INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 170 - Janeiro / 2007





 

Coordenador chefe:

Carina Quito

Coordenadores adjuntos:

André Pires de Andrade Kehdi, Leopoldo Stefanno Leone Louveira e Renato Stanziola Vieira

Conselho Editorial

Editorial

Faces visíveis de violências invisíveis

O debate recente sobre a aprovação da Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, trouxe à tona questões essenciais à reflexão sobre como a Justiça é pensada e distribuída no Brasil. Fruto da luta do movimento de mulheres para coibir a violência rotineira à qual muitas brasileiras são submetidas, a Lei Maria da Penha é a tradução de um grande esforço de publicidade e de busca de centralidade política para um problema social ainda tido, até mesmo por parcelas significativas das instituições policiais e de justiça criminal, como do âmbito privado; das relações familiares.

Desse modo, a sua aprovação significou, por um lado, um enorme avanço na configuração de novos procedimentos democráticos de acesso à Justiça: ela deu transparência e visibilidade ao fenômeno e, sobretudo, provocou uma acalorada e saudável discussão, até então latente, sobre os mecanismos mais adequados para a intervenção pública nesta seara. Desde a instalação da primeira Delegacia de Defesa da Mulher – DDM, em 1986, em São Paulo, a luta contra a violência contra a mulher tem enfrentado as dificuldades de mobilizar as instituições do sistema de justiça criminal no sentido de garantir direitos às vítimas de violências e punir os responsáveis, quase sempre maridos e/ou companheiros, mas também pais, irmãos, entre outros agressores.

Tais delegacias da mulher foram, como afirma a antropóloga Guita Grin Debert, da Unicamp, uma resposta do Estado aos movimentos feministas e são até hoje a principal política pública de prevenção e combate à violência contra a mulher no Brasil. Elas são uma das faces mais visíveis da politização da justiça na garantia dos direitos da mulher, e uma forma de pressionar o sistema de justiça na criminalização de assuntos que eram tidos como questões privadas, não obstante recente estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) — citado por Elisa Girotti Celmer e Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, em artigo publicado nesta edição do Boletim — indicar que entre 25% e 50% das mulheres entrevistadas foram vítimas de violência doméstica moderada ou severa no ano anterior à sua realização.

A Lei Maria da Penha é, por conseguinte, um desdobramento desse processo político e social e não pode ser dele dissociada. O IBCCRIM compreende a sua origem e vê a demanda de incorporação da violência doméstica em geral — e contra as mulheres, em particular —, no rol de preocupações do Estado brasileiro, como legítima e inserida na busca por eqüidade e justiça social no país.

Porém, o modo como o sistema de justiça tem lidado com o assunto, seja em suas práticas cotidianas ou em suas concepções hegemônicas de política criminal, exige que as atuais mudanças legislativas sejam confrontadas, por outro lado, com o limite imposto pela opção de reduzir a violência doméstica a um fato criminal, que se consubstancia na incapacidade e na ineficiência de se tratar todos os conflitos sociais como matéria de Direito Penal, mesmo que previstas medidas de atenção às vitimas (atendimento médico, transferência para abrigo, atendimento psicológico etc.).

Em outras palavras, medidas de prevenção e mediação de conflitos que podem resultar em situações de violência doméstica tendem a ser muito mais efetivas do que o tratamento de um fato criminal após o seu cometimento. Para tanto, a esfera penal não pode ser vista como o espaço reservado para a atenção pública desse fenômeno. Ela pode e deve ser uma alternativa limítrofe a ser acionada, mas o Estado, caso queira dar visibilidade e efetividade às suas ações em relação à matéria, deve deslocar seus esforços para a transformação de práticas que reforçam estigmas e preconceitos e, ao mesmo tempo, para a organização de mecanismos institucionais que incorporem a prevenção de violências como um pressuposto estrutural de procedimentos e posições.

Nesse espírito, o IBCCRIM reforça sua proposta de fomentar a produção de conhecimento científico sobre temas criminais e convida seus associados a se manifestarem e se envolverem no debate. Aproveita, também, para anunciar que o tema desse editorial será objeto de um dos primeiros episódios do seu programa de televisão Faces da Violência, em fase final de negociação para transmissão ainda nesse primeiro semestre de 2007. Trata-se de um novo canal de comunicação institucional que, somado aos já tradicionais espaços existentes, tem o propósito de ampliar o espaço dedicado à disseminação dos ideais que criaram e que continuam a guiar a ação do IBCCRIM.



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