INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 227 - Outubro /2011





 

Coordenador chefe:

Fernanda Regina Vilares

Coordenadores adjuntos:

Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi e Renato Stanziola Vieira

Conselho Editorial

Editorial

EDITORIAL - Reflexões sobre os crimes tributários: protesto pela coerência

Na década de noventa, o sistema jurídico penal brasileiro começou a revelar uma postura utilitarista no que tange aos crimes tributários, trilhando o caminho da sobreposição do interesse arrecatatório ao punitivo. Iniciou a jornada pela previsão de extinção de punibilidade pelo pagamento do tributo em momento anterior ao recebimento da denúncia, passou pela previsão de suspensão da pretensão punitiva em virtude da adesão ao parcelamento e atingiu a possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento integral do tributo independentemente do momento em que fosse realizado.

Recentemente, por meio do artigo 6º da Lei n. 12.382/11, retomou-se a exigência de que o pagamento ou parcelamento do tributo fossem feitos antes do recebimento da denúncia para que deles emergissem os efeitos penais benéficos. No entanto, apesar da alteração, a política fiscal continua a utilizar o Direito Penal como mero instrumento de cobrança de tributos, o que é inadmissível em nosso ordenamento jurídico.

Se a persecução penal é deflagrada apenas no caso do devedor não efetuar o pagamento ou parcelamento de suas dívidas antes do início do Processo Penal, fica claro que sua utilização é mais inclinada a uma chantagem estatal do que ao atendimento de sua dupla finalidade de garantir a segurança e a liberdade aos cidadãos.

O Direito Penal só pode ser acionado subsidiariamente, com vistas a efetivar a proteção a bens jurídicos relevantes, e, a partir do momento em que os efeitos nocivos que a sonegação fiscal causa à “Ordem Tributária” são deixados de lado para se contentar com a mera arrecadação, há que se refletir a respeito do real objetivo e, consequentemente, da legitimidade da intervenção penal no âmbito tributário.

É verdade que a arrecadação tributária é essencial para a construção e a manutenção de um Estado Social, que tem por finalidade prover a população de serviços essenciais financiados pelos tributos. Também é verdade que não há justiça fiscal no País, no qual os cidadãos de baixa renda pagam muito mais impostos do que aqueles mais abastados, o que torna premente a perseguição aos grandes sonegadores que alargam a injustiça social. No entanto, deve-se ter coerência na valoração das condutas e sanções.

O Direito Penal não pode ser visto como instrumento político para solucionar todos os problemas da sociedade, devendo ser acionado apenas quando não houver outro meio apto para tanto. Se a postura utilitarista e arrecadatória do Estado deixa claro que a ameaça de sanção penal nos crimes tributários é utilizada apenas para atingir o objetivo de pagamento do tributo, há meios menos gravosos e mais eficazes para proporcionar a devida proteção à arrecadação, em consonância com os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade, já que não possui status de bem jurídico.

Nesse sentido, as sanções administrativas parecem atingir o fim arrecadatório e promover o pagamento dos tributos com a mesma (ou até maior) eficácia do que a ameaça penal o faz, já que a taxa de sonegação é alta e a sanção penal não vem atingindo seu objetivo de prevenção e dissuasão de condutas sonegadoras.

Na linha da descriminalização aqui preconizada, podemos buscar inspiração no modelo das Contra-Ordenações portuguesas, para intervir nas situações em que não se justifica um rótulo de crime por falta de dignidade penal, mas que afetam bens jurídicos importantes. Na prática, o Direito das Contra-Ordenações difere do Direito Penal por conta da natureza da sanção que, naquele caso, é pecuniária ou restritiva de direitos e chama-se coima, a qual é estabelecida de acordo com o poder aquisitivo do infrator e a relevância do dano causado.

A utilização deste instrumento de descriminalização sem a correspondente permissividade possibilitaria a implementação de uma maior coerência entre a sanção prevista para a sonegação de tributos e a relevância atribuída à conduta pelo próprio Estado.

Outra forma de se atingir semelhante objetivo seria possibilitar a relativização do princípio da obrigatoriedade da ação penal, ou aplicação do princípio da oportunidade, para os crimes tributários, de maneira que o acusador só denunciaria o devedor no caso da afetação ao bem jurídico “Ordem Tributária” ter sido de grande monta ou, ainda, de terem sido causados danos a outros bens jurídicos, de modo a justificar a intervenção penal.

É papel do IBCCRIM chamar atenção para a necessidade de aprofundar-se a discussão a respeito da legitimidade dos crimes tributários e das alternativas que se apresentam para tornar o sistema coerente, não apenas para deixar de prever a sanção privativa de liberdade para essas condutas cuja relevância é relativizada pelo próprio Estado ao privilegiar a arrecadação, mas também para aumentar a eficácia da norma que impõe a obrigatoriedade do pagamento dos tributos e, consequentemente, tornar possível a consecução do Estado Democrático de Direito.



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