Fernanda Regina Vilares
Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi e Renato Stanziola Vieira
Como uma bomba que cai do céu. Foi deste modo que muitos receberam a Resolução 548/11 do Tribunal de Justiça de São Paulo, a qual instituiu os denominados julgamentos virtuais. A critério da turma julgadora, agravos internos ou regimentais e embargos de declaração poderão ser julgados virtualmente. Caberá ao relator determinar a prévia ciência das partes pela imprensa oficial “para o fim de preparo de memoriais ou eventual oposição em cinco dias, à forma de julgamento, bastando a de qualquer delas, sem necessidade de motivação, para impedi-la”.
A Resolução, porém, foi mais longe: admite a possibilidade de apelações, mandados de segurança e habeas corpus também serem julgados de maneira virtual, desde que, para eventual oposição ou sustentação oral, seja concedido o prazo de dez dias às partes.
Há ao menos duas questões que merecem ser destacadas. A primeira diz respeito à cautela com que se procura introduzir a inovação. Qualquer veto das partes ___ sim, é disso que se trata, porque oposição sem fundamentação é veto ___ impede o julgamento virtual. Isso já revela que se trata de um experimento. Portanto, parte-se do princípio que a aceitação dos envolvidos domina a aplicação da virtualidade, o que revela o caráter democrático da proposta.
A segunda questão atina com a validade da realização dos julgamentos virtuais. Em recente discussão que a Folha de S. Paulo propiciou, na prestigiada seção “Tendências e Debates”, de 22.10.2011, o Presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcanti, manifestou-se contrariamente à proposta, afirmando que “o problema é estrutural e não virtual”. Partindo da premissa de que a Resolução em questão escamoteia as deficiências estruturais e crônicas do Judiciário, passou a criticar abstratamente seus “hábitos” e sua “estrutura”. Por outro lado, o Desembargador
Renato Nalini, do TJSP, defendendo o novo método de realizar julgamentos, começou com um desafio: só pode ser contra a Resolução “quem não conhece ___ ou não interessa conhecer ___ como são decididas as causas” (“deixem a justiça evoluir”).
Os atores da cena forense parecem não se ouvir. Sim, a Justiça tem problemas estruturais, mas a inovadora proposta não os escamoteia e, tampouco, os perpetua. Joga a favor da celeridade e, por paradoxal que seja, favorece também a qualidade das discussões públicas nos casos em que os profissionais atuantes (advogados, membros do Ministério Público e desembargadores) assim o exigirem. De fato, com o desafogo da pauta de julgamentos, será possível discutir, com mais tempo e mais aprofundadamente, as questões de maior relevo e nas quais há dissenso. O que não se pode admitir é que o tempo da sessão pública seja tomado por julgamentos que, na verdade, só na aparência são colegiados. Hoje, os julgamentos de agravos processam-se mecanicamente e podem funcionar muito bem no ambiente virtual. Não é incomum, nas justiças estadual e federal, presenciarmos julgamentos em bloco, por exemplo: do número 7 ao 32 da pauta, “estou negando provimento”, diz o relator; ao que o presidente responde: “é o resultado que se proclama”. Não é para isso que os juízes se devem reunir em sessões públicas. Estas devem ser reservadas para os casos que reclamem discussões e nas quais as partes queiram intervir com suas sustentações orais e eventuais questões de ordem, aliás, tão importantes para evitarem-se erros judiciais.
É preciso ter claro que a inovadora proposta do TJSP pode, sim, representar um avanço, porque, no caso, salvo o desinteresse da parte, não atinge compulsoriamente os processos nos quais caiba a defesa oral. Assim, sem prejuízo para a defesa dos litigantes, a Justiça porá à prova um método que representa a consagração de algo que já ocorre na prática com a prévia troca de votos. Se funcionar bem, a experiência poderá ser ampliada, sempre respeitando o sagrado direito constitucional à ampla defesa.
Por fim, uma palavra sobre a publicidade dos julgamentos. Decisões monocráticas ganham vida quando publicadas. Hoje, quando, no Tribunal, um punhado de casos é decidido em bloco, só se terá efetivo conhecimento do conteúdo das decisões com a publicação. No julgamento virtual, valerá a mesma coisa. Dessa forma, se, amanhã ou depois, ações penais originárias também forem julgadas no ambiente virtual, terá que mudar o entendimento de que o marco interruptivo da prescrição é o do dia em que se finalizou o próprio julgamento e não o da publicação do acórdão, pois, naquela data, a decisão tornou-se pública (RTJ, 87/828; RSTJ 30/104). No julgamento virtual, a publicidade dar-se-á com a publicação no Diário Oficial.
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