INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 7 - Agosto / 1993





 

Coordenador chefe:

Antonio Carlos Franco

Coordenadores adjuntos:

Álvaro Busana, Antonio Carlos Franco, Ana Sofia Schmidt de Oliveira, David Azevedo, Helios A.

Conselho Editorial

Editorial

A lesão corporal no futebol

Carlos Aloysio Canellas de Godoy

Por ser o esporte nacional, por desencadear emoções e paixões extremamente violentas na torcida e nos partícipes do espetáculos, o futebol torna-se o esporte mais sujeito `a desenfreada violência.

Alie-se a esses fatores um outro, que é o profissionalismo, dando condições econômico-financeiras acima do normal e lucros sempre exagerados nas vitórias aos participantes e pessoas que gravitam ao redor desse esporte.

O futebol, pela sua própria forma de ser julgado, admite a violência na disputa da bola. Explica-se: é admitida somente visando a obtenção da bola e nunca contra o contendor.

A prática do referido esporte é disciplinada pelo Código Brasileiro Disciplinar de Futebol, elaborado pelo Conselho Nacional de Desportos, órgãos subordinado ao Ministério de Educação e Desporto.

Essa lei prevê no capítulo "das Infrações dos Atletas", dois artigos e seus parágrafos únicos, específicos contra a violência. Alí estão definidas condutas contrárias `as leis desportivas e as respectivas sanções a que se sujeitam os atletas faltosos.

Sucede que, embora passível de punição de acordo com o C.B.D.F., o atleta violento permanece impune no que tange ao fato causador de lesão corporal no seu companheiro de profissão.

O que se vê nos campos brasileiros é uma série infindável de agressões de uns contra outros, nas mais variadas formas: socos, pontapés, rasteiras, cotoveladas, tapas, cabeçadas, etc.

Todas essas situações estão previstas no Código Penal na Lei das Contravenções Penais: basta usá-las.

É inegável que um atleta durante uma competição esteja animado de emoção e vontade de vencer o antagonista. É perfeitamente compreensível. Desculpam-se até determinados exageros cometidos.

O que não se compreende é a atitude violenta tomada fora das regras do jogo, durante o próprio jogo por ocasião de uma interrupção.

Argumentam os violentos pseudo-profissionais, que efetivamente usam a violência para impedir uma boa jogada do adversário e os meios de comunicação mostram, `a exaustão, os lances faltosos e as "declarações" dos maus jogadores.

Valem-se de verdadeiras agressões, causadoras muitas vezes de lesões corporais graves e gravíssimas, determinantes do afastamento das vítimas de seu trabalho, que é o próprio futebol.

A impunidade reina absoluta.

São os violentos punidos, algumas vezes, de acordo com a suave lei do futebol e voltam, posteriormente, como se nada tivessem causado.

De todo evidente que atrás das ferozes botinadas, socos e cabeçadas dos transgressores estão uma ululante torcida organizada - com exceções -, que vai a campo para estimular e praticar a violência: além de, uma parte da crônica esportiva que promove o espetáculo, tornando-se mais agressivo e perigoso; de outra sorte, os árbitros quase sempre condescendentes, alguns até incentivadores da violência como garantia do emprego; e por fim, os diretores de clubes, sempre a desculparem os seus atletas infratores.

Pouco tempo atrás, em pleno campo de futebol, viu-se um jogador, após um lance normal, desferir uma fortíssima cabeçada em outro. Nada ocorreu, além da expulsão. O ato praticado, evidentemente, delituoso, ficou sem apuração.

E note-se, de acordo com a lei processual brasileira, qualquer do povo poderá e as autoridade policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Vale dizer, em situações como a mencionada, nada impede a uma autoridade de prender o infrator.

Frise-se, ainda em acordo com a lei processual penal, nos termos do artigo 5º, o inquérito policial será iniciado, de ofício ou mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo, e também, qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento de infração penal em que caiba ação pública, como no caso da lesão corporal, poderá verbalmente ou por escrito, comunicá-la a autoridade policial e esta, verificada a procedência da informações, mandará instaurar inquérito.

Essa infringência aos dispositivos do Código Penal e da Lei das Contravenções Penais tem acontecido sistematicamente no futebol.

Não há que se alegar exercício regular de um direito na medida em que se vê a atitude proposital do agente em lesionar o adversário com o propósito de alijá-lo da disputa. Impera a brutalidade contra a habilidade.

A lesão corporal dolosa é perfeitamente possível dentro do jogo de futebol.

Já a modalidade culposa, corporificada pela imprudência, negligência e imperícia é muito difícil de se caracterizar, se bem que não totalmente impossível.

No crime doloso desportivo estão sempre presentes os seus elementos configuradores.

É necessário o nexo de causalidade existente entre a lesão sofrida pela vítima e a agressão partida do agente.

Tem-se a ação incriminada, o tipo objetivo - que consiste em ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem, sendo irrelevante o meio empregado. Há o resultado oriundo da consumação do crime e por fim, a vontade consciente e livre de provocar tal resultado.

Com todos esses elementos, presentes quase sempre em jogadas violentas `a lei desportivas e ao Código Penal, há a concretização do delito.

Falta abrir o inquérito e processar o infrator...

Se punidos os autores, talvez o futebol volte a ser bem jogado. Na bola...

Carlos Aloysio Canellas de Godoy



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