INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 138 - Maio / 2004





 

Coordenador chefe:

Celso Eduardo Faria Coracini

Coordenadores adjuntos:

Carlos Alberto Pires Mendes, Fernanda Emy Matsuda, Fernanda Velloso Teixeira e Luis Fernando

Conselho Editorial

Editorial

Timor Leste: o sol, a nação e a democracia nascentes

Flavia D'Urso

Procuradora do Estado da Assistência Judiciária Criminal de São Paulo

Integrei missão brasileira de prospecção para a cooperação do governo brasileiro com o Timor Leste na área da Justiça, representando a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, a convite da Subprocuradoria-Geral da Área de Assistência Judiciária.

Sem exagero, foi uma das experiências mais fantásticas de vida.

O Timor Leste foi colônia de Portugal até 1976, quando foi invadido pela Indonésia. O domínio indonésio, levado a cabo pelo ditador Suharto, dizimou quase um quarto da população timorense que, durante os mais de 20 anos de ocupação, manteve notável resistência com forças organizadas pelo FRETILIN, Frente Revolucionária de Timor Leste Independente, partido de esquerda social-democrata.

Em 1999, um dos líderes da guerrilha, Xanana Gusmão, preso desde 1997, recebeu visita do então secretário de Assuntos Políticos do Itamaraty, no que foi o primeiro encontro de um representante de país lusófono com o líder timorense desde a sua segregação. A partir daí, intensificaram-se as relações do Timor com o Brasil, tendo aquele país, inclusive como administrador transitório, a Sérgio Vieira de Mello, que impulsionou os vínculos que firmariam a irmandade desses dois países de língua portuguesa como membros da CPLP( Comissão de Países da Língua Portuguesa).

As Forças Armadas da Indonésia, precedidas de anos de lutas sangrentas, retiraram-se do Timor no final de 1999. A libertação é proclamada e, desde o ano de 2000, o Brasil vem estabelecendo acordos de cooperação técnica com o governo timorense nas áreas de alfabetização comunitária, educação, saúde, desenvolvimento agrícola e empresarial, administração pública e formação profissional. E nessa esteira, a contribuição brasileira para a estruturação do sistema judiciário.

A missão reuniu-se com o ministro da Justiça, com a presidência do Tribunal de Recursos e Conselho Superior da Magistratura, com o procurador-geral de Justiça, com o defensor público geral e com representantes do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD/ONU.

A forma de governo do Timor Leste é a de república parlamentarista, contando com uma Constituição Federal, cujo primeiro artigo consolida o Estado de Direito Democrático, soberano, independente e unitário, baseado na vontade popular e no respeito à dignidade humana. Os órgãos de soberania são o Presidente da República, o Parlamento Nacional, o Governo (primeiro-ministro, ministros e secretários de Estado) e os Tribunais.

São línguas oficiais o português e o tétum, o qual mescla palavras das línguas indonésia e lusitana.

O IDH do Timor Leste é o mais baixo de toda a Ásia. A renda per capita anual é de 478 dólares. 41% da população está abaixo da linha da pobreza e 57% são analfabetos.

O Mar do Timor, porém, tem importantes jazidas de petróleo e gás, encontrando-se hoje em discussão os mares territoriais pelos governos da Austrália, Indonésia e Timor Leste.

O sistema judicial é composto pela Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública e instituições relacionadas.

A Defensoria Pública não tem trato de envergadura constitucional, diferentemente das duas primeiras carreiras de Estado. Vem sendo organizada por duas ONGs: "Advogados sem Fronteiras" e IFES/USAID, de origem norte-americana. Tem vínculo administrativo e dever de prestação de contas junto ao Ministério da Justiça.

Vigoram ainda leis anteriores à independência, desde que não contrariem os regulamentos da UNTAET ( Administração Transitória das Nações Unidas em Timor Leste). O Código Penal, Civil e de Processo Civil são indonésios. O procedimento criminal vem regulamentado pela UNTAET.

Há apenas duas instâncias no Judiciário timorense: o Tribunal de Recursos e os Distritais. Existem vinte e três juízes, nove procuradores públicos e nove defensores públicos. Não há faculdade de direito e a grande parte desses operadores tem formação nas universidades da Indonésia. Os processos estão na língua bahasa-indonésio.

As peculiaridades de um país como o Timor Leste e a consolidação de um modelo legal de "Estado Democrático de Direito", a que, como se sabe, está estreitamente relacionada a garantia de processo e julgamento justos e formais, embutem uma complexidade riquíssima e desafios.

Sucessivas ocupações não impediram o desenho da sociedade timorense. O Timor Leste mantém ainda divisões como de antigos reinos ou rais, subdivididos por sucos, que são dirigidos por liurais. Esses líderes comunitários resolvem a maior parte dos conflitos sociais e jurídicos: questões de família, propriedade e, inclusive, penais. Trata-se, portanto, de uma justiça popular e informal.

Essa forma de organização teve decisiva contribuição no processo político que preservou a resistência ao domínio indonésio e acabou por influir para a independência do país.

Há, por outro lado, a necessidade de incorporação legal e formal das conquistas da cidadania contemporânea.

Esse impasse não é novidade nos países em contextos de revolução e de profundas transformações sociais, como foram Moçambique, África do Sul , China e Nicarágua.

A acomodação e a estabilização da democracia no país do sol nascente dependerá da manutenção do prestígio da participação popular na resolução dos conflitos e da confiança nas instituições dos poderes implementados e legitimados pela revolução.

As trocas de experiências dos países lusófonos, em especial do Brasil, desnecessário aqui enfatizar, serão efetivamente proveitosas.

Flavia D'Urso
Procuradora do Estado da Assistência Judiciária Criminal de São Paulo



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