INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 148 - Março / 2005





 

Coordenador chefe:

Mariângela Gama de Magalhães Gomes

Coordenadores adjuntos:

Andréa Cristina D’Angelo, Leopoldo Stefanno Leone Louveira, Mariângela Lopes Neistein, Paulo

Conselho Editorial

Editorial

Editorial: Direitos humanos e casuísmos: impossibilidade de convivência

Deveria ser motivo de orgulho o fato de a Constituição brasileira acolher, de forma tão clara e explícita, valores afirmados, internacionalmente, nas Declarações e Pactos de Direitos Humanos. A consagração expressa, por exemplo, da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado, não dá margem a dúvida no sentido de que os direitos inerentes ao ser humano deveriam apresentar-se como alicerce da ordem política e da paz social brasileira, reafirmando a pessoa humana como um fim em si mesma e o centro em torno do qual o Estado haveria de se organizar.

No entanto, e de forma lamentável, ao longo do tempo, nas pesquisas e levantamentos de dados internacionais, o Brasil tem sido referido como país que tolera violações a direitos humanos. Afora a inexistência de políticas voltadas para evitar tais violações, também é registrada a ineficiência — intencional ou não — das apurações de responsabilidades dos autores das citadas ofensas a esses direitos.

A preocupação acerca desses dados foram fundamentais para o tratamento do tema na Reforma do Poder Judiciário, implementada pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004. Incluiu-se, dessa forma, no art. 109, da Constituição Federal, que trata da competência da Justiça Federal, dispositivo que prevê o denominado incidente de deslocamento de competência para a referida Justiça. Consoante a norma constitucional, o incidente tem a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, e será suscitado pelo Procurador-Geral da República, junto ao Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou do processo.

Assim, se as apurações de violações a direitos humanos, em inquérito ou processo, não revelarem firme postura das autoridades com os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro nos tratados internacionais, a norma constitucional em questão possibilita que a competência seja deslocada para a Justiça Federal.

É evidente a concepção adotada na aludida norma de que a Justiça Federal poderá conduzir de modo mais eficiente as apurações dessas violações, premissa cuja correção somente o tempo poderá demonstrar. De qualquer modo, a alteração da Constituição nesse aspecto procura alinhar o Brasil entre os Estados que tutelam efetivamente os direitos humanos e compatibilizá-lo com a sua natureza de Estado Democrático de Direito — respeitador, portanto, da dignidade humana. Sob essa ótica, a medida merece aplausos, uma vez que tem o escopo de evitar que ingerências políticas regionais ou motivações pessoais de indivíduos diretamente envolvidos possam macular apurações de ofensas aos referidos direitos.

Contudo, faz-se necessário atentar para o fato de que o dispositivo constitucional que instituiu o incidente de deslocamento é norma de competência e, como tal, necessita forçosamente pautar-se por critérios objetivos e claros — e não casuais e subjetivos. Caso contrário, o que seria um avanço representará, na realidade, verdadeiro retrocesso, permitindo que, casuisticamente, e em especial pela repercussão do resultado das apurações junto à imprensa, seja deslocada a competência das Justiças Estaduais para a Federal.

O deslocamento de competência em foco não poderá, portanto, ser decorrência de mera insatisfação da opinião pública ou da mídia em relação ao resultado das apurações. Daí a necessidade inarredável de regulamentar a norma constitucional, como norma de competência que é, estabelecendo critérios objetivos para a sua aplicação.

Combinados esses fatores — objetividade de critérios determinantes do deslocamento de competência e efetiva apuração de violações a direitos humanos — o Brasil poderá, finalmente, deixar de figurar nas pesquisas internacionais que divulgam o malfadado ranking de Estados que protegem os direitos humanos somente no papel.



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