INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 178 - Setembro / 2007





 

Coordenador chefe:

Carina Quito

Coordenadores adjuntos:

André Pires de Andrade Kehdi, Caroline Braun, Cecília Tripodi, Eleonora Rangel Nacif, Fabiana

Conselho Editorial

Editorial

Devido processo e interrogatório por videoconferência

Em decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal, em sessão de sua Segunda Turma, no dia 14 de agosto, deferiu ordem de habeas corpus para considerar nulo o interrogatório por videoconferência (HC 88914). O relator do feito, ministro Cezar Peluso, considerou o ato carente de suporte legal, “insultuoso a garantias elementares do justo processo da lei (due process of law).” Foi acompanhado à unanimidade pelos ministros presentes à sessão, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Eros Grau.

A decisão é um marco na visão ética do processo, o reflexo autêntico da lógica que permeia o Estado Democrático de Direito, no qual os meios não justificam os fins. E, ao contrário do que se possa dizer, não exterioriza uma marca ou entendimento político-criminal por parte daqueles que a proferiram, porque deixa de lado, corretamente, a questão acerca da conveniência político-criminal do interrogatório por videoconferência, que não é incumbência do Poder Judiciário.

O ato concreto foi julgado sob um aspecto exclusivamente normativo, tendo sido confrontado com normas constitucionais e legais; e por isso causa estranheza que alguns veículos da imprensa tenham classificado a decisão como exemplo de insegurança jurídica.

Experiências haviam sido feitas com o interrogatório on-line desde 1996. Dividiam-se os entendimentos acerca de sua conveniência ou não, conforme diversos textos publicados no Boletim IBCCRIM. E a resposta à controvérsia foi dada pela mini-reforma do Código de Processo Penal de 2003, que alterou a estrutura do interrogatório, deixando clara a sua natureza de manifestação do exercício do direito de defesa e mais clara ainda, como ressaltado no julgamento do Supremo Tribunal Federal, a necessidade de contato pessoal entre o interrogado e o juiz.

O artigo 185 determina que o acusado comparecerá “perante a autoridade judiciária” para exercer o seu direito de defesa. Estando preso, o interrogatório poderá ser realizado no estabelecimento prisional, presentes a autoridade judiciária e seus auxiliares, mantendo, assim, a igualdade de tratamento entre réus presos e réus soltos.

Esta previsão bem demonstra o quanto são falaciosos os argumentos de que o interrogatório por videoconferência seria a única forma de reduzir custos com escoltas e de prevenir o resgate de “presos perigosos”, geralmente feitas justamente neste momento. Para tanto, respondeu com superioridade o legislador em 2003: vá o magistrado ao presídio!

O reiterado descumprimento desta previsão legal revela, todavia, a verdadeira natureza deste tipo de argumentação em favor do interrogatório por videoconferência: o desejo pela assepsia judiciária.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, assim, não confunde “formalismos despidos de significado com significados revestidos de forma” (Boletim 120/3, Parecer do CNPCP) e coloca os termos dessa questão de volta nos seus trilhos: há regras para punir e há regras para se determinar a punição, isto é da essência do Estado Democrático de Direito; as regras pré-estabelecidas pelo próprio Estado que pune não podem ser desrespeitadas em nome dos fins, pena de se criar insegurança jurídica e quebra da legalidade; essas regras, por outro lado, estão orientadas materialmente pelo devido processo legal e, no caso do acusado, traduzem-se, também, “no direitos de audiência e de presença ou participação” (min. Cezar Peluso).

O interrogatório é a única oportunidade, dentro do processo penal, na qual o acusado se dirige diretamente àquele que decidirá sobre sua culpa ou inocência, e, portanto, tomará decisão da mais profunda gravidade sobre sua vida. A decisão do Supremo Tribunal Federal é, assim, de se louvar porque respeitosa do princípio da legalidade e do devido processo legal e porque uma lembrança de todo aspecto humano envolvido na pena e no processo para sua aplicação, onde estão em jogo, mais que em qualquer outro ramo do Direito, todos os contornos da dignidade humana, valor fundante de nosso Estado.



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