Carina Quito
André Pires de Andrade Kehdi, Caroline Braun, Cecília Tripodi, Eleonora Rangel Nacif, Fabiana
Mais de um ano depois dos ataques do PCC em São Paulo, as políticas de segurança pública voltaram a ser tema de discussão.
Desta vez, o artigo de autoria do apresentador de televisão Luciano Huck — publicado pelo jornal Folha de S.Paulo — e a exibição, em circuito nacional, do filme de José Padilha, “Tropa de Elite”, motivaram os debates que ganharam corpo em diversos meios sociais, para além da comunidade acadêmica e dos operadores do Direito.
O sucesso generalizado do filme, sintetizado na aclamação do protagonista “Capitão Nascimento”, evidencia, mais uma vez, a lógica perversa que fomenta determinadas “políticas” em matéria de segurança.
“Capitão Nascimento”, em pouco tempo, foi alçado à categoria de herói nacional. Não à toa. Há muito, disseminou-se, no corpo social, a crença de que a única resposta eficaz à criminalidade e à violência é o emprego da força pelo Estado – preferencialmente a força bruta, que extermina o inimigo.
Na base da larga aceitação de práticas de violência estatal encontra-se o desmantelamento da noção de cidadania, o qual alimenta o ciclo vicioso da criminalidade. Age-se como se as causas da violência fossem completamente alheias a fatores sociais e de responsabilidade coletiva; reclama-se, assim, por segregação e violência como formas de combate ao inimigo — como se não fora ele parte do todo — e, como resultado do aumento da exclusão social, cresce a violência.
Conforme observou com propriedade José Eduardo Faria em artigo publicado na edição nº 164 deste Boletim, “ao corroer os mecanismos de formação de identidades coletivas, a exclusão social propicia uma cultura de desagregação, a banalização da violência e a sobreposição do privado ao público. (...) Em contextos como esse, não há um mínimo de integração social que permita à ordem jurídica ser universalmente acatada e a sociedade aparece não apenas como imprevisível mas hostil”.
Muito já se discutiu, neste espaço, acerca de respostas adequadas à criminalidade; sobre políticas de segurança pública, assinalando-se sempre que o recrudescimento do sistema tem função exclusivamente simbólica, pois, ao invés de reduzir a massa de excluídos, apenas a incrementa.
No último mês de agosto, o governo federal lançou o “Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania” (Pronasci), desenvolvido pelo Ministério da Justiça como uma iniciativa inovadora no combate à criminalidade. Em teoria, a proposta consiste na articulação de políticas de segurança pública com ações sociais que têm por objetivo atacar as causas e não apenas as conseqüências da violência, proporcionando o resgate da cidadania nas comunidades.
Para o programa, o governo federal destinou 6,7 bilhões de reais, estimando que os resultados dessa política de segurança pública pudessem ser observados no exíguo prazo de quatro anos.
Em que pese o aparente caráter inovador do Pronasci, conforme divulga artigo de autoria dos membros da Comissão de Justiça e Segurança do IBCCrim, publicado nesta edição do Boletim, dos 6,7 bilhões de reais em recursos destinados ao programa, 3,5 bilhões são previstos para a construção de presídios e para o aparelhamento das forças de segurança, em contraste com os 300 milhões de reais a serem investidos em inteligência policial e o 1,6 bilhão destinado às ações sociais de prevenção.
Os números são alarmantes porque refletem, mesmo no âmbito de um projeto teoricamente voltado para o resgate da cidadania, o coroamento da velha lógica da exclusão. Na prática, o que se poderá esperar do Pronasci, em vista dos vultosos investimentos destinado à repressão, parece ser o oposto daquilo que o governo federal anuncia — isto é, o aumento da segregação, em detrimento de políticas que privilegiem a intervenção mínima do Direito Penal.
Enquanto prevalecer, nos mais diversos níveis, a idéia de que a violência não é um problema coletivo, senão do inimigo a ser exterminado do convívio social, inexistirá programa de segurança pública eficaz ou verba suficiente para o aparelhamento das forças de segurança ou para a construção de estabelecimentos prisionais. O que se fará, apenas, é acirrar o que hoje se identifica como uma verdadeira “guerra civil”.
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