. O Ministério da Defesa, antes que fosse aprovado o decreto de regulamentação da referida lei, refez a classificação dos documentos produzidos pelas Forças Armadas por ocasião da ditadura de forma a torná-los interditados para consulta (Folha de S. Paulo, 12.06.2012).
O obstáculo maior a ser enfrentado pela Comissão Nacional da Verdade será, sem dúvida, o da falta de informações para desenvolver, em condições adequadas, os trabalhos de investigação.
Por parte dos familiares, persiste a busca e cresce a ansiedade. Quanto mais o tempo passa, consolidam-se as incertezas. Conhecerão a verdade dos fatos? Serão apurados as responsabilidades pela tortura, pelos estupros ocorridos, pelos desaparecimentos forçados, pelos sequestros de crianças, pela ocultação de cadáveres? Terá a Comissão coragem suficiente para apontar as causas da violência estatal e para produzir recomendações de políticas públicas que ponham um basta à perpetuação dos crimes da ditadura, como a tortura, os assassinatos e ocultação dos corpos, tão frequentes na nossa sociedade nos dias de hoje? Terão os familiares o direito de dar uma sepultura digna aos seus mortos?
Oxalá, a Comissão Nacional da Verdade tenha força suficiente para responder a essas questões. Cabe à sociedade participar, opinar e oferecer suas contribuições.
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