INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 127 - Junho / 2003





 

Coordenador chefe:

Celso Eduardo Faria Coracini

Coordenadores adjuntos:

Carlos Alberto Pires Mendes, Fernanda Emy Matsuda, Fernanda Velloso Teixeira e Luis Fernando

Conselho Editorial

Editorial

Remédio para o terror

Em seu "Sermão de Natal sobre a Paz" (1967), Martin Luther King Jr. observava que todos os grandes gênios militares do mundo e os conquistadores do passado, de Júlio César a Napoleão, matavam em nome da paz. Da leitura da obra de Hitler, "Mein Kampf" ("Minha Luta"), tem-se a impressão de que seus atos na Alemanha buscavam a paz. Os discursos de George W. Bush querem convencer de que trazer segurança ao mundo passa por arrojar mísseis, bombas e granadas sobre a população civil de um país que flutua em petróleo.

A paz e o desejo de segurança sempre foram pretexto para que assistíssemos a mais guerras e mais violência.

Contra o sentimento do desespero e do pânico, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais sente-se no dever cívico e institucional de participar do Movimento Antiterror(1), cuja Carta de Princípios foi lançada na memorável noite de 20 de maio p.p., na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, diante de uma platéia de estudantes de hoje e de ontem, movida pela esperança e pela coerência com a defesa do Estado Democrático de Direito, da cidadania e da dignidade humana.

Enganam-se os que acreditam que o Estado brasileiro assistiu adormecido ao impetuoso avanço da criminalidade organizada ao longo da década passada. De modo determinante, ele contribuiu para criar ambiente fecundo à reprodução da violência. Com base na crendice de que o rigor das penas e de sua execução poderia intimidar o delinqüente, desde 1990 aplica-se a insensata Lei dos Crimes Hediondos. Somente por falta de espaço, não trazemos à ribalta o rol de leis incriminadoras que foram nesses tempos promulgadas. O Estado de São Paulo assistiu atônito ao despontar do PCC exatamente no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté (precursor de Presidente Bernardes), onde o tratamento aos presos considerados especialmente perigosos era dos mais severos; outras facções criminosas tiveram berço nos estabelecimentos prisionais. Nunca se prendeu tanto e nem tantos presídios foram construídos. Nunca a violência de agentes do Estado matou tantos bandidos.

Com isso, e apesar disso, os índices de criminalidade ascendem sem descanso. Vez por outra, crimes bárbaros alcançam repercussão. E a imprensa, para além de seu importante papel de informar, também incentiva a velha Lei de Lynch(2).

Non nova, sed nove(3). Muitos representantes da Nação têm a reação na ponta de suas línguas: é preciso endurecer. Projetos de lei são rabiscados às pressas: ampliação da pena máxima para 40 anos; aumento da pena do homicídio qualificado; tipificação de qualificadoras para o homicídio de juízes, membros do Ministério Público, jurados e delegados (que passariam ao rol dos crimes "hediondos"); interrogatórios à distância; "regime disciplinar diferenciado" sem delimitação estrita de hipóteses e compreendendo isolamento celular de até 720 dias (dois anos!); restrições ao direito de defesa. Quais os limites de tanta imaginação (?) mórbida?

Uma vez mais, responde-se emotivamente a episódios pontuais que suscitam a comoção social. Estimula-se o sentimento de medo na população; quer-se convencer cientes da mentira dos próprios argumentos de que, desta feita, as duras medidas e mudanças legislativas tolherão eficazmente a delinqüência.

Esquece-se que o mesmo povo que hoje quer as cabeças dos culpados expostas em praça pública, também teme ser vítima do arbítrio das autoridades. Os mesmos que clamam pela redução da idade penal sabem que nunca houve uma política séria de educação e tratamento para a infância, e que não há lugar para mais gente nas prisões (construídas já em ritmo frenético).

O Brasil se depara, de novo, com uma encruzilhada. Seguir o caminho do terror, do medo, da negligência estatal, da exclusão ou, finalmente, dar-se conta de que há problemas muito graves a serem discutidos (e resolvidos) de modo menos caloroso, sendo o mais irrelevante deles encontrar um presídio para o traficante "Beira-Mar".

Dentre esses problemas, além das velhas questões sociais (educação, saúde e higiene, habitação, distribuição de renda, policiamento comunitário) que nunca receberam atenção devida do poder público, figura o fenômeno da corrupção que impede a eficiência da Administração (a Lei de Execução Penal não dispõe que os presos tenham o controle das prisões; ao contrário, institui rígida disciplina); figuram interesses financeiros e políticos com relação a tráfico de drogas e de armas; figura a criminalidade de "colarinho branco".

O caminho antiterror é o da resposta ponderada, e não "a mesma de sempre". Dentre as propostas concretas discutidas na Carta de Princípios do Movimento, destacam-se: abrir flancos para a ação comunitária (e.g. os Centros Integrados de Cidadania CICs); criar um modelo nacional unificado de dados criminais; integrar as polícias e rediscutir seu papel; preparar e reequipar o sistema penitenciário e a polícia; discutir os assuntos de segurança pública com as universidades e a mídia, de modo qualificado; reordenar o sistema de penas; ampliar a aplicação das penas restritivas de direitos; criar e ampliar a Defensoria Pública; assegurar a assistência ao egresso.

Nosso Manifesto é contra as cortinas de fumaça dos discursos políticos de segregação e de ódio. O País carece, com urgência mas sem pânico, da formulação de uma política criminal e de segurança coerente, concomitante a outras políticas públicas que eliminem o caldo social e cultural propício às arregimentações do "mundo do crime".

Para atacar o Movimento, pensando vituperar, eles designaram seus participantes de "poetas" do Direito Penal, apesar do nosso apelo pela racionalidade e censura ao sensacionalismo. Eles, romancistas do desespero humano, cujas narrações não subsistem sem o sangue e a dor, iludem ou desiludem. Se nossa "poesia" de parcos recursos não servir para enganar, mas para enfrentar a realidade e trazer esperança, é isso o que somos.

Notas

(1) Confira o Manifesto Antiterror e a Carta de Princípios do Movimento, já apoiado por 16 entidades e cerca de 300 operadores do Direito, no site do IBCCrim (www.ibccrim.org.br).

(2) Do nome do juiz norte-americano William Lynch, que permitia a morte, pela população, do condenado preso em flagrante delito.

(3) Nada de novo, mas de modo (aparentemente) novo.



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