INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 175 - Junho / 2007





 

Coordenador chefe:

Carina Quito

Coordenadores adjuntos:

André Pires de Andrade Kehdi, Caroline Braun, Cecília Tripodi, Eleonora Rangel Nacif, Fabiana

Conselho Editorial

Editorial

A polícia federal, o poder judiciário e as mega-operações

Desde o dia 13 de abril último, o País vem acompanhando de perto mais uma série de mega-operações iniciada pela Polícia Federal com a denominada operação “Hurricane”, à qual se seguiram as operações “Themis” e “Navalha”. Mega-operações como tais, com notável viés mi­diá­tico, não representam qualquer novidade no cotidiano nacional. Até aí, portanto, as operações “Hurricane”, “Themis” e “Navalha” em nada se diferenciam das operações que as antecederam.

Desta vez, contudo, as investigações policiais esbarram no que de pior parece existir no Brasil. Escancaram o problema da corrupção de agentes públicos e incluem entre os investigados por supostos ilícitos penais magistrados, prefeitos, (ex-)governadores, secretários de governo, deputados e o próprio presidente do Senado Federal.

A necessidade de se investigar às últimas conseqüências as acusações que recaem sobre esses agentes públicos é certa, desde que se pretenda repelir a corrupção endêmica das instituições nacionais. Há, portanto, consenso no que diz respeito à finalidade das mega-operações levadas a cabo nos últimos meses.

Quando se trata dos métodos de investigação, todavia, o consenso está longe de existir. No último dia 23 de maio, advogados entregaram ao ministro Raphael de Barros, presidente do Superior Tribunal de Justiça, carta manifestando preocupação com a forma segundo a qual têm sido conduzidas as mega-operações, não apenas no âmbito da Polícia Federal, mas no seio do próprio Poder Judiciário, a quem cabe autorizar toda a sorte de medidas cautelares no curso das investigações.

Alerta-se, por exemplo, para o uso de verdadeira parafernália bélica pela Polícia Federal, com evidente caráter cinematográfico, no cumprimento de mandados de prisão de indivíduos que nenhuma resistência demonstraram ao cumprimento das ordens judiciais. Alerta-se, ainda, para a indevida imposição de sigilo sobre o conteúdo das investigações e para o deferimento de medidas cautelares sem a necessária comprovação do fumus boni iuris e da necessidade, e sem a também necessária observância da proporcionalidade em relação às situações de fato e, por vezes, aos próprios delitos apurados.

Por outro lado, a opinião pública, movida pela tão conhecida sensação de impunidade, insurge-se contra esse mesmo Poder Judiciário quando, por meio de sucessivas ordens de habeas corpus, são postos em liberdade os investigados indevidamente presos nas mega-operações em questão. Reclama-se que “a polícia prende e a Justiça solta”. E, na esteira desse perigoso discurso, vêm à tona propostas de revisão do Código de Processo Penal, como a encaminhada ao Congresso Nacional em outubro do ano passado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), em que se defende a decretação de prisão preventiva tendo como único critério “a densidade do arcabouço probatório”, a estabelecer uma clara relação com a culpabilidade do indivíduo investigado(1).

As mega-operações policiais parecem, assim, ter criado, nos mais diversos meios sociais, notável inversão das noções acerca da sistemática processual penal.

Longo foi o caminho trilhado de 1988 para cá, a fim de fazer prevalecer o devido processo legal, a ampla defesa e a presunção de não-culpabilidade, entre outras garantias, como critérios norteadores do sistema processual penal, em prol de todo e qualquer indivíduo que possa vir a ser investigado ou acusado — pouco importa a razão.

Não se pode admitir, com efeito, que, em nome de uma imaginada defesa das instituições — e por mais graves que sejam as acusações —, o Estado imponha pena sem processo. Medidas abusivas tomadas pela Polícia Federal no curso das operações em comento expõem os investigados à opinião pública como se condenados fossem. E se admitirmos que muitas dessas medidas são executadas com o respaldo de autorizações judiciais concedidas ao arrepio dos requisitos previstos em lei, forçoso será concluir que o que se pratica hoje, em realidade, no âmbito mesmo do Poder Judiciário, é a antecipação da pena em detrimento do due process of law.

Nesse contexto — em que se executam prisões, buscas e apreensões, entre outras medidas, com finalidade eminentemente simbólica — resta inevitável a sensação posterior de impunidade. Se, no afã de dar pronta resposta aos clamores sociais por maior moralidade pública, o Judiciário ilegalmente autoriza e a polícia prende, inevitável que o próprio Poder Judiciário, ainda que tardiamente, atenda aos reclamos defensivos, fazendo cessar as ilegalidades geradas em seu próprio bojo.

Longe de se revestirem de qualquer eficácia no combate à criminalidade organizada ou à corrupção que tanto se quer ver extirpada de nosso sistema político, as mega-operações, como tantas coisas no Brasil, revelam-se medidas paliativas, criadas para gerar efêmera sensação de conforto e de confiança nas instituições.

Perenes, contudo, são os prejuízos acarretados não apenas aos indivíduos alvo das investigações, como à ordem jurídica. A prevalecerem as práticas investigativas até aqui adotadas, caminharemos para um regime de exceção, na contramão da história.

Nota

(1) “A PF prende, a lei solta: navalha II – as razões do descompasso entre as operações policiais e o rito da Justiça”. Carta Capital, nº 446, 30 de maio de 2007, pp. 25/26.



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