INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 70 Setembro Esp. / 1998





 

Coordenador chefe:

Carlos Alberto Pires Mendes e Sérgio Rosenthal

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Conselho Editorial

Editorial

A lavagem de dinheiro e o crime organizado na França - O fenômeno e o direito(1) –

Sérgio Rosenthal

Advogado em São Paulo e diretor do Boletim/IBCCRIM

Os especialistas do GAFI(2), grupo criado pelos chefes de Estado e governantes do G7, e a presidência da Comissão das Comunidades Européias, se dispuseram a descrever os aspectos materiais de uma operação de lavagem de dinheiro, a fim de que fosse possível aos operadores do direito compreender o desenvolvimento e os mecanismos dessas manobras.

Assim estabeleceu-se, para uma melhor compreensão, uma cronologia que serve de referência a todo estudo que envolve este fenômeno.

Segundo os técnicos do GAFI, o procedimento de lavagem de dinheiro se desenvolve fundamentalmente em três etapas bem definidas, independentemente de seu grau de complexidade, quais sejam, o "depósito"(3), o "acúmulo desses depósitos"(4), e finalmente a sua "integração"(5), sendo certo que este último procedimento freqüentemente faz uso dos sistemas financeiros internacionais. Essas três etapas podem ocorrer separada e distintamente umas das outras, embora com freqüência seu desenvolvimento seja simultâneo. A utilização e escolha destas etapas fundamentais dependerá dos mecanismos de lavagem de dinheiro disponíveis, bem como das necessidades da organização criminosa implicada.

A primeira etapa, denominada "le placement" (o investimento) consiste em desfazer-se materialmente de importâncias em numerário. Conscientes de que grandes valores em dinheiro podem chamar a atenção sobre sua proveniência ilícita, os delinqüentes freqüentemente transferem estas importâncias do lugar de sua aquisição. Apesar de parecer simples, esta ação é bastante delicada, pois, evidentemente, é a mais aparente, vez que é necessário apresentar o dinheiro em espécie, assegurando assim, uma primeira transformação. É imperioso desfazer-se materialmente de somas vultosas, seja operando em diferentes estabelecimentos financeiros, seja injetando-as na economia informal, seja pela transferência de divisas ao exterior do país onde, por exemplo, a venda da droga foi efetuada.

Nesta fase do "placement" os bancos bem como todas as demais instituições ou mecanismos de depósito são os principais agentes de transmissão de fundos.

A segunda fase, denominada "l'empilage", ou seja, o acúmulo de investimentos, impede qualquer possibilidade de se chegar à origem dos produtos ilícitos, graças a um sistema complexo de transações financeiras sucessivas, destinadas a maquiar a trilha contábil destes lucros. Consiste basicamente em multiplicar os movimentos de uma conta bancária sobre outra, podendo cada conta se dividir em inúmeras subcontas. Neste caso, os meios técnicos mais sofisticados são colocados em prática para acelerar a movimentação financeira e dissociar, o mais eficazmente possível, os fundos de sua origem. De regra, recorre-se a um centro de telecomunicações financeiras interbancárias como o SWIFT(6) (Companhia Mundial de Telecomunicações para Transações Financeiras Interbancárias).

No início, este centro de telecomunicações era uma cooperativa constituída por quinhentas instituições financeiras européias e americanas.

Os códigos anexados às mensagens do SWIFT indicam a natureza de cada operação: "MT 100's" ou "MT 200's" designam transferências de fundos; "MT 700's" é a indicação para um crédito documentário. A mensagem indica a data, a moeda, o montante e também a origem do dinheiro, o que significa, de fato, as coordenadas do operador e do beneficiário. Dessa forma nada é secreto, mas é dificílimo acompanhar a movimentação do dinheiro, dada a sua rapidez, além da necessidade de se saber decifrar uma mensagem "SWIFT", que não deixa mais que traços contábeis reduzidos. Outra modalidade utilizada é o sistema "CHIPS"(7), através de câmaras de compensação dos sistemas de pagamento interbancário.

Graças à técnica de "empilage", os fundos são dispersos, repartidos em centenas de contas, e depois podem, ao gosto das organizações que os manipulam, ser reagrupados em um grupo de bancos determinados, a partir dos quais serão livremente utilizados.

A terceira fase da lavagem de dinheiro é chamada "l'intégration". O dinheiro é reinvestido ou reutilizado na economia legal.

A integração consiste em conferir uma aparência de legalidade ao dinheiro sujo. Uma vez terminado o procedimento de "empilage", o lavador de capitais necessita de uma "fachada" para revestir sua riqueza de um perfume de legalidade. Os planos de integração distribuem os produtos lavados na economia de tal maneira que eles retornam ao sistema bancário com a aparência de lucros normais de uma negociação comercial.

De seu lado, juristas de todo o mundo civilizado buscam uma definição jurídica para esta infração, a fim de que a lei penal preveja o crime e o reprima.

A particularidade e a dificuldade de incriminação da lavagem estão no fato de que sua definição não pode ser autônoma. Assim como no crime de receptação, a lavagem de dinheiro é sempre conseqüência de uma infração anterior, onde o dinheiro é obtido. Neste passo, a correta tipificação, bem como a prova do dolo são consideravelmente complicadas.

Por definição, igualmente, a lavagem de dinheiro proveniente de crime é uma infração internacional, aliada às facilidades de comunicação e à permeabilidade das fronteiras.

Por derradeiro, é necessário asseverar que, se a colaboração repressiva internacional é indispensável, no caso, ela não é maleável, pois os Estados defendem sua soberania, cada um deles levando em conta um julgamento de valores sobre o sistema repressivo do Estado vizinho.

Veja-se como exemplo as dificuldades observadas na maneira em que se dá a cooperação policial ou judicial entre os próprios países membros da comunidade européia.

Finalmente, em que pese existir incriminação direta da lavagem de dinheiro nos mais diversos países europeus, as disposições que visam a matéria não são uniformes, seja no âmbito das penas previstas, seja quanto à possibilidade de apreensão ou confisco de valores, os lapsos prescricionais, etc...

Notas

(1) Texto traduzido e adaptado da obra "Blanchiment d'argent et crime organisé", de Jean-Louis Hérail e Patrick Ramael, Presses Universitaires de France, 1ª edição, 1996.

(2) Groupe d'action financière internationale.

(3) Le placement.

(4) L'empilage.

(5) L'integration.

(6) Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunications.

(7) Chambers of Compensation of Interbank Payment Systems.

Sérgio Rosenthal
Advogado em São Paulo e diretor do Boletim/IBCCRIM.



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