Mariângela Gama de Magalhães Gomes
Andréa Cristina D’Angelo, Leopoldo Stefanno Leone Louveira, Mariângela Lopes Neistein, Paulo
A igualdade, hoje, é o tema daqueles que se preocupam com a constante e diária conquista da democracia. Discute-se o sistema de cotas para negros como forma de garantir igualdade entre os homens no ingresso na universidade. Discute-se sistema de cotas, ainda nas universidades, para alunos de escolas públicas. Debate-se, especialmente no Direito Penal e no Processo Penal, melhor forma de garantir defesa técnica eficiente para os acusados sem condições econômicas para constituir advogado. O sistema prisional tem sido criticado por não proporcionar condições dignas de vida ao condenado, que, geralmente, é pobre. As recentes rebeliões nas unidades da Febem, lotadas de jovens nada favorecidos economicamente, mostram que, mais do que nunca, é necessário garantir educação para todos, desde cedo. Educação, alimentação, lazer, cultura, são indispensáveis para que a criança e o adolescente tornem-se adultos bem integrados na sociedade.
Neste contexto, a igualdade entre homens e mulheres está, evidentemente, na pauta do dia. 2004 foi o Ano Nacional da Mulher. 2005 é o Ano da Mulher Latino-americana e Caribenha, assim escolhido pela Parlatino (Organização Regional integrada pelos Parlamentos Nacionais da América Latina), por sugestão do Senado Federal.
A página do Senado na Internet (www.senado.gov.br), em link destinado à mulher, inclui publicação interessante do Instituto Ethos (“O compromisso das empresas com a valorização da mulher” - SP - 2003 - www.senado.gov.br/anodamulher2005/PDF/valoriz_mulher.pdf).A publicação traz as seguintes informações: a)- a Secretaria Geral da ONU calcula que há 1,2 bilhão de pessoas no planeta abaixo da linha de pobreza; b)- 70% são mulheres (feminização da pobreza).
A referida pesquisa narra ainda que, em 2003, delegacias de Polícia do Rio de Janeiro registraram 31.000 ocorrências de lesões corporais contra mulheres. Em São Paulo, foram registradas 87.000 ocorrências. Acredita-se que esses números não alcancem 15 a 20% das agressões verificadas, já que as mulheres não costumam procurar autoridades para relatar violências.
Há consenso de que é indispensável o fortalecimento da mulher para rompimento do círculo vicioso da pobreza e estabelecimento de condições adequadas para o desenvolvimento digno da personalidade. Medidas legislativas vêm sendo adotadas, no Brasil, para a valorização e proteção da mulher. A Lei nº 9099/95, por exemplo, foi modificada pela Lei nº 10.455/02, que introduziu, no sistema processual delineado para infrações que suscitam composição, medida cautelar de afastamento do lar, quando praticada violência doméstica.
Se, por um lado, condutas devem ser criminalizadas quando a sociedade exigir proteção mais enfática a determinado bem jurídico, deve essa mesma sociedade, paralelamente, descriminalizar, quando o direito se confundir com a moral no momento da tipificação, ou quando a ação perder capacidade de prejudicar. Direito e moral não se confundem.
Por isso, as modificações do Código Penal, constantes da recém aprovada Lei nº 11.106, de 28 de março p.p., são significativas. Suprime-se, do tipo do art. 215, a honestidade enquanto atributo da mulher ofendida pela prática de “posse sexual mediante fraude”. Também o “atentado ao pudor mediante fraude” (art. 216) poderá ser praticado contra qualquer pessoa (“alguém”) e não apenas contra “mulher honesta”. Deixam de ser criminosos a sedução (art. 217), o rapto de “mulher honesta” (arts. 219 e 220) e o adultério, em explícito reconhecimento de que a lei penal não deve interferir na liberdade individual quando o critério para a intervenção estatal tiver sido, única e exclusivamente, afronta aos bons costumes. Há de ser ressaltado, contudo, que essa descriminalização não ignorou situação fática em que bens jurídicos de significativa relevância são afrontados — o que se verifica pela constatação de que a conduta permanece proibida, agora em outro tipo legal (art. 148, V, do CP).
Infelizmente, o nome dado ao Título VI da Parte Especial do Código Penal permanece “Dos crimes contra os costumes”, tratando, indistintamente, do tráfico de pessoas e da liberdade sexual sob mesma rubrica, quando as condutas ali tipificadas em nada se relacionam com os costumes, mas com liberdade, segurança e incolumidade física no âmbito da sexualidade humana. Não se trata mais da eleição arbitrária de um modelo de moralidade, em prejuízo de outros igualmente possíveis. Trata-se, isso sim, de preservar uma concepção pluralista de organização social, com respeito recíproco como padrão de convivência dialética e de tolerância entre as diferenças.
A constatação é que liberdade e igualdade permanecem entrelaçadas. Para assegurar a liberdade material das pessoas é indispensável preservar e garantir a igualdade entre elas, especialmente quanto às diferenças de gênero. Esse é o caminho para uma sociedade que pretenda enfrentar seus problemas sem recorrer, maniqueistamente, à afirmação prepotente de uma moralidade unívoca e proprietária do outro.
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