INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 173 - Abril / 2007





 

Coordenador chefe:

Carina Quito

Coordenadores adjuntos:

André Pires de Andrade Kehdi, Caroline Braun, Cecília Tripodi, Eleonora Rangel Nacif, Fabiana

Conselho Editorial

Editorial

O meio ambiente e o direito penal

Em 1988 foi criado, no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC) com o objetivo de avaliar as informações científicas, técnicas e sócio-econômicas existentes acerca das mudanças climáticas que então começavam a ser mais claramente percebidas, seus potenciais impactos sobre o planeta e alternativas de adaptação e de mitigação. O IPCC divide-se em três grupos de trabalho, a saber: a) GT I, que se ocupa dos aspectos científicos da mudança climática; b) GT II, que avalia os impactos e as vulnerabilidades decorrentes de tais mudanças, bem como a nossa capacidade de adaptação ao novo quadro climático que se desenha; e c) GT III, que cuida de aspectos científicos, técnicos, ambientais e sócio-econômicos da mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

O GT I acabou de lançar, em fevereiro de 2007, o sumário de seu mais recente relatório de avaliação, que será integralmente publicado em maio. O GT II deve apresentar suas contribuições ainda neste mês de abril, em Bruxelas, e o GT III prevê a aprovação do sumário de seu relatório para o mês de maio, em Bangkok, com a publicação de sua íntegra em outubro deste ano. Destes três relatórios temáticos se originará o 4º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, a ser adotado e aprovado em novembro deste ano, em Valência (Espanha).

Com notícia da publicação deste 4º Relatório de Avaliação, que pretende traçar um amplo e rigoroso quadro do atual estado do conhecimento global acerca das mudanças climáticas, coloca-se uma vez mais, para o Direito, o desafio de buscar regulamentar a atividade humana, com vistas à manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, única forma de assegurar uma sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.

Para tanto, e por força da inerente ubiqüidade do meio ambiente, todos os ramos do Direito são chamados a voltar suas atenções ao bem jurídico que o art. 225 da Constituição Federal define como “meio ambiente ecologicamente equilibrado”. No âmbito penal, essa tutela se faz, em praticamente todos os países, com um emprego mais ou menos amplo de tipos de perigo — abstrato e concreto —, normas penais em branco, tipos abertos e descrições de mera conduta (como se constata, aqui e acolá, na Lei nº 9.605/98), que colocam ênfase em riscos e perigos e não necessariamente no dano ou na conduta (como no direito penal tradicional). Neste sentido, os conceitos de Sociedade de Risco e Direito Penal do Risco são recorrentes na análise dos temas ligados ao ambiente.

São intensas as discussões sobre a possibilidade de utilização do Direito Penal na tutela do meio ambiente, pois se há um certo consenso de que o Direito Penal dito tradicional não se presta à tutela do meio ambiente (raciocínio este que pode ser estendido a todos os chamados bens transindividuais), não há qualquer acordo sobre qual a solução a se adotar.

De qualquer modo, cabe ao Direito, como instrumento regulador da atividade humana, tentar impedir que a necessidade de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, por um lado, seja atropelada pelo desejo do crescimento econômico, por outro, o que se dá pela busca de um ideal que se convencionou chamar de desenvolvimento sustentável. E, se o desenvolvimento sustentável demanda regulamentação da atividade humana, fica evidente a dificuldade de seu atingimento, na medida em que o crescimento econômico tem feito os marcos regulatórios jurídicos cederem cada vez mais espaço aos ditames da lex mercatoria, à desregulação, à deslegalização e à desconstitucionalização.

Por outro giro, as empresas transnacionais têm feito cada vez mais, graças aos custos trazidos pelas normas dos países desenvolvidos, a opção por transferir suas plantas industriais ao terceiro mundo. Se uma das razões da transferência das plantas sujas é a falta de regulamentação dos países subdesenvolvidos, há que se pensar em medidas para a resolução do problema, principalmente no que se refere ao conflito de interesses entre países vizinhos. Dois modelos apresentam-se: a regulamentação pelo direito internacional clássico, com a celebração de tratados multilaterais e criação de mecanismos que impeçam a (de)predação ambiental, pelos países desenvolvidos, dos países em desenvolvimento; e, em outro sentido, a harmonização legislativa ambiental, principalmente no âmbito de blocos de integração. Não sendo razoável aguardar a benevolência dos países desenvolvidos, que a despeito das boas intenções de alguns de seus governantes, acabam sempre sucumbindo à tentação de jogar o lixo no quintal dos países mais pobres, é fundamental que os blocos de integração atentem para esta questão e resistam a quaisquer inclinações autofágicas ditadas por “tentadoras” ofertas bilaterais.

A sobrevivência das presentes e especialmente das futuras gerações passa pela preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Essa preocupação, em maior ou menor escala, se faz presente em todos os países e justificou a criação de inúmeros organismos internacionais, pois é uma questão em que decisões locais repercutem para além das fronteiras geopolíticas, mas cabe a cada país, ou bloco de países, a adoção da necessária cautela na tomada de decisões político-econômicas, de modo a evitar que a busca do crescimento econômico se faça de modo insustentável. O Direito, por seus diversos ramos, é instrumento importante na regulação da atividade humana, especialmente a econômica, com vistas a este ideal denominado desenvolvimento sustentável, não se podendo excluir de plano a participação do Direito Penal, que pode contribuir para a tutela o meio ambiente, sem necessariamente abandonar, pelo caminho, as garantias alcançadas ao longo de sua História.



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