INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 158 - Janeiro / 2006





 

Coordenador chefe:

Mariângela Gama de Magalhães Gomes

Coordenadores adjuntos:

André Pires de Andrade Kehdi, Andréa Cristina D’Angelo, Leopoldo Stefanno Leone Louveira, Lui

Conselho Editorial

Editorial

Em defesa da legalidade na execução penal: apoio do IBCCRIM ao magistrado de contagem/MG

O Boletim do IBCCRIM, no editorial de novembro de 2005, denunciou projeto de desjurisdicionalização da execução da pena, jurisdicionalização que foi uma das conquistas da reforma penal de 1984. Naquele editorial, real­çou que “depois de estremecidas as idéias de individualização e de progressividade, voltam-se os olhos, agora, para privar não os juízes e os processos judiciais da execução penal, mas, bem inversamente, para privar a execução penal dos juízes e dos processos”.

Em realidade, face ao triste quadro deflagrado a partir da edição da Lei nº 10.792/03 que instituiu o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), o Instituto vem apontando o gradual processo de reinstitucionalização do sistema administrativo na fase final da persecução penal, cuja marca inquisitiva obsta o alcance mínimo dos direitos e garantias fundamentais.

A par de suas posições institucionais divulgadas pelos canais próprios, o IBCCRIM entende que a luta pelos direitos e garantias fundamentais deve configurar a ação cotidiana dos operadores do Direito comprometidos com a Constituição. Para além da denúncia, a assunção dos princípios garantidores deve forjar uma nova ética que possibilite transformar a crise em crítica, o ideal em ação.

Dessa forma é que foi recebida, com entusiasmo, a notícia de que o magistrado Li­vin­gs­thon José Machado, da Vara de Execuções Penais de Contagem, Minas Gerais, em corajoso ato, determinou a soltura dos presos que se encontravam recolhidos em condições desumanas na 1ª e 2ª Delegacias de Polícia daquela Comarca.

Importante frisar que, segundo os demais juízes de Contagem em recente Carta Aberta às comunidades nacionais, na qual manifestam seu apoio ao juiz das Execuções Penais, a situação carcerária do município — co­mo é a regra no País, lembre-se — é lamentável, não apenas do ponto de vista da superpopulação, mas igualmente das péssimas condições físicas e de higiene das cadeias públicas. Para que se possa dimensionar a gravidade da situação, na 2ª Delegacia encontravam-se presas 113 pessoas, em local projetado só para 16. A referida Carta também informa que o Ministério Público Estadual, após representar ao magistrado e à Corregedoria de Presídios visando a interdição dos distritos policiais de Contagem, ajuizou ação civil pública com intuito de adequar minimamente o sistema carcerário local à Lei de Execuções Penais, tendo acostado laudo da Vigilância Sanitária da Comarca que acusa a presença, nos cárceres, de doenças infecto-contagiosas a colocar em risco os detidos — v.g., lepra, hepatite B, tuberculose, entre outras. Em razão disso, iniciou-se a formulação de um acordo objetivando a construção de centros prisionais mediante recursos alocados pelo Município de Contagem e pela União. Apresentada, porém, a minuta do ajuste, o Governo do Estado recusou-se a assiná-la.

Em suma: a decisão do magistrado não foi irresponsável e precipitada, mas sim revelou-se como a única saída possível para um processo — não obstante longo e infrutífero — de prévia negociação administrativo-judicial, tendente à minimização dos efeitos degradantes do sistema prisional daquela comarca.

Contudo, é de se estranhar a postura do Poder Judiciário mineiro diante do ocorrido: em vez de explorar as peculiaridades do caso para a cobrança de uma postura política séria de parte dos Poderes Executivos Estadual e Federal, optou, arbitrariamente, pela abertura de procedimento administrativo contra o magistrado que, de maneira legítima, havia feito valer o texto constitucional (art. 5º, incs. XLVII, “e”, e XLVI da CF/88). Nunca é demais lembrar que a 5ª e 6ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça, há muito tempo, vêm entendendo que o preso tem direito à prisão domiciliar no caso de falta de estabelecimento adequado ao regime de cumprimento de sua pena, inclusive em decisões de casos oriundos de Minas Gerais (v. p. ex., HC nº 44.390/MG e RHC nº 16.649/MG).

De outra parte, também causa perplexidade a postura do Ministério Público mineiro que, apesar de uno e indivisível, após promover uma ação civil pública para a interdição do 1º e 2º Distritos Policiais de Contagem, requereu medidas sancionadoras contra o juiz das Execuções Penais daquela Comarca. No mesmo rumo, não pode passar despercebida a omissão da OAB.

É necessário esclarecer os fatos que antecederam a decisão judicial, para assim compreendermos a absoluta distorção do episódio pela mídia nacional, levando organismos do próprio Estado à adoção de medidas arbitrárias e precipitadas, muito mais orientadas para acalmar o “nervosismo social” do que, propriamente, solucionar o problema que — frise-se — ainda persiste tanto em Contagem como no resto do País.

No Rio de Janeiro, há algum tempo atrás, a mídia comunicou (sic), que crianças estavam dormindo em bueiros, caso em que a Prefeitura, para solucionar o problema, resolveu colocar grades nas tampas dos bueiros. Pois o Estado de Minas Gerais (e o Brasil to­do, frise-se), em termos semelhantes, ciente da superlotação de suas casas prisionais, decide resolver o problema por meio da punição do juiz, que teve a coragem de autorizar a liberdade de pessoas que vinham sendo tratadas de forma desumana. Esse, infelizmente, é o retrato da política penitenciária brasileira.



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