INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 223 - Junho /2011





 

Coordenador chefe:

Fernanda Regina Vilares

Coordenadores adjuntos:

Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi e Renato Stanziola Vieira

Conselho Editorial

Editorial

EDITORIAL - Um oásis no deserto punitivo

Esse espaço já foi usado diversas vezes para criticar a classe política brasileira por produzir leis penais e processuais penais apenas como uma resposta imediatista à sensação de insegurança da população. É fato que a já conhecida fórmula da legislação do pânico tem sido largamente utilizada pelos políticos. Basta ocorrer um crime que choque a sociedade para que soluções mágicas, quase sempre envolvendo o aumento de penas, apareçam.

Assim, quando uma lei é aprovada na direção oposta das tradicionais respostas punitivas simplistas, este espaço deve ser utilizado para reconhecer que é possível elaborar uma legislação penal e processual penal como parte de uma política criminal consistente.

Foi o que ocorreu com a promulgação da Lei 12.403, de 2011, que regulamentou a utilização de medidas cautelares no Processo Penal.

Esta Lei não é uma resposta mágica fornecida em um momento de grande comoção nacional. Trata-se do resultado de um amplo processo de discussão que durou dez anos e ofereceu soluções concretas a problemas sérios do sistema penal do País. O projeto que deu origem à nova lei foi elaborado por uma comissão de juristas e enviado ao Congresso em 2001, fez parte dos dois pactos republicanos entre os três poderes para reforma do judiciário e, finalmente, foi aprovado este ano.

A Lei responde a alguns dos mais graves problemas da justiça criminal brasileira. O País possui, hoje, pelo menos 37% de seus presos privados de liberdade em caráter provisório.(1) Tal situação, na qual a pena acaba sendo antecipada ao julgamento, configura verdadeira afronta ao princípio da presunção de inocência, uma das bases do Estado Democrático de Direito.

Percebe-se que o caso é ainda mais grave ao verificar-se que uma parte considerável desses presos provisórios, ao final do processo, receberá penas alternativas. Ou seja, esperam o julgamento sob o efeito de medida cautelar muito mais grave do que a pena que receberão em caso de serem condenados.

Para ter-se uma dimensão da gravidade deste problema, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, havia, em dezembro de 2010, 31.934 pessoas presas pelo cometimento de furto simples (ou 7,5% dos presos no Brasil). Como isso é possível, dado que a pena máxima para furto simples é de 04 anos – o que possibilita a substituição da pena de prisão por uma pena restritiva de direitos? O que ocorre, em muitos desses casos, é que o indivíduo é preso em flagrante e, quase que por inércia, é mantido privado de sua liberdade ao longo de todo o julgamento.

A nova lei apresenta respostas para essa situação. Em primeiro lugar, ela corrige uma distorção importante. O Brasil já possui uma cultura de aplicação de penas alternativas. Se é verdade que ainda há falta de estrutura para aplicação dessas penas, não é desprezível que tenhamos hoje um número de pessoas cumprindo penas alternativas equivalente ao número de pessoas presas. Entretanto, essa cultura não se transpõe para o período anterior à condenação. Assim, é uma inovação fundamental – trazida pela nova lei – o oferecimento de um verdadeiro cardápio de medidas cautelares alternativas que permitem ao juiz escolher a mais adequada para garantir o andamento do processo, sem ferir garantias individuais do réu.

É verdade que alguns juízes já aplicavam medidas cautelares diversas da prisão em alguns casos. Mas, com a Lei, temos duas importantes novidades. A primeira é a regulamentação dessas medidas de forma detalhada, o que dá mais segurança jurídica para todos os envolvidos no processo e inibe a possibilidade de decisões arbitrárias. A segunda – e mais importante – é o reconhecimento legal da subsidiariedade da prisão preventiva em relação a todas as outras medidas cautelares. Para garantir este princípio, o Código de Processo Penal estabelece agora, de forma expressa, que, ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz só pode converter a prisão em preventiva caso revelem-se inadequadas ou insuficientes as outras medidas cautelares previstas.

Mas a medida de maior impacto prevista na nova lei é a autorização da prisão preventiva apenas para crimes com pena máxima superior a quatro anos. Trata-se do reconhecimento quase óbvio de que, nos casos em que o legislador optou por não oferecer a pena de prisão como resposta, não é possível estabelecer a prisão como medida cautelar, pois se estaria produzindo sobre o réu todos os efeitos negativos que a existência das penas restritivas de direito pretende evitar.

Se há, como se viu, motivo de júbilo na aprovação da lei, não se pode deixar de apontar alguns problemas. Durante a tramitação do texto no Congresso, foi inserida uma medida cautelar não prevista no projeto original: a monitoração eletrônica. Sem discutir aqui os efeitos positivos ou negativos da medida, é fato que sua aplicação é complexa e, se não for bem detalhada, pode dar ensejo a violação de direitos fundamentais. A Lei prevê a possibilidade desta medida cautelar, mas não estabelece limites ou parâmetros para sua aplicação.

Mas o balanço final da nova Lei é extremamente positivo. Esperamos que este processo de discussão séria e ponderada de uma lei processual penal sirva de exemplo para o legislador brasileiro.

NOTA

(1) O número não é preciso, pois os dados sobre presos provisórios do Ministério da Justiça não incluem os presos em delegacia, o que nos permite supor que a proporção é ainda maior.



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