INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 174 - Maio / 2007





 

Coordenador chefe:

Carina Quito

Coordenadores adjuntos:

André Pires de Andrade Kehdi, Caroline Braun, Cecília Tripodi, Eleonora Rangel Nacif, Fabiana

Conselho Editorial

Editorial

Novos “tiros em columbine”

Mais uma tragédia deixou a opinião pública mundial perplexa. Após a matança no condado de Jefferson (Colorado), ocorrida há oito anos, quando dois adolescentes atiraram em colegas e professores na Columbine High School, matando 12 alunos e um docente, desta vez foi o massacre ocorrido no Instituto Tecnológico da Virgínia, que resultou no assassinato de 32 pessoas, mortas por um jovem estudante de origem sul coreana. De 1966, quando um psicopata subiu numa torre de uma universidade do Texas e começou a atirar a esmo, atingindo mortalmente 16 pessoas, ao acontecimento na Virgínia, os Estados Unidos registram pelo menos oito massacres do gênero em campi universitário.

É um número assustador. A última tragédia e a preocupante sucessão de massacres em espaços cada vez mais curtos e com um número cada vez maior de vítimas, que vêm ocorrendo ao longo dos últimos tempos em ambientes estudantis nos Estados Unidos, levantam diferentes questões. Uma delas, discutida pela própria imprensa americana, diz respeito à necessidade de disseminação de mais detectores de metais nas universidades. Mas essa é uma questão secundária — a questão central, e que esteve no centro dos debates em torno do referendo do Estatuto do Desarmamento, é a antiga discussão sobre a livre comercialização de armas de fogo.

Justificado em nome das liberdades individuais, da capacidade de discernimento de cada homem e da possibilidade de maximização de suas “escolhas racionais”, o livre porte de armas se tornou matéria de “direitos” nos Estados Unidos. No Brasil, a proposta de controle rigoroso de fabricação, comércio e porte de armas foi derrotada no referendo do Estatuto do Desarmamento. Tragicamente, os massacres da Columbine High School e do Instituto Tecnológico da Virgínia acabaram mostrando quem sempre teve razão nesse debate.

O ajuste de contas com os defensores do armamento, contudo, é perda de tempo. O debate está concluso com o aterrorizante derramamento de sangue inocente e o que agora se deve fazer é extrair da história as lições necessárias para evitar a ocorrência de novas tragédias, substituir a cultura da violência pelos valores da liberdade e, acima de tudo, vedar a livre comercialização e porte de armas de fogo.

Mudanças legais, sob a forma de tipificação criminal do porte de arma e o aumento do rigor das sanções penais, são condições necessárias para o problema. Não são, contudo, soluções suficientes. Pelo contrário, tanto ou mais eficaz do que o endurecimento penal são as medidas de natureza administrativa, como restrições à fabricação, a determinação de fechamento de postos de venda, o combate ao contrabando e a adoção de incentivos para o desarmamento voluntário. Levantamentos insuspeitos realizados pelos Ministérios da Saúde e da Justiça revelam que, nos sete meses posteriores à aprovação do Estatuto do Desarmamento, as internações hospitalares em decorrência de armas de fogo caíram 7% em São Paulo, comparando-se com os sete meses precedentes da aprovação daquele diploma legal. No Rio de Janeiro a redução foi ainda mais expressiva, chegando a 10,5%. Em Curitiba e em São Paulo, as taxas de homicídio caíram 27% e 18%, respectivamente.

A economia de recursos propiciada ao poder público com a diminuição das armas em circulação, auferidas em gastos hospitalares e benefícios assistenciais concedidos às vítimas que perderam capacidade de trabalho, é um dos benefícios acarretados por essas medidas de caráter extrapenal. A redução da violência no cotidiano social, onde os atos corriqueiros costumavam ser resolvidos a bala, é outro importante ganho.

Acima de tudo, o desarmamento propiciado por mudanças legais e medidas administrativas, além de ajudar a por fim à banalização da violência, também é um fator de estímulo para que todos os cidadãos possam refletir sobre a vida coletiva, sobre o senso de comunidade e sobre os limites morais do individualismo exacerbado.

“Só se pode confiar nas palavras quando se tem certeza de que a função delas é revelar e não dissimular”, dizia a filósofa Hannah Arendt ao discutir a banalização da violência. Nos debates sobre porte de armas tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, a idéia de “liberdades fundamentais” tem sido utilizada mais com o propósito de dissimulação do que de revelação. A tragédia do Instituto de Tecnologia de Virgínia dá a dimensão do preço que a hipocrisia pode cobrar quando os problemas da violência são ocultados ou justificados pela defesa de pseudodireitos.



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