Fernanda Regina Vilares
Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi e Renato Stanziola Vieira
Em junho de 2002 o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais publicou boletim especial dedicado em sua íntegra a temas relacionados à Defensoria Pública. À época, o Estado de São Paulo se notabilizava por ser um dos únicos entes da Federação que não cumpria a Constituição Federal no que toca à necessidade de se estruturar como instituição exclusivamente dedicada à defesa da população hipossuficiente.
Em razão do caráter eminentemente seletivo de um sistema de justiça criminal, que tem como “clientes preferenciais” jovens pobres das periferias dos centros urbanos, a omissão apontada reclamava a adoção de postura crítica e contundente a fim de dar visibilidade às nefastas consequências de postura estatal negligente, no que diz respeito à defesa e afirmação dos direitos das pessoas economicamente vulneráveis.
Passados quase 10 (dez) anos daquela publicação, avanços consideráveis foram notados no estado da arte da prestação da assistência jurídica no país. A Emenda Constitucional 45 conferiu autonomia à instituição, que foi ampliada e fortalecida em diversos Estados. A população de São Paulo e do Rio Grande do Norte comemoraram a instalação da Defensoria Pública, e os Estados de Goiás e do Paraná aprovaram a respectiva lei orgânica estando em vias de estruturar as suas carreiras. Santa Catarina, lamentavelmente, isolou-se no cenário nacional como o único Estado que insiste em modelo de advocacia dativa remunerada com recursos públicos.
A adoção do modelo público de prestação da assistência jurídica reflete opção política clara, contemplada na Constituição Federal de 1988, e que contou com significativo respaldo social, atendendo a reclamo trazido por uma das emendas populares que contou com o maior número de subscrições.
Inegável que a estruturação adequada da Defensoria Pública se insere em um processo que deve conduzir ao gradativo aumento do número de defensores a fim de garantir que a sua atuação se estenda a todas as comarcas brasileiras. Por um longo período, a advocacia desempenhou relevante contribuição na prestação da assistência jurídica no país. No entanto, o reconhecimento deste fato não pode conduzir à criação de uma reserva de mercado, perenizando uma situação excepcional.
A partir dessa perspectiva, no último dia 29 de fevereiro, o STF escreveu mais um importante capítulo na história da assistência jurídica no país, ao julgar a ADIn 4163/SP. Na referida ação direta de inconstitucionalidade, questionava-se a constitucionalidade do art. 234 da Lei Orgânica da Defensoria Pública de São Paulo, que obrigava a Instituição a manter convênio com a OAB/SP para prestação de assistência judiciária suplementar à população hipossuficiente do Estado. A Corte, proclamando o direito fundamental de acesso à justiça por meio da Defensoria Pública, declarou a não recepção do dispositivo pela Constituição.
Além de rechaçar suposta obrigatoriedade e exclusividade do convênio com a OAB, o STF reafirmou o modelo público de prestação de assistência jurídica, desenhado pelo constituinte, hoje desvirtuado em razão da insuficiência de cargos de defensores públicos.
Em seu voto, o eminente relator, Min. Cézar Peluso, salientou que a regra primordial para a prestação de serviço jurídico pelo Estado é a do concurso público, constituindo-se situação temporária e excepcional a hipótese da assistência jurídica aos necessitados por meio de profissionais que não sejam defensores públicos concursados, o que somente poderá se dar a critério da Defensoria Pública, como instituição gestora da política de assistência jurídica. Da mesma maneira, o relator asseverou que a suposta obrigatoriedade de se firmar convênio com a OAB deturpa a noção de autonomia constitucionalmente conferida à Defensoria Pública para bem desempenhar as suas funções institucionais.
A consolidação da democracia numa sociedade ainda marcada por um quadro de extrema desigualdade social reclama a ampliação, o aprimoramento e o fortalecimento da Defensoria Pública. Assim, a importante decisão do STF veio em boa hora. O que se espera agora é que o Poder Executivo cumpra o comando constitucional e amplie o número de defensores públicos, para que a decisão do STF transcenda o plano teórico e possa efetivamente fazer diferença na vida daqueles que mais precisam.
Por seu turno, as instituições da Defensoria Pública devem seguir na trilha da defesa intransigente dos direitos humanos, cumprindo o seu relevante papel de transformação social por meio da concretização do acesso à justiça.
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