INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 190 - Setembro / 2008





 

Coordenador chefe:

Carina Quito

Coordenadores adjuntos:

André Pires de Andrade Kehdi, Caroline Braun, Cecília Tripodi, Eleonora Rangel Nacif, Fabiana

Conselho Editorial

Editorial

Entre excessos e insuficiências perdem as instituições

Em nosso País, cultiva-se o hábito de se estender uma situação ou estado de insuficiência (de leis, de aparatos administrativos, de fiscalização, de serviços básicos ou de estruturas) além do tolerável. Após um período de omissões, desvios de funções, ineficiências e inatividades, tanto dos entes públicos quanto dos privados, a situação se esgarça até a sua ruptura. Alcançado esse ponto de vitória suprema da insuficiência, como que a querer esconder culpas e contribuições (diretas ou indiretas) para tal rompimento, todos (agentes públicos e privados) buscam se refugiar no extremo oposto (o excesso) que parece ser, a princípio, a solução dos problemas. Tolo engano.

Quando a falta de critério racional para determinar as reais causas, desvios e conseqüências ocorrem com a habitualidade brasileira do período pós-Constituição e os opostos (excessos e insuficiên­cias) vêm defendidos por instituições públicas (Executivo, Legislativo, Judiciário) ou privadas (empresariado, imprensa, movimentos populares, sociedade organizada ou desorganizada), caminha-se a passos largos para uma crise do próprio Estado Democrático de Direito. Alguns exemplos desses desvios barrocos do racional jurídico revelam-se em acontecimentos recentes.

Devido à grande ocorrência de mortes no trânsito em razão do consumo de bebidas alcoólicas pelos motoristas, houve um recrudescimento legislativo quanto aos níveis toleráveis de álcool por mililitro de sangue. A causa dos acidentes (embriaguez ao volante) é atacada (tardiamente) pela lei, com a diminuição daquela tolerância. Essa medida já deveria ter sido tomada (inércia legislativa), mas, mesmo antes de sua edição, as autoridades públicas (agências estaduais e federais) responsáveis pelo controle do tráfego de veículos já poderiam ter sido mais diligentes em fiscalizar o cumprimento da lei até então existente. Isso já teria evitado milhares de mortes. Contudo, essas insuficiências (legislativa e administrativa), aliadas à falta de consciência do cidadão-motorista (insuficiência educacional e de comportamento social), fizeram com que o legislador exorbitasse e punisse o condutor que exerça seu direito constitucional de não produzir prova contra si mesmo. Instituições públicas e privadas assumiram a defesa de posições opostas: umas afirmam que a lei deve limitar a Constituição e, em decorrência, a pessoa que não se submeter ao exame de bafômetro deverá ser punida; outras entendem ser a lei inconstitucional nesse ponto punitivo. Direção e álcool não combinam, mas não há razão para se privar o cidadão de um direito constitucional. A solução não é uma discussão institucional, mas que um médico ateste, clinicamente, o estado físico de quem se recusar a produzir prova contra si mesmo.

Com a mesma lógica barroca entre excesso e insuficiência, encontramos Instituições (públicas e privadas) se digladiando quanto ao uso de algemas e à exposição humilhante de pessoas presas no curso de persecuções penais. As classes sociais mais desapercebidas são as primeiras, junto com importantes instituições públicas e privadas, a de­fender que os “ricos” sejam tratados como os “pobres”, isto é, sejam algemados e expostos à mídia de forma aviltante, desumana e degradante, condenando-os à lepra social da presunção da culpa, antes mesmo da investigação policial terminar. A ineficiência do sistema em investigar, processar e julgar crimes de maior complexidade executiva (aí está a insuficiência das instituições) gera uma reação em sentido oposto e igualmente nociva, qual seja, todos devem ser humilhados e punidos, mesmo antes da culpa formada (aqui vemos o excesso). Ninguém deve ser humilhado, nem “pobres” nem “ricos”. Não há porque instituições perderem tempo discutindo se existe ou não exagero no uso de algema e na exposição à mídia. Os excessos são iniludíveis e devem ser proibidos em favor de todos os cidadãos.

O IBCCRIM foi uma das primeiras instituições a denunciar os mandados de busca e apreensão indeterminados e coletivos que a polícia paulista executava em favelas e localidades pobres. Poucos ouviram, e agora todos são vítimas dessa ilegalidade. O IBCCRIM sempre defendeu e participou de propostas de reforma e aperfeiçoamento da lei de interceptação telefônica, que desde o início se mostrou falha e insuficiente. Poucos ouviram, e hoje o excesso de ordens judiciais de interceptação e o desvirtua­mento desse importante instrumento de investigação assombram a intimidade de todos, é motivo para uma CPI no Congresso e para matérias jornalísticas que colocam o Brasil como o “paraíso do grampo”.

Chegamos ao ponto crucial do presente instante. O Poder Judiciário, em seus vários níveis hierárquicos, não deve se debruçar em dilacerações auto­fágicas ou sequer permitir que outras instituições, (muitas vezes para ganhar o que ainda não possuem) lhe arranhem o prestígio. Deve o Judiciário aproveitar o momento para expor a insuficiência das atuais leis ordinárias criminais que possuímos, e a falta de um moderno aparelhamento das Instituições Judiciárias e de Segurança Pública para atender às necessidades e carências da população. O povo brasileiro não deve se submeter a mais essa violência institucional que induz a acreditar que há “Justiças” diferentes para pessoas diferentes, e muito menos a acreditar que não há mais “Justiça”, seja para quem for. Todos precisamos de Instituições conscientes de seus papéis na República. Todos queremos o que a nossa Constituição nos garante.



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