INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 65 - Abril Esp. / 1998





 

Coordenador chefe:

Editores do boletim: Tatiana Viggiani Bicudo, Carlos Alberto Pires Mendes e Sérgio Rosenthal

Coordenadores adjuntos:

Conselho Editorial

Editorial

A nova Lei ambiental e a justiça consensual

Antonio Scarance Fernandes

Advogado em São Paulo e professor de Processo Penal da USP e USJ.

Atualmente, uma das grandes preocupações dos processualistas é a busca da efetividade do processo. Num contexto impregnado de novas idéias de reforma eficiente do processo e da Justiça, está inserida marcante preferência pela solução consensual, pela via de conciliação.

Constatou-se que é preciso dinamizar o processo para sua função instrumental, servindo aos anseios de uma justiça rápida e mais eficiente.

A nova lei ambiental, Lei nº 9.605/98, também refletiu a preocupação com a justiça consensual.

O primeiro e importante reflexo foi a tomada de posição do legislador no sentido de admitir expressamente a possibilidade de serem aplicadas as normas consensuais da Lei nº 9.099/95 à Justiça Federal.

O entendimento da jurisprudência (STJ, RSTJ 2/296, 5/106) é de que a competência para julgamento dos crimes ambientais é da Justiça Federal, pois, segundo o art. 109, IV, da Constituição Federal, incumbe aos juízes federais processar e julgar infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, estando o meio ambiente entre as matérias que são de interesse da União, a quem compete "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade" (art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal)(1).

Apesar de ser da competência da Justiça Federal o julgamento dos crimes ambientais, percebe-se claramente que o legislador, nos arts. 27 e 28, da Lei nº 9.605/98, determinou a aplicação de dispositivos da Lei nº 9.099/95 aos referidos crimes. Assim, provavelmente começará a se firmar a orientação no sentido da aplicação das medidas despenalizadoras da Lei nº 9.099/95 à Justiça Federal. Com esta opção legislativa, aumenta-se o âmbito de aplicação da Justiça consensual em matéria criminal.

Outro avanço importante da nova lei ambiental, para maior consensualismo na Justiça criminal, foi a atribuição, com o art. 26, à Justiça Estadual da competência para o processo e o julgamento dos crimes previstos na Lei Ambiental, com a intervenção do Ministério Público respectivo, quando o local do crime não for sede da Justiça Federal. Conserva-se a competência da Justiça Federal, mas, como já ocorre com os crimes de tráfico internacional de entorpecentes (art. 27 da Lei nº 6.368/76), transfere-se para a Justiça Estadual a competência para o julgamento dos crimes ambientais naquelas comarcas onde não atua o órgão jurisdicional federal, mantendo-se a competência dos Tribunais Regionais Federais para o julgamento dos recursos, habeas-corpus, mandados de segurança.

Haverá maior atuação da Justiça consensual porque a nova regra facilitará o contato do juiz e do promotor com o autor do fato, com pessoas lesadas ou representantes de entidades de defesa ambiental, permitindo solução rápida da causa com eventual acordo que venha a ser firmado nos termos da Lei nº 9.099/95. A necessidade de as pessoas interessadas deslocarem-se até a comarca mais próxima que fosse sede da Justiça Federal dificultava a data em que os interessados poderiam ter contato com o juiz e com o procurador federal, tornando assim morosa a solução da causa e dificultando a rápida reparação do dano ecológico. Além do mais, a proximidade com o fato, com o local e com as pessoas envolvidas torna mais certa a execução, facilitando a verificação do cumprimento daquilo que tenha sido avençado.

Outro reflexo da Justiça consensual na nova lei ambiental está no art. 27, que trata do instituto da transação penal.

A transação penal, na experiência iniciada pela lei nº 9.099/95, vem, às vezes, se ressentindo de efetivo cumprimento do acordo pelo autor do fato, sem que estejam previstos mecanismos firmes para forçar o renitente a cumprir a sua parte da avença. Ainda, a vítima, apesar de ter sido objeto de preocupação especial da Lei nº 9.099/95 (ver art. 62), não participa da transação penal, nem constitui requisito para a transação penal qualquer exigência relativa à reparação do dano causado ao ofendido. Ainda que de forma deficiente, o Código de Trânsito manifestou preocupação com a vítima, ao possibilitar que a proposta de transação penal seja de multa reparatória. Agora, nos termos do art. 27, da Lei Ambiental, a transação penal depende de prévia composição do dano ambiental, a ser realizada nos termos do art. 74, da Lei nº 9.099/95, salvo em caso de comprovada impossibilidade. Constitui tal providência legislativa mais um forte impulso à Justiça consensual e, principalmente, à solução das matérias penal e civil no âmbito criminal.

O art. 28 determina a aplicação, com modificações, à Lei Ambiental, do art. 89 da Lei nº 9.099/95, que trata da suspensão condicional do processo.

Determina, contudo, tal aplicação de forma falha ao restringi-la às infrações de menor potencial ofensivo. Não se encontra essa restrição na Lei nº 9.099/95. As infrações de menor potencial ofensivo são aquelas punidas com pena máxima de um ano, mas é permitida a suspensão para infrações em que a pena mínima é de um ano. Assim, o rol de infrações que enseja suspensão é bem maior do que o elenco das infrações de menor potencial ofensivo.

Provavelmente, surgirão duas interpretações sobre essa restrição. Com base na letra da lei será possível entender que, em relação aos crimes ambientais, só caberia suspensão nas infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, aquelas com pena mínima de um ano. Através de interpretação finalística, contudo, poderá também ser sustentado que se aplica integralmente o art. 89, da Lei nº 9.099/95, aos crimes ambientais, pois a intenção do legislador foi apenas a de modificar, com os Incs. I a V, as normas sobre os requisitos para a concessão da suspensão ou sobre as condições de seu cumprimento, tendo havido erro na alusão aos crimes de menor potencial ofensivo.

Preferimos a segunda exegese. A primeira diminui o âmbito de aplicação da Justiça consensual. Além do mais, torna praticamente ineficaz a norma do art. 89, da Lei nº 9.099/95, em relação aos crimes ambientais, pois caberia antes transação penal para as infrações de menor potencial ofensivo, ficando prejudicada eventual suspensão condicional do processo. Esta só aconteceria nos casos em que, por algum motivo, não fosse feita a proposta de transação, como, por exemplo, quando já tivesse havido anterior pedido de aplicação imediata de multa ou pena restritiva.

As modificações na suspensão condicional do processo visam a tornar efetiva a reparação do dano ambiental(2), condicionando-se a extinção de punibilidade à existência de laudo de constatação da reparação (Inc. I) e, em caso de não ser completa a comprovação da reparação, submetendo-se o acusado ao prazo máximo de quatro anos da Lei nº 9.099/95, acrescido ainda de mais um ano (Inc. II), sem necessidade de serem observadas na prorrogação as demais condições estabelecidas nos Incs. II, III e IV, do § 1º do art. 89 da Lei nº 9.099/95 (Inc. III). Terminada essa prorrogação, será lavrado novo laudo de constatação da reparação do dano ambiental, podendo, conforme seu resultado, ser novamente prorrogado o período de suspensão por novo prazo de cinco anos, sem as condições dos Incs. II, III e IV do § 1º do art. 89, da Lei nº 9.099/95 (IV). Esgotado o prazo máximo de prorrogação, ou seja, cinco anos iniciais do Inc. II mais cinco anos do Inc. III, a extinção de punibilidade dependerá de laudo de constatação que comprove ter o acusado tomado as providências necessárias à reparação integral do dano (Inc. IV). Até de forma repetitiva, nos Incs. I e V, o legislador quis deixar bem clara sua intenção de condicionar a extinção da punibilidade à integral reparação do dano causado.

Novamente, pretende-se utilizar o sistema criminal para forçar o autor da infração a reparar o dano que causou, agora ao meio ambiente, evitando-se com isso a demora decorrente de uma ação de natureza civil.

Notas

(1) Guiomar Teodoro Borges, Crime ecológico e sua competência jurisdicional, in Dano Ambiental, Prevenção, Reparação e Repreensão, pp. 319-325, critica essa orientação, sustentando posição diferente a respeito da competência para decidir sobre crimes e contravenções contra a fauna. Sustenta que, com a nova Constituição, também os Estados-membros têm competência para fiscalizar (art. 23, VI e VII) e para legislar sobre a fauna existente em seu território (art. 24, §§ 1º e 2º da CF). Além do mais, trata-se de bem de uso comum do povo, não sendo propriedade da União.

(2) Ivette Senise Ferreira, escrevendo sobre a Lei nº 9.099/95 e o Direito Penal Ambiental, antes da nova Lei Ambiental, afirmava que, em face da "gravidade das conseqüências que podem produzir as condutas tipificadas necessárias à efetiva proteção penal dos bens jurídicos nessa área, poucas são as que podem se adequar à classificação de infrações penais de menor potencial ofensivo". Mas, ao mesmo tempo, reconhecia "a utilidade da reparação do dano quando possível e viável, bem como a impropriedade de uma pena de prisão para a recuperação social do condenado, que nessa área é inútil ou desnecessária, em face das características criminológicas do autor da infração ambiental", acreditando "haver vantagens na aplicação de penas alternativas nesses casos". Essa posição mostra a preocupação de que, na eventual extensão da Lei nº 9.099/95 às infrações ambientais, fossem tentadas penas alternativas e, principalmente, houvesse atenção especial à reparação do dano, na linha, aliás, do que constou na nova lei.

Antonio Scarance Fernandes
Advogado em São Paulo e professor de Processo Penal da USP e USJ.



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