INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

     OK
alterar meus dados         
ASSOCIE-SE


Boletim - 176 - Julho / 2007





 

Coordenador chefe:

Carina Quito

Coordenadores adjuntos:

André Pires de Andrade Kehdi, Caroline Braun, Cecília Tripodi, Eleonora Rangel Nacif, Fabiana

Conselho Editorial

Editorial

Interceptações telefônicas: nova lei, velhos problemas

Passados mais de dez anos desde a entrada em vigor da Lei nº 9.296/96, volta à tona o debate a respeito da disciplina jurídica das interceptações telefônicas.

Não é de hoje que vozes se levantam em tom de crítica à Lei nº 9.296/96. Há muito se argumenta, por exemplo, com a inobservância, no texto legal, do critério de proporcionalidade entre a natureza da medida e os crimes que a comportam; com a ausência de regulamentação sobre a interceptação de outras formas de comunicação, e com o pouco rigor no que diz respeito à exigência de fundamentação do pedido a ser formulado às autoridades judiciárias.

Em 2003, comissão formada no Ministério da Justiça e presidida pela professora Ada Pellegrini Grinover redigiu anteprojeto de lei para alteração da disciplina do inciso XII do artigo 5º da Constituição da República, buscando ultrapassar as deficiências apontadas na Lei nº 9.296/96.

Entre outras modificações, o anteprojeto previu rol taxativo de crimes cuja investigação possa ensejar o deferimento da medida; disciplinou as denominadas “gravações ambientais”; extinguiu a possibilidade de formulação de pedido verbal; limitou a execução da medida às autoridades policiais, submetidas a controle dos representantes do Ministério Público, e tipificou criminalmente, de forma mais ampla e minuciosa, condutas relacionadas à realização de interceptações clandestinas ou fora das hipóteses legais, e à indevida divulgação do conteúdo das conversas gravadas.

Depois de anos, a polêmica gerada com o “vazamento” de interceptações realizadas na operação “Xeque-Mate” fez que o anteprojeto — com as modificações que foram e estão sendo efetuadas pelo próprio Ministério da Justiça na atual gestão — voltasse a ter algum andamento.

As alterações que se procura instituir constituem inegável avanço na busca do necessário equilíbrio entre a execução dos meios de investigação criminal e a preservação da esfera de intimidade dos cidadãos. Todavia, não se pode deixar de advertir para o fato de que os progressos legislativos, por si, não representam garantia de efetividade nesse tema.

A despeito das deficiências apontadas, é certo que a disciplina jurídica das interceptações telefônicas, tal como estabelecida atualmente, não dispensa a autorização judicial para execução das medidas. Tampouco dispensa a observância dos requisitos de cautelaridade para o deferimento dos pedidos, os quais devem, assim, ser devidamente respaldados em elementos informativos concretos colhidos na investigação. É certo, ademais, que a disciplina vigente não ignora a necessidade de se reprimir criminalmente os “grampos” telefônicos e a indevida quebra do segredo judicial.

Nada obstante, recorrentes e alarmantes são as notícias a respeito de interceptações ilegais, quer porque deferidas em desconformidade com as hipóteses e com a forma prevista na Lei nº 9.296/96, quer porque executadas sem qualquer tipo de autorização judicial. Tudo isso sem mencionar que o conteúdo em tese sigiloso das conversas gravadas estampa diariamente as páginas dos noticiários.

Nessa esteira, por exemplo, divulgou-se nos meios de comunicação, no último mês, a compra, pelo Ministério Público, de equipamento denominado “Guardião”, o qual já vem sendo utilizado pela Polícia Federal e pelas polícias estaduais na condução dos procedimentos investigativos.

Trata-se de “software” que permite a interceptação concomitante de centenas de linhas telefônicas. Mais especificamente, que permite a interceptação instantânea — independente de prévia autorização judicial específica, portanto — de quaisquer linhas que entrem em contato com aquela originalmente monitorada por ordem de juiz criminal.

A despeito da manifesta ilegalidade de tal sorte de procedimento — que devassa a intimidade de terceiros não necessariamente envolvidos na prática dos ilícitos investigados —, o uso de mencionado equipamento com essa finalidade, até onde se sabe, não vem sendo questionado.

Do mesmo modo, em que pesem os constantes “vazamentos”, não se tem notícia de qualquer iniciativa efetiva para coibir ou reprimir as divulgações indevidas — sobretudo na mídia — dos diálogos interceptados, como seria de se esperar caso não se fizesse letra morta do artigo 10, da Lei nº 9.296/96.

O que se percebe, pois, é uma franca banalização de práticas em desconformidade com a lei, que de tão recorrentes, sequer vinham gerando reação significativa, até que por elas fossem afetadas figuras públicas alvo das investigações.

Mais que modificações legislativas, verifica-se que o País carece, em verdade, de cultura de efetiva observância às leis. Muitos dos abusos noticiados em tema de interceptações telefônicas poderiam ser evitados independentemente de uma nova regulamentação da matéria — ainda que seja necessária e bem-vinda —, pelo simples cumprimento das disposições vigentes.

Sob essa perspectiva, portanto, novas leis não representam garantia da erradicação de velhos problemas.



IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040