INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

     OK
alterar meus dados         
ASSOCIE-SE


Boletim - 5 - Junho / 1993





 

Coordenador chefe:

Antonio Carlos Franco

Coordenadores adjuntos:

Álvaro Busana, Antonio Carlos Franco, Ana Sofia Schmidt de Oliveira, David Azevedo, Helios A.

Conselho Editorial

Editorial

A eutánasia passiva no novo Cód. Penal

Alberto Silva Franco

É proposta da 1ª Subcomissão de Reforma do Código Penal que a eutanásia passiva seja admitida como excludente de ilicitude no texto do novo Código Penal em elaboração, porque plenamente defensável na medida em que se desloca, pouco a pouco, o eixo do conceito de vida de uma posição de valor absoluto para a de um valor relativo. A noção clássica dá à vida um caráter sagrado e intangível. Por esta concepção, desde a fecundação até a morte, a vida possui "um sentido único e um valor absoluto. É idêntico o valor da vida embrionária ou fetal, da criança, do adulto e do velho. As exteriorizações fenomênicas da vida são ontológica e axiologicamente não essenciais. Em nenhum caso, deixam de indicar significativamente o substrato ôntico unitário subjacente" (Angel Torio Lopez, "Reflexión crítica sobre el problema de la eutanasia" _ "Estudios penales y criminologicos", XIV, p. 223 - Universidad de Santiago de Compostela, 1991).

Essa postura tem sofrido, no entanto, críticas severas pro seu dogmatismo e por seu caráter nitidamente metafísico, cedendo lugar, de modo cada vez mais crescente, ao princípio da qualidade de vida. A vida humana tem , em verdade, níveis de qualidade diversos pois "não é um processo contínuo. É, ao contrário, um acontecer segmentado. A vida não é uma magnitude absoluta, mas a soma de períodos relativizados. É algo, pois, carente de unidade. Enquanto a tese idealista vê na vida uma unidade ônica e valorativa, o critério da qualidade sustenta logicamente que as diferenças entre os distintos períodos da existência humana podem dar lugar a valorização ético-jurídicas diversificadas" (ob. cit., p. 226).

Na linha desse entendimento, a questão da eutánasia passiva mostra-se em perfeito ajuste. Se a vida está sendo mantida através de instrumentos (ventilação assistida, reanimadores, tratamento em unidades de terapia intensiva etc.) a vida não é um dado de realidade, mas um mero artifício. Não há cogitar de sua manteça, e a omissão ou a interrupção do médico. "O médico não é obrigado ao prosseguimento 'ad infinitum' de um tratamento artificioso. A omissão é, no caso, conduta adequada ao ordenamento jurídico" (id. ib., p. 235).

Bem por isso, o § 6º do art. 121 exclui de ilicitude a conduta de médico que omite ou interrompe terapia que mantém, de modo postiço e inútil, a vida de uma pessoa que, segundo as pautas médicas vigentes, já perdeu irremediavelmente a consciência ou nunca chegará a adquirí-la. A omissão de terapia mostra-se inteiramente apropriada em relação a uma criança que nasceu com anencefalia. A natural condenação à morte é inexorável e conservá-la viva constitui prorrogar, desnecessariamente, a chegada irreversível da morte. Em não poucas situações, a interrupção de terapia, por sua vez, põe termo, na medida em que a vida é mantida, mediante medidas instrumentais, a uma existência fictícia. Não, há, portanto, nenhuma razão técnica ou deontológica que exija a perpetuação de providências médicas carentes de sentido curativo.

A omissão ou a interrupção de terapia não pode ser, contudo, um ato unilateral do médico. Algumas cautelas mostram-se imprescindíveis. Assim, a situação do paciente deve ser atestada, quanto à iminência ou inevitabilidade da morte, por dois outros médicos, e a omissão da terapia ou o desligamento de equipamento devem ser precedidos de prévia permissão do cônjuge ou companheiro em união estável e, na falta, de parentes sucessivamente indicados e, ainda, de autorização judicial, na forma explicitada no texto. Somente com o atendimento de todas essas exigências é que a conduta médica guarda licitude.

Alberto Silva Franco



IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040