Carlos Alberto Pires Mendes
Andréa Cristina D'Angelo, Fernanda Velloso Teixeira, Leopoldo Stefanno Leone Louveira e Paulo
Em todos os países em que a tutela da Constituição compete em última ou única instância a um Tribunal Constitucional, é comum se afirmar que esse tribunal assume funções jurídicas e também políticas. Jurídicas, pois é órgão máximo do Poder Judiciário; políticas, porquanto cabe a ele interpretar e “dizer a última palavra” sobre o texto legal de maior influxo político de um país, a sua Constituição. Impossível a separação clara e precisa entre o término da decisão jurídica e o início do julgamento político. Os caminhos não se entrelaçam, pois não são dois, mas um único que contém dois matizes.
A questão não se coloca, portanto, em se o Supremo Tribunal Federal deve decidir de maneira política ou jurídica as principais questões que atormentam a nossa Nação. Pensar assim é ter a certeza de que o texto constitucional sempre deverá ceder a um novo e espasmódico anseio político (público ou privado). É afirmar que a segurança jurídica e as grandes conquistas juspolíticas dos direitos fundamentais e de um sistema jurídico equilibrado devem ceder se a “pressão política” for de “alta proporção”. Caminhar por essa seara é apequenar a função reservada ao maior Tribunal da Nação.
Se observarmos que: a) a maior parte das ADIns são propostas por partidos políticos de menor expressão que se utilizam desse meio jurídico para defender suas vencidas posições políticas; b) o Poder Executivo sempre se serve de medidas judiciais originárias daquele Tribunal para fazer prevalecer suas posições de política econômica; c) muitas Instituições (públicas e privadas) se servem de medidas judiciais (diretas ou indiretas) para forçar o Supremo à tomada de uma posição que lhes favorece os desejos (constitucionais ou não), verificaremos que a escolha de um critério casuístico e submetido a pressões políticas momentâneas relegará o Supremo Tribunal Federal a um plano secundário; torná-lo-á uma instância homologatória de critérios casuísticos movidos por anseios executivos, legislativos ou institucionais. Esse, seguramente, não é o melhor critério juspolítico a ser seguido por nosso Tribunal Constitucional.
O Supremo Tribunal estará se apequenando, se iniciar um processo de decisões políticas que, a pretexto de melhor adaptar o texto constitucional a uma nova realidade brasileira, inicie um processo de fissuras casuísticas no texto constitucional.
Ao Supremo cabe, através de suas decisões, dizer a todos quando e se erraram e, portanto, que devem arcar com seus erros históricos, políticos, jurídicos ou econômicos. Cabe dizer ao Executivo que foi ineficiente e relapso em seu planejamento estratégico e econômico e que a conta não pode ser paga pelo cidadão e à custa da Constituição. Cabe dizer ao Legislativo que o debate democrático deve ser respeitado e que os dispositivos aprovados, desde que conformes com o texto constitucional, devem ser aceitos pelos vencidos; assim como também deve dizer ao Legislativo que não se faz política de momento, aprovando-se leis punitivas e inconstitucionais para satisfazer anseios midiáticos ou populares em detrimento da Constituição. Cabe dizer a qualquer cidadão ou instituição que o descumprimento do texto constitucional nunca é o melhor caminho para a obtenção de aparentes e mais imediatos resultados, pois a longo prazo implicará o caos sistêmico e legal. O Supremo Tribunal Federal deve ter um papel mais sereno e mais independente das pressões com as quais as questões são iniciadas.
Quando uma inconstitucionalidade for perpetrada por qualquer Poder, instituição ou cidadão, seu agente sempre terá uma boa razão (real ou fictícia) a justificá-la. Sempre haverá argumentos aparentemente justificáveis. O que não se pode admitir é que esses argumentos casuísticos e inchados de boas intenções sejam transformados em argumentos ad terrorem para colocar o Supremo Tribunal Federal como o maior responsável pelo caos, se os declarar inconstitucionais. Com a constitucionalidade de uma lei, ato ou comportamento não há negociação. Ou é constitucional ou será inconstitucional. Entre a legalidade e a ilegalidade não cabe ao maior Tribunal da Nação buscar uma medida intermediária. Aristóteles, filósofo a defender que a virtude reside no meio (in medio stat virtus), verificou que, embora essa posição seja a regra, há conceitos absolutos que não comportam um termo médio e, dentre eles, destacou a justiça. Afirmava ele que ou temos justiça ou injustiça, não há meio termo. O mesmo pode ser dito da constitucionalidade de uma medida. Ou ela é constitucional ou é inconstitucional. E, se for inconstitucional, deverá o seu agente (público ou privado) entender que nunca um caminho ilegal poderá conduzir a bons frutos. Os resultados imediatos, mesmo que aparentemente bons e justificáveis, na medida em que violam os direitos e garantias fundamentais ou o equilíbrio do sistema jurídico trarão como fruto mediato e certo uma crescente desestabilização social, institucional, política e econômica, pois não haverá mais a segurança jurídica estabelecida em um texto que deve ser o norte para os demais, a Constituição Federal.
O bom critério político a guiar a interpretação de uma norma constitucional não é o casuístico ou aquele que imputa ao Poder Judiciário a culpa pelos atos inconstitucionais de outrem. A boa decisão não é aquela obtida pelo signo do medo ou da responsabilização pelo pseudocaos jurídico, econômico, social. O bom critério para a escolha não é aquele que serve para justificar momentâneas e aparentes medidas falsamente eficazes. A boa escolha política é aquela que sobrepaira ao momento presente e vislumbra qual o mais seguro caminho para o futuro, muito embora ele aparentemente não sirva aos imediatistas que só vêem o passado e só utilizam o pânico para explicar suas atitudes no presente. Não se nega que o caminho mais curto sempre pareça ser o melhor, mas a experiência mostra que invariavelmente não é o mais correto, notadamente, em termos juspolíticos, se para ele existir foi necessário deixar à margem preceitos constitucionais ou torcer o sistema jurídico.
A Constituição da República delegou ao Supremo Tribunal Federal altivez e autonomia suficientes para preservá-la. Se ela tiver que ser alterada, que o seja pelos procedimentos e nos limites legislativos que ela mesma previu. Porém, que isso não se faça por meios indiretos ou por condução de nosso Tribunal Constitucional à berlinda político-social. Que o STF não aceite esse papel e não se submeta a pressões. Historicamente nunca aceitou esse papel desvirtuado e temos a certeza de que, renovado agora em mais de sua terça parte, saberá manter a história.
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