INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 221 - Abril /2011





 

Coordenador chefe:

Fernanda Regina Vilares

Coordenadores adjuntos:

Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi e Renato Stanziola Vieira

Conselho Editorial

Editorial

EDITORIAL - Anistia para evasão de divisas: impunidade ou cidadania fiscal?

O crime de evasão de divisas, previsto na Lei n. 7.492/86, tem por objetivo reprimir a saída de capitais do país como forma de proteger o sistema financeiro nacional. Hoje, no entanto, a situação econômica do Brasil é substancialmente diversa da que existia quando da edição da lei acima aludida. Nossa economia apresenta sinais de vitalidade e tem sido escolhida como destino do capital estrangeiro especulativo, que é aqui generosamente remunerado. Nas décadas de 1980 e 1990, havia inflação descontrolada e o quadro econômico instável gerava insegurança no mercado. Naquela época, a remessa de dinheiro para o exterior sem declaração à autoridade competente, em muitos casos, tinha por objetivo evitar os riscos da economia brasileira.

Nos dias correntes, o dinheiro egresso do exterior é tão abundante que o governo, vez por outra, utiliza-se de mecanismos regulatórios a fim de evitar a demasiada e artificial apreciação da moeda nacional. Não se pode dizer, portanto, que a evasão de divisas seja, hoje, um risco à economia brasileira.

A mundialização da economia criou, em seu rastro, o aperfeiçoamento dos mecanismos de fiscalização dos fluxos transnacionais do capital. Inexistem, na atualidade, portos seguros para o capital. Ao contrário do que ocorria décadas atrás, hoje os paraísos fiscais e centros financeiros offshore não são mais inexpugnáveis. Cresce, a cada dia, a pressão internacional por maiores controles sobre o dinheiro que circula no mundo. O congelamento e/ou bloqueio das fortunas bilionárias depositadas no exterior por ditadores africanos recém-apeados do poder, conquistadas pela corrupção e pela tirania, é a manifestação mais eloquente desse movimento irreversível de internacionalização do direito penal, notadamente no campo do direito penal econômico.

Tudo somado, a dúvida que surge é a seguinte: em um sistema penal cada vez mais universalizado, com o incremento dos instrumentos de cooperação internacional, compreendendo-se o direito penal como ultima ratio do controle social, a proteção do sistema financeiro nacional e o combate à corrupção e às fraudes prescindem ou não do crime de evasão de divisas?

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 354/09, de autoria do senador Delcídio Amaral (PT-MS), que tem por objetivo autorizar o reingresso de valores depositados no exterior e não declarados à Receita pertencentes a residentes no país por meio da concessão de vantagens fiscais. A ideia é tributar o retorno do capital (com alíquotas entre 5 e 10%, abaixo, portanto, da regra geral de 27,5%), propiciando não apenas o incremento da arrecadação fiscal, mas também, e especialmente, o aporte de vultosos recursos financeiros na economia brasileira como forma de financiar projetos de infraestrutura. Naturalmente esse reingresso deve ser precedido de adequada verificação acerca da origem lícita do capital.

De acordo com o projeto de lei referido, que se propõe a realizar cidadania fiscal, a anistia extinguiria a punibilidade dos seguintes crimes: contra a ordem tributária, financeira e econômica (Lei n. 8.137/90); descaminho, falsidade material de documento público ou privado e falsidade ideológica; crimes contra a previdência social (CP, art. 337-A, inciso III); crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei n. 7.492/86) e a lavagem de dinheiro cujo crime antecedente seja contra o sistema financeiro nacional (Lei n. 9.613/98, art. 1°, inciso VI).

Os críticos da proposta apontam a dificuldade para discriminar natureza e origem do dinheiro repatriado, além do aspecto simbólico de premiar o descumprimento da lei, o que caracterizaria violação do princípio da moralidade administrativa. Acrescentam que a ideia-força subjacente é antirrepublicana na medida em que favorece a elite endinheirada e fora da lei - com destaque para os políticos corruptos -, alertando ainda para a possibilidade de legalização da lavagem de dinheiro que seria operada no caso de aprovação do PL 354/09.

Os apoiadores da propositura alegam que a injeção de recursos na economia nacional, especialmente nos cofres públicos, traria grande benefício ao país, anotando que, de resto, já se procede de forma semelhante com o Refis, por meio do qual o governo estimula o pagamento de tributos sonegados com redução de multas que podem chegar a 90%. Observam que a verificação da origem do dinheiro pode ser eficaz e adequadamente realizada pela unidade de inteligência financeira do governo, inclusive por meio de cooperação internacional. Apontam medidas semelhantes aprovadas em outros países, como, por exemplo, em Portugal, Argentina, Bélgica, Estados Unidos, Rússia, Alemanha, Grécia, Turquia, Itália e México.

Consciente do seu papel de fomentador do debate e, para além disso, de indutor das soluções na seara jurídico-penal, o IBCCRIM sempre dedicou atenção ao tema, tanto que o assunto foi abordado com destaque em todas as edições do já tradicional Curso de Direito Penal Econômico Internacional, que promovemos em alentada e profícua parceria com a Universidade de Coimbra.

Dando sequência a esse mister, o 17° Seminário Internacional do IBCCRIM trata do assunto em um painel, que contará com a presença de renomados especialistas na matéria.



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