INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 194 - Janeiro / 2009





 

Coordenador chefe:

André Pires de Andrade Kehdi

Coordenadores adjuntos:

Cecília Tripodi, Eduardo Augusto Paglione e Renato Stanziola Vieira

Conselho Editorial

Editorial

EDITORIAL – O mundo global em busca de um novo paradigma

O paradigma do fundamentalismo do mercado, isto é, de um capitalismo formatado para sempre como etapa final da própria história da civilização, está morto. E morreu, por sinal, de morte morrida, em razão dos excessos de liberdade, assumidos por seus seguidores, e da crença no mito dos mercados auto-reguláveis. Fala-se abertamente, no momento atual, em final de uma era, num novo 11 de setembro atingindo a utopia do capitalismo liberal, numa situação equivalente à queda do muro de Berlim em relação ao comunismo. Qualquer que seja o enquadramento, força é convir que, para fazer face à situação confusa em que vive presentemente o mundo global, os sistemas financeiro, bancário, empresarial etc. correram, de pronto, a pedir ajuda ao Estado que estava, à luz do pensamento único, condenado à não-intervenção. Em outras palavras, o mercado que até então tinha privatizado os lucros, pretendia agora socializar as perdas. Por mais incrível que possa parecer, a resposta estatal veio de imediato. Trilhões de dólares, bilhões e bilhões de euros foram disponibilizados para pôr termo às dificuldades enfrentadas pelo mercado. Se antes ao Estado cabia apenas submeter-se à retórica da liberdade do mercado, preservando-o de qualquer ingerência pois seria ele capaz de equacionar suas próprias pendências; no momento presente era o Estado que deveria ser a tábua de salvação das loucuras, da especulação, da ganância e da falta de freios desse mercado. As quantias mobilizadas, a curto prazo, seriam mais do que suficientes para acabar com a fome no mundo, para diminuir drasticamente as desigualdades sociais, ou para desenvolver tecnologias redutoras das emissões de poluentes. Mas as medidas estatais adotadas, por seus diversos órgãos, não surtiram efeito esperado e não foram capazes de reverter a crise em curso. Não são necessários olhos de lince para verificar que o pior ainda está por vir. Trata-se, em verdade, da primeira crise que se esparrama simultaneamente por todas as regiões do mundo e por todas as atividades econômicas. Não há como escapar. Não são “marolas” da chamada economia de mercado: são ondas aterradoras, em forma de verdadeiro tsunami. A dinâmica interna desse maremoto financeiro e econômico provocará o estouro de bolhas especulativas, esvaziará os bolsões de riquezas fictícias, instalará a queda vertiginosa dos preços imobiliários e dos valores das ações e deixará como resultado final dívidas e mais dívidas que cairão como peças de um jogo de dominó, uma atrás da outra. E com tudo isso, virão a fantástica aceleração do desemprego, a radical diminuição do consumo, a profunda recessão, enfim.

O esvaziamento do paradigma capitalista do livre mercado sugere a proposta de um novo paradigma que deve ser construído, não em nível dos países ricos, mas na conjugação desses com os países emergentes e com os países de parcos recursos financeiros. Um novo paradigma deve levar em conta alguns pontos de sustentação:

a) a reinvenção do Estado-Nação permitirá estabelecer, em concurso com outros Estados, controles que ponham termo a uma globalização doidivanas, sem limites e sem regras. Mais do que nunca deverá ficar plenamente assegurado que o mercado inexistirá sem um Estado atuante e que aquele só resolverá seus problemas com mecanismos de regulação emanados do Estado;

b) a morte da teologia do mercado marcará a diminuição da influência norte-americana no mundo. Isto não quer dizer que o referido país possa ser posto de lado no contexto internacional: perdeu apenas seu caráter hegemônico. O mundo caminhará para a multipolaridade, isto é, assistirá a ascensão de novos centros de poder que não aceitarão o domínio absoluto dos Estados Unidos na concentração do poder econômico e na ordem internacional. A guerra global permanente tão a gosto da atual e isolada liderança mundial estará irremediavelmente condenada ao fracasso, e a liderança múltipla poderá dar seus primeiros passos na criação de projetos comuns idôneos a eliminar a fome e as gritantes desigualdades sociais;

c) a idéia do pleno emprego significará a busca de uma agenda progressista que garantirá a plenitude da força de trabalho e de uma nova ordem econômica e financeira, na qual será possível canalizar o crédito para as atividades socialmente produtivas, como a expansão do trabalho, a cobertura plena da saúde e o sistema educacional;

d) a reconstrução do Estado-social acarretará o crescimento do setor público, apontando para um processo de reinclusão social, o que possibilitará a diminuição sensível dos conflitos que serão equacionados por outros controles formais mais adequados, fora do direito penal. O princípio da subsidiariedade tornar-se-á real e efetivo e o direito penal não terá mais transbordamentos, que o façam sair de seus apropriados limites, nem tratará o infrator como inimigo a quem se recuse a cidadania, negue-se o justo processo penal e permita-se a tortura. A aproximação de todos os países para o equacionamento da crise econômico-financeira poderá levá-los a encarar seriamente o direito penal internacional como instrumento imprescindível para pôr fim aos horrores das guerras preventivas, dos massacres, do terrorismo, da tortura, dos crimes transnacionais e da miséria de que bilhões de pessoas participam.

Quando isso ocorrerá? Não se sabe ao certo porque é extremamente difícil dimensionar quando um novo paradigma encontrará concreção. O tempo não tem comando, nem atende a expectativas. Tudo a esta altura poderá parecer demasiadamente utópico, mas como será possível, num mundo global em profunda transformação, não crer no ser humano e não sonhar até às raias do impossível?



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