INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 186 - Maio / 2008





 

Coordenador chefe:

Carina Quito

Coordenadores adjuntos:

André Pires de Andrade Kehdi, Caroline Braun, Cecília Tripodi, Eleonora Rangel Nacif, Fabiana

Conselho Editorial

Editorial

A crise no ensino jurídico

Um mês após um garoto de apenas 8 anos ter sido aprovado no “vestibular” de uma faculdade de Direito, o Ministério da Educação anunciou a decisão de cortar cerca de 13 mil vagas em 23 cursos de Direito reprovados no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Esses dois fatos dão a medida da profunda crise hoje vivida pelo ensino jurídico.

A iniciativa das autoridades educacionais faz parte dos “termos de saneamento” que serão assinados nas próximas semanas, fixando o prazo de um ano para que os cursos jurídicos melhorem a qualidade do ensino sob pena de abertura de processo administrativo. O corte atinge vagas que seriam oferecidas este ano e, em princípio, o processo pode levar até ao fechamento das faculdades mal avaliadas.

Apesar de oportuna, a providência é apenas pontual e está longe de enfrentar a crise do ensino jurídico. Levantamento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informa que, no segundo semestre de 2007, o País contava com 1.078 faculdades de Direito, com uma oferta anual de 223,2 mil vagas. O Sudeste, a região mais rica, responde por 46% dos cursos e concentra 55% das vagas oferecidas.

Em 2007, a OAB contava com 571.360 advogados ativos — cerca de 209 mil a mais do que em 2001, quando a entidade começou a fazer o controle informatizado dos registros profissionais. Apesar dos sucessivos recordes de reprovações no chamado “exame da Ordem”, somente entre 2006 e 2007 entraram no mercado 54.187 novos profissionais. As estatísticas mostram que o número de advogados devidamente habilitados tem dobrado a cada dez anos.

Os números revelam a mercantilização do ensino jurídico, que hoje diploma mais bacharéis em número muito maior do que a demanda por serviços jurídicos. O mercado de trabalho encontra-se atualmente saturado, o que se reflete no baixo nível médio dos vencimentos e nas práticas predatórias e pouco éticas de captação de clientela. Com formação deficiente, parte significativa dos advogados está proletarizada. Entre os advogados “vencedores” — uma minoria — o denominador comum está na consciência de que a graduação em direito é condição necessária, mas insuficiente, para o sucesso profissional. Recente pesquisa realizada pela professora Luciana Gross Cunha, da Fundação GetúlioVargas, de São Paulo, revela que 68% dos profissionais que integram as sociedades de advogados de São Paulo, o maior centro de serviços jurídicos do País, já fizeram um curso de especialização. Cerca de 25% já fizeram pós-graduação estrito senso e 13% fizeram algum curso no exterior.

Ou seja, apesar de diplomados, os advogados “vencedores” voltaram aos bancos escolares para completar a formação convencional obtida na graduação. Dos 68% de profissionais que fizeram algum curso de especialização; 40% optaram pela área tradicional (Civil e Penal), 29% escolheram a área de negócios; 14% ficaram na área de direito público; 5% optaram pela área de direito ambiental e consumidor; 4% elegeram a área de propriedade intelectual; e 3% escolheram as áreas de regulação e arbitragem (o 1% restante optou por outras áreas). Ascender na carreira e melhorar a qualidade da formação profissional foram as duas principais justificativas apresentadas por esses profissionais.

Na outra ponta da linha, o cenário também não é animador. Embora não existam estatísticas precisas, os 1078 cursos de direito do País empregam cerca de 10 mil a 11 mil professores, dos quais apenas 15% seriam portadores de um diploma de especialização, mestrado ou doutorado e somente 10% teriam tido algum envolvimento com pesquisas científicas, em sua carreira acadêmica. A maio­ria esmagadora do corpo docente é formada por advogados, juízes e promotores contratados pelo regime de 20 ou 40 horas semanais — poucos são aqueles que optam por lecionar direito no regime de dedicação integral e exclusiva.

Em termos concretos, isso significa que falta massa crítica no âmbito do ensino jurídico. Com uma visão essencialmente forense e uma abordagem meramente formalista do direito, a maioria dos professores limita-se a repassar sua experiência na magistratura, Ministério Público ou advocacia. Ou seja, há um desprezo à interdisciplinariedade e a uma formação de qualidade e uma valorização excessiva da dogmática jurídica, o que resulta num ecletismo teórico, na falta de rigor científico e num apego ao “princípio da autoridade doutrinária” alicerçado em autores anacrônicos e obsoletos.

Infelizmente, essa tem sido a trajetória do ensino jurídico no País. Com a expansão dos cursos de Filosofia, Sociologia e Ciência Política, após a década de 60, as faculdades de Direito perderam seu papel de protagonista central no âmbito das Ciências Humanas. Com a expansão dos cursos de Economia e Administração, após os anos 70, as faculdades de Direito passaram a enfrentar concorrentes mais gabaritados, no âmbito operacional e analítico. E com a proliferação desenfreada no número de novas escolas, as faculdades de Direito perderam seu papel funcional — elas se limitam a fornecer diplomas com valores cada vez mais duvidosos, uma vez que os bacharéis que querem atuar profissionalmente na área acadêmica precisam fazer os “cursinhos” preparatórios para exame profissional e concursos públicos ou cursar as “escolas superiores” do Judiciário, Ministério Público e da OAB.

Inconsistente no plano teórico, incapaz de oferecer formação humanista e rigor analítico, carente de projeto pedagógico e circunscrito a uma visão meramente forense, num momento histórico em que o aumento da mediação e arbitragem rompe o monopólio e a exclusividade do Judiciário na resolução dos conflitos, o ensino jurídico encontra-se diante de uma crise de identidade. E, a prosseguir assim, deixará de ser objeto de atuação das delegacias de ensino do MEC para ser objeto de autuação por parte de delegacias de polícia.



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