Fernanda Regina Vilares
Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi e Renato Stanziola Vieira
O que é um Código? Alguém dirá que é uma coleção sistemática de sinais, números, ou palavras destinados a possibilitar brevidade de expressão, identidade de pensamentos ou economia na comunicação entre as pessoas. Quem disser isso não está errado. Mas será que tal acepção explica o que é um Código Penal? A resposta é sim e não. Embora utilizemos a expressão Código para designar quaisquer agrupamentos legais (Código de Hammurabi, Código de Manu e tantos outros da Antiguidade), podemos pensar em Código somente a partir do esforço científico iluminista. É a partir desse momento que se pensa em desdobrar o conjunto de leis penais em duas partes. Na primeira, seguem os modelos explicativos de funcionamento daquele instrumental sistemático. É a Parte Geral. Na segunda, estar-se-á diante das normas proibitivas acompanhadas das respectivas sanções. É a Parte Especial. A criação de tal dicotomia nasce com o esforço racionalista da burguesia. Não por outra razão, os primeiros Códigos Penais surgem no século XVIII, sendo o primeiro deles o Código Penal da Baviera, de 1751
O esforço racional-codificador da Ditadura Vargas envolveu a criação de um sistema penal. Datam do mesmo período um Código Penal, outro Processual Penal e a Lei das Contravenções Penais. Esse microssistema, criado nos anos 40, traduz uma forma de pensar punitiva, que marcaria as décadas subsequentes com um cariz autoritário de vertente patrimonialista. Não obstante a reforma da Parte Geral de 1984 (Lei 7.209/1984), acompanhada da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984), ter trazido sensíveis modificações nesse sistema, as sucessivas reformas pontuais, as modificações do Código de Processo Penal e a própria transformação da sociedade, acabaram por criar uma demanda de modificação
Um Código Penal, qualquer que seja, contempla algumas funções. O primeiro papel a cumprir é assegurar a sistematização racional da Lei Penal. Trata-se de um papel garantidor, em que se assegura clareza no acesso às leis, bem como a segurança para os operadores do Direito, assim como aos destinatários da norma. A segunda função é compiladora. Trata-se de sintetizar todas as leis vigentes em um único corpo, evitando-se conflitos existentes em face do grande acúmulo de leis esparsas editadas ao longo dos anos. A terceira função a se cumprir é a ordenadora. Com tal ideia, tem-se em mente a necessidade de uma melhor ponderação dos bens jurídicos em conflito em face do desvalor das condutas. Não é razoável, por exemplo, que o crime de redução a condição análoga à de escravo (art. 149 do CP) tenha uma pena tão diminuta se comparada à extorsão mediante sequestro (art. 159), não obstante identidades entre os delitos. Também não é crível que delitos de perigo possam ter penas mais graves que crimes de dano da mesma natureza. Ainda pior: não se pode admitir, como ocorre hoje, que crimes culposos tenham penas superiores a idênticos crimes dolosos (vide art. 129, caput, do CP em cotejo com o art. 304 da Lei 9.503/1997). Também é fundamental que um projetado Código Penal cumpra a função orientadora, propiciando melhor equacionamento dogmático em face de novas demandas da sociedade de risco. Crimes sexuais devem fazer parte dos crimes contra a pessoa, porquanto o sexo faz parte do ser humano. Por fim, não se pode desprezar a função transformadora, pois um Código Penal cristaliza uma tendência e projeta para o futuro um descortinar de ideias novas. Falar em alternativas penais, por exemplo, é já inseri-las como pena principal no preceito secundário dos tipos proibitivos, não permitindo que ela só se aplique como substitutiva de uma pena prisional, cujos inconvenientes são sobejamente conhecidos. É também modernizar dispositivos autorizadores do aborto legal, permitindo, no mínimo, a prática em casos de anencefalia
Qualquer que seja a condução dada pela Comissão para elaboração de um novo Código Penal, é fundamental que se ouçam a comunidade jurídica, as universidades, as carreiras e instituições do Direito, para que o resultado do trabalho não seja o mesmo das que lhe precederam: o esquecimento no fundo de uma gaveta quando da mudança do governo, ou do Presidente do Senado que a convocou.
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