Mariângela Gama de Magalhães Gomes
André Pires de Andrade Kehdi, Andréa Cristina D’Angelo, Leopoldo Stefanno Leone Louveira, Lui
Decorrida uma década da vigência da Lei nº 9.296, de 1996, que cuida das interceptações de comunicação telefônica, informática e telemática, tornou-se consenso a sua insuficiência para regular a matéria e, sobretudo, coibir os abusos e ilícitos verificados, quer pela banalização da utilização da interceptação telefônica como meio de prova, quer pela falta de tratamento adequado da comunicação informática e telemática, ou ainda pela disseminação de interceptações ilícitas e divulgações, pela imprensa especialmente, de material interceptado ilicitamente ou mesmo licitamente, mas acobertado por segredo de justiça.
Nesse quadro, tornou-se praticamente unânime a defesa da elaboração e aprovação de um projeto de lei, que melhor cuidasse do tema. E, sobretudo, reprimisse e prevenisse os comportamentos ilícitos até aqui observados.
O projeto de lei apresentado pelo Ministério da Justiça visa exatamente atender a esses anseios, aperfeiçoando regulamentação existente. Referido projeto traz um significativo avanço ao prever e regular a captação de conversas com maior segurança, em face das novas técnicas de comunicação. É marcado também por uma forte preocupação em inibir, coibir e punir todas as formas ilícitas de interceptações ou captações de conversas, que têm sido frequentes. A esse respeito, o projeto adota meios legais e eficazes de regular e punir, desde a interceptação ilegal de conversas por telefone e conversas presenciais até a ilegal captação de dados de informática. Outro avanço da lei é permitir que a gravação de conversas realizada por um dos interlocutores, mesmo sem o conhecimento do outro, possa ser utilizada para exercício regular de um direito.
Entretanto, não se tem poupado críticas ao projeto, alegando-se que nele está-se adotando verdadeira forma de censura à imprensa. Isto porque ele tipificou como crime a conduta daquele que divulga produto da interceptação telefônica obtido ilicitamente, bem como obtido de forma lícita, mas acobertado por segredo de justiça.
Primeiramente é preciso esclarecer que o projeto não veda, coíbe ou incrimina qualquer gravação ou interceptação feita de modo lícito. De outra parte, se é crime efetuar interceptação telefônica fora das hipóteses e formas previstas em lei, para fins que não sejam de apuração de infrações penais e com autorização judicial, não menos delituosa é a utilização do produto desse crime, tais co¬mo as conversas e dados obtidos com essa prática ilegal. Daí a preocupação expressa no projeto de punir quem realiza o ato ilícito, mas também quem, de qualquer forma, utiliza-se do material dele advindo.
Portanto, o projeto traça uma linha divisória muito clara entre o lícito e o ilícito. No âmbito da licitude, seja para a interceptação ou gravação, tudo é possível, desde sua captação até sua utilização e divulgação. Porém, para todas as formas de atividades ilícitas de captação de conversas ou dados de informática, símbolos, caracteres, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, o projeto pune não somente quem realiza a operação ilegal, mas também todos aqueles que se utilizarem do produto desse crime, seja obtendo vantagem direta ou apenas divulgando o resultado desse crime. A única limitação prevista no projeto para utilização ou divulgação de captações lícitas ocorre se for decretado o sigilo nas investigações ou no processo penal.
Assim, decorre claramente do projeto que nada há nele que possa ser interpretado como censura aos meios de comunicação. Em síntese, o projeto é uma forte censura aos atos ilícitos e não à imprensa. É decorrência dos princípios da legalidade e da igualdade que, seja quem for que pratique conduta ilícita, deverá ser punido, sendo ou não integrante da imprensa. Esta é a premissa básica de um Estado Democrático de Direito, que não pode admitir que a imprensa, que tão relevante papel nele desempenha, apoie e fomente a realização de interceptações e gravações ilícitas ao se utilizar do produto ou resultado desse delito como matéria-prima de seu trabalho.
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