INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 2 - Março / 1993





 

Coordenador chefe:

Antonio Carlos Franco

Coordenadores adjuntos:

Álvaro Busana, Antonio Carlos Franco, Ana Sofia Schmidt de Oliveira, David Azevedo, Helios A.

Conselho Editorial

Editorial

Amputação sexual de mulher é crime de lesão gravíssima

Luiza Nagib Eluf

Sabe-se que as culturas islâmica da África e da Ásia procedem, ainda hoje e com freqüência, a um ritual brutal de amputação sexual de mulheres com base em tradições religiosas. As atrocidades cometidas são de tal ordem que os movimentos de mulheres e as entidades de defesa dos direitos humanos de todo o mundo vêm empregando esforços constantes no sentido de erradicar essa prática crudelíssima da face da Terra.

Conhecida pelo nome eufemístico de "circuncisão feminina", a mutilação sexual de mulheres consistia na remoção cirúrgica do clitóris, pequenos e grandes lábios vaginais e, conforme o caso, de parte da vagina, com posterior sutura que só deverá ser rompida tempos depois, pelo marido, a sangue frio, na noite de núpcias.

Esse ritual bárbaro tem origem na necessidade doentia que sentem alguns homens em controlar e subjugar a sexualidade feminina, a fim de garantir a virgindade até o casamento e a fidelidade após a união.

No Brasil, esse tipo de procedimento parecia não ocorrer. Há pouco tempo, porém, em matéria publicada na Folha de S. Paulo de 4 de fevereiro, fomos surpreendidos com a notícia de que há em São Paulo um centro médico dedicado a prática da abominável amputação, denúncia esta corroborada pela revista Isto É de 10 de fevereiro.

Via de conseqüência, nossas autoridades terão de investigar exaustivamente a denúncia. Em nosso país, a extirpação total ou parcial do clitóris é crime de lesão corporal de natureza gravíssima, pois constitui perda de sentido ou função (art.129, par. 2º, CP), tendo em vista que se amputa um órgão sem o qual a mulher perde toda a sensibilidade para a excitação, bem como as sensações essenciais ao orgasmo.

Convém lembrar que, afora ser o Brasil signatário da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (art. 5º, I) e, ainda, veda o tratamento desumano e degradante (art. 5º, III).

Não há como, portanto, considerar lícita, sob qualquer justificativa, inclusive a de liberdade de culto religioso, a clitoridectomia. Se confirmada a hipótese de sua prática entre nós, tanto os médicos como os familiares coniventes estarão sujeitos a pena de dois a oito anos de reclusão; se resultar a morte, essa pena sobe para quatro a doze anos.

Antes que seja tarde, é preciso livrar as meninas do Brasil dessa barbárie, cuja natureza criminosa dispensa maior argumentação.

Luiza Nagib Eluf



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