INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 230 - Janeiro /2012





 

Coordenador chefe:

Fernanda Regina Vilares

Coordenadores adjuntos:

Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi e Renato Stanziola Vieira

Conselho Editorial

Editorial

EDITORIAL - Brasil, brasis

O Brasil foi solenemente informado, pelo jornal de maior circulação no país, que mulheres presas são mantidas algemadas ou com calcetas nos tornozelos, no instante mesmo do parto de seus filhos, em maternidades públicas do Estado de São Paulo.

Pese a ríspida negativa oficial quanto à veracidade dessas denúncias, é certo que se trata de notícias que, há anos, vêm chegando desde as mais diversas fontes de informação. De modo algum, portanto, poderiam ter sido até aqui ignoradas pelas autoridades administrativas e judiciárias do Estado que, ainda, não tomaram nenhuma providência concreta para sua apuração isenta, transparente e cuidadosa.

Organizações e instituições da maior respeitabilidade, com histórico inatacável na defesa dos direitos humanos e que sempre se pautaram com imparcialidade e cuidado na triagem de informações – como é o caso da Pastoral Carcerária e da Defensoria Pública de São Paulo – vêm também aconselhando a imediata investigação dessas denúncias que, aliás, tocam a mais de uma secretaria de Estado e a mais de uma esfera de governo. Em notas públicas recentes, a OAB/SP e a Associação Juízes para a Democracia reclamaram providências imediatas do Governo do Estado de São Paulo que, repita-se, até o momento nada mais fez que se limitar à simplória negativa dos fatos, sem outros encaminhamentos, apurações ou determinações.

Não bastasse a infração constitucional explícita nesse procedimento ora denunciado – verdadeiramente cruel, desumano e degradante – temos aqui, em acréscimo, a notícia de uma inimaginável e afrontosa violação da Súmula 11 do STF. A circunstância de que, agora, as vítimas dessa violação não são ricos empresários ou famosas personalidades da política nacional – trata-se de mulheres anônimas, esquecidas no mais das vezes por seus próprios companheiros e silenciadas desde sempre por todos – mostra-nos também roturas profundas no nosso próprio dom de olhar as coisas que estão ao nosso redor. Há pouco bastou que pessoas conhecidas e poderosas fossem televisionadas algemadas para que editássemos, com celeridade e eloquência, uma súmula vinculante contra essa idéia de algemar pessoas gratuitamente. Contudo, por décadas vimos assistindo programas sensacionalistas de televisão, com exposição diária de pessoas na própria situação de seu vexatório aprisionamento, sem que até aqui se tenha pensado em súmula alguma impedindo ou responsabilizando policiais de encenarem esses espetáculos cínicos, posto que criminosos (LEP, art. 41, VIII; Lei 4.898/1965, art. 4º, “b”).

A notícia das parturientes com grilhões é certamente espantosa e chocante. A indisposição das autoridades para apurá-la, porém, pode ser tudo, mas não é de modo algum surpreendente. Sempre toleramos, sem inquietações, ao nosso lado, a existência muda de toda uma imensidão de Brasil simplesmente subtraído de qualquer ideia de legalidade e controle. Um país inteiro, debaixo de nossos tapetes, não cabe ser discutido porque, no fundo, concretamente não nos interessa discuti-lo.

Esse segundo Brasil é um país de privacidades sigilosas, embora muitas vezes cometidas por agentes públicos como tais. Agem estes como se estivessem circunscritos aos seus círculos familiares mais indevassáveis. Imaginam-se no espaço doméstico, protegendo os seus entes do olhar alheio. Temem – e como temem! – a bisbilhotice dos vizinhos.

Nesse Brasil, as violências validam-se porque simplesmente costumeiras. Ainda que tenha por palco o próprio Estado, esse outro Brasil está absolutamente subtraído da esfera pública, do debate das ruas e da investigação clara dos fatos. Não vale mencioná-lo e sequer refletir sobre ele. Esse é o país que nunca vem aos autos. É o país que se demorou na escravatura porque, avançado aquele século, já se tornara deselegante falar dela ou publicá-la. Esse é o Brasil dominante que, inclusive, não quer apurar quais foram os autores dos sequestros, das torturas e das mortes cometidas pela última ditadura militar, embora saiba que muitos deles continuam aqui, entre nós, dando cartas. Aliás, esse é o país em que réus de massacres indizíveis, logo que se abriu algum silêncio, agora mesmo acabam de ser elevados à posição de comandantes máximos de nossas tropas. Temos um Brasil que, sorrateiramente, mantém centenas de presos em caixas de lata, ao lado de excrementos. Um Brasil que, lá para os cantos da Amazônia, enjaula meninas lado a lado com homens feitos. Afinal, esse mesmo país também sabe organizar ruidosas copas do mundo e postular assentos em organizações internacionais. Quer – quer muito! – sentar-se à mesa, risonhamente, com outras nações. Pensa e diz ter algo para ensiná-las, sobre essa tal de civilização.



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