INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 75 Fevereiro Esp. / 1999





 

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Editorial

A pós-modernidade e as penas alternativas

Fábio Guedes de Paula Machado

Promotor de justiça em Uberlândia (MG), professor de Direito Penal da Universidade Federal de Uberlândia, mestre e doutorando em Direito Penal pela USP

I. Introdução

Decorridos e festejados os 50 anos da edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, lamentados os 30 anos da edição do Ato Institucional nº 5, corroborado pela "caça" declarada aberta do ex-ditador Pinochet, sem se esquecer do decênio da Constituição Federal brasileira, é promulgada no Brasil a Lei nº 9.714, de 25 de novembro de 1998, alterando o sistema de pena, apresentada como lei das penas alternativas.

Não quero aqui analisar os possíveis reflexos desta lei, v.g. sobre as prisões cautelares, etc., mas apenas tecer algumas breves considerações acerca da postura desenvolvida pelo legislador, mormente no tocante à modernidade, pós-modernidade e pena.

1. A modernidade

Inaugurada a modernidade no século XVIII com a obra de Kant, tratou este renomado autor de estabelecer o conceito absoluto das coisas através de leis universais, ou seja, a lei não era individualizada, mas universal, v.g., conceito de justiça, de crime, de bom e de mau, etc., estabelecendo os limites do ser e do dever ser. Diante dos parâmetros absolutos que foram estabelecidos nesta concepção, a pena é uma modalidade de compensação pelo crime e ela tem destarte caráter de retribuição, sendo certo que, sem essa idéia, não se concebe a idéia de justiça absoluta ou de universalidade. Diz-se, pois, que a modernidade concebia o real absoluto.

2. A pós-modernidade

Na seqüência histórica, a pós-modernidade ungida com o término da II Guerra Mundial, tendo como parceira a filosofia finalista, que diga-se de pronto não tinha compromisso com o antigo regime, ou com o nazismo ou com a República de Weimar, estabeleceu entre nós o simulado do real absoluto, isto é, se estabelece um juízo que possibilita a formação de um simulacro do real. Prova disto, no tocante à teoria do delito, é que a consciência da ilicitude passou a ser aferida sobre a "possibilidade" versus "potencialidade" de conhecimento da ilicitude e não sobre o seu real conhecimento. Esta inserção causou grandes discussões, entre outras acerca da verificação de uma culpabilidade presumida.

3. A pena

Em retorno à pena, se na modernidade esta tinha caráter retributivo, na pós-modernidade esta concepção não prevalece, erguendo-se a finalidade ressocializadora em substituição, sendo esta encontrada em nossos manuais e nos arestos pretorianos. Temos aqui mais um bom exemplo do que seja simulação do real ou finalidade simulada, isto porque a pena não ressocializa ninguém, não só no Brasil como também em muitos países, além do que a dignidade da pessoa humana não é observada no cumprimento da execução penal. Diante disto, a pena continua a ter o mesmo caráter retributivo que tinha na modernidade.

Agora, às vésperas do século XXI, é editada a lei brasileira que trata das penas alternativas e, a meu aviso, estas servem integralmente ao propósito da pós-modernidade, isto porque esta trabalha como já dito acima, com a simulação do real, até mesmo porque se tem a experiência ora da ausência de fiscalização neste tipo de pena, ora da ausência de estabelecimento próprio para o cumprimento da pena, etc., simulando-se também uma suposta ressocialização, ao invés de se enfrentar o problema no seu conteúdo, no seu real e verificar que é verdadeiro absurdo incriminarem-se determinados tipos de comportamento, v.g. lesão corporal leve, furto simples, estelionato, etc., ou de se movimentar toda uma máquina criminal, demasiadamente onerosa e pesada, para a obtenção de uma situação iníqua e opositora aos modernos postulados do Direito Penal, como a intervenção mínima, ultima ratio, fragmentariedade e outros.

É correta, portanto, a conclusão de que na pós-modernidade a pena tem caráter retributivo oculto, sendo ainda castigo, mas agora utilizado através de subterfúgios em benefício do próprio delinqüente, e o que é pior, persiste-se sem a obtenção da solução do conflito.

Penso que um modelo de sistema, com a substituição da autoridade judiciária, voltado à solução do conflito, mereceria aceitação por parte dos operadores do Direito, melhor do que um subsistema material-processual, onde garantias constitucionais são violadas, v.g. não-culpabilidade, devido processo legal, etc., ou noutro sentido, tornando-se presente a simulação do real, tal como acontece na pós-modernidade.

Neste sentido, o Direito Penal e conseqüentemente o Direito Processual Penal seriam postos verdadeiramente como ultima ratio.

Fábio Guedes de Paula Machado
Promotor de justiça em Uberlândia (MG), professor de Direito Penal da Universidade Federal de Uberlândia, mestre e doutorando em Direito Penal pela USP.



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