INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 125 - Abril / 2003





 

Coordenador chefe:

Celso Eduardo Faria Coracini

Coordenadores adjuntos:

Carlos Alberto Pires Mendes, Fernanda Emy Matsuda, Fernanda Velloso Teixeira e Luis Fernando

Conselho Editorial

Editorial

Breves notas acerca do seminário internacional "persecução penal de crimes internacionais sob uma perspectiva comparada"

Maria Thereza Rocha de Assis Moura

Advogada e professora doutora de Direito Processual Penal da Fac. de Direito da USP

Realizou-se em Montevidéu, nos dias 27 e 28 de fevereiro deste ano, o Seminário Internacional "Persecución Penal Nacional de Crímenes Internacionales Desde una Perspectiva Comparada", organizado pelo Instituto Max-Planck para o Direito Penal Estrangeiro e Internacional e pela Fundação Konrad Adenauer Programa Estado de Direito para América do Sul, com o apoio da Faculdade de Direito Universidade da República (Uruguai).

Onze países da América Latina participaram do evento, a saber: Argentina, Bolívia, Brasil (representado pelo IBCCRIM), Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, México, Peru e Uruguai.

Trata-se de projeto desenvolvido pelo Instituto Max-Planck, que, segundo expôs o prof. dr. mult. h. c. Albin Eser quando da abertura do seminário, objetiva incentivar e dar impulso às reformas internas com vistas à implementação do Estatuto de Roma, que foi ratificado, até agora, por 89 países. De acordo com o contido no § 6º do preâmbulo, é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais, daí por que o Tribunal Penal Internacional só deve atuar, de acordo com o princípio da complementariedade, quando se frustrar a persecução no Estado-Parte. Isto significa que, primeiramente, deve prevalecer a jurisdição nacional, sendo a Corte subsidiária(1).

O projeto, que teve uma fase preliminar no início do ano 2002, com o intuito de delimitar os países que dele participariam, deve desenvolver-se em duas etapas: na primeira, que se findou no seminário, cada país apresentou seu informe nacional, analisando: 1) em que medida as formas de comportamento criminalizadas no Estatuto de Roma e no Direito Internacional Consuetudinário (genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra) são puníveis internamente; 2) quais são os crimes perseguidos; 3) quais são os elementos de conexão aplicáveis (princípio da territorialidade, etc.); 4) quais são as causas de justificação aplicáveis (legítima defesa, obediência devida, etc.); 5) o que dispõem as regras especiais, tais como imunidades, prescrição e competência; 6) em que medida a persecução penal interna dos crimes internacionais é efetiva; 7) em que medida o país desenvolve alguma reforma penal nacional para a implementação do Estatuto. A última etapa consistirá em análise comparativa dos informes.

Antes da exposição feita por cada país, o prof. dr. Kai Ambos, do Instituto Max-Planck e da Universidade de Göttingen, introduziu o tema "Obrigação e Modelos de Implementação do Estatuto de Roma". Como regra, o Estatuto não obriga os Estados-Partes a implementar suas disposições. A exceção vem prevista no art. 70, inc. 4.a: os crimes contra a Administração da Justiça devem ser objeto da legislação interna da cada país. O Estatuto pressupõe, porém, a colaboração dos Estados, nos moldes do estabelecido no art. 87.

A implementação do Estatuto faz-se porém necessária para que a persecução penal dos crimes internacionais se dê de maneira eficaz, daí decorrendo que cada Estado deve legislar internamente sobre a matéria.

Embora os países participantes do projeto sejam signatários de instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos, as reformas se fazem necessárias em face do princípio nullum crimen sine lege, sendo imprescindível tipificar as condutas dos crimes internacionais (genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra) e suas respectivas penas, para que a persecução penal possa ser realizada no âmbito de cada Estado-Parte.

Vários e conhecidos são os problemas a serem enfrentados, sobressaindo, dentre outros, a aplicação dos princípios da jurisdição universal, da culpabilidade, da legalidade e da certeza; prisão perpétua; extradição e entrega; imunidade, sem se falar nos acordos bilaterais firmados entre os Estados Unidos da América e o Estado-Parte, que obrigam este último a não entregar os nacionais dos EUA à Corte sem a concordância expressa daquele país(2).

Os onze países que se fizeram representar no Seminário apresentaram seus informes e deram notícias sobre a implementação do Estatuto de Roma no direito interno.

O IBCCRIM participa do projeto a partir do Convênio de Intercâmbio Científico firmado com o Instituto Max-Plank em abril de 2002, tendo apresentado no Seminário texto intitulado "A Implementação do Estatuto de Roma no Brasil", encaminhado pela então relatora do nosso informe nacional, a associada e desembargadora federal Sylvia Steiner, recentemente eleita juíza do Tribunal Penal Internacional. A base do trabalho apresentado deve-se ao dr. Tarcisio Dal Maso Jardim, consultor da Cruz Vermelha no Brasil, coordenador do grupo de trabalho do Ministério da Justiça para a implementação do Estatuto de Roma e um dos autores do informe brasileiro, que contou também com a participação, nesta fase, do dr. Gustavo Badaró, que é diretor do Departamento de Projetos Legislativos do IBCCRIM.

É interessante ressaltar que, dos países que participam do projeto, Chile e México não ratificaram o Estatuto. El Salvador sequer o subscreveu, devido à inequívoca influência exercida pelos Estados Unidos da América(3), não existindo, no momento, sequer discussão política acerca do assunto.

As propostas de implementação do Estatuto de Roma dão-se de forma diferente nos países participantes do projeto. Alguns providenciam alterações nas suas Constituições, com vistas até mesmo à ratificação (Chile, México); outros procedem alterações na legislação ordinária, isto é, Código Penal comum e militar (Bolívia, Costa Rica, Venezuela); outros procedem ou procederam modificações na Constituição e na lei ordinária (Colômbia e Peru); outros, finalmente, pretendem implementar o Estatuto através de lei especial (Argentina, Brasil e Uruguai).

No Brasil, o Grupo de Trabalho instituído pelo ministro da Justiça através da Portaria nº 1.036, de 2001, apresentou, no final do mês de outubro de 2002, anteprojeto de lei que "define o crime de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, dispõe sobre a cooperação com o Tribunal Penal Internacional e dá outras providências". O anteprojeto está dividido em sete títulos, que tratam, respectivamente: i) dos princípios gerais aplicáveis aos crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra (título I); ii) da definição de cada uma destas categorias em espécie (títulos II, III e IV); dos crimes contra a administração da justiça do Tribunal Penal Internacional (título V); da cooperação com o Tribunal Penal Internacional (título VI) e das normas processuais (título VII).

De acordo com a Exposição de Motivos do Anteprojeto, além de implementar o Estatuto de Roma, "a proposta cumpre antigas obrigações internacionais de o Estado brasileiro punir as mais graves ofensas à pessoa humana, tais como as previstas nas quatro Convenções de Genebra de 1949".

O Anteprojeto, que foi uma iniciativa do Brasil de implementar o Estatuto de forma completa, está publicado no site do Ministério da Justiça(4), para receber sugestões dos acadêmicos e de entidades da sociedade civil, nacionais e estrangeiras.

A Fundação Konrad Adenauer, que organizou o evento junto com o Instituto Max-Planck, fará publicar na íntegra, ainda este ano, os relatórios dos informes nacionais e, tendo em vista a importância do tema, o grupo de trabalho, criado informalmente e integrado por representantes dos onze países presentes ao evento, deverá provavelmente se reunir em São Paulo, Brasil, no próximo ano, para dar continuidade à discussão de temas relacionados à persecução de crimes internacionais e à implementação do Estatuto de Roma na América Latina.

Notas

(1) Cf. art. 17 do Estatuto de Roma.

(2) Discutiu-se no Seminário acerca da validade do acordo bilateral firmado entre os EUA e um Estado-parte que já tenha ratificado o Estatuto, com tal propósito. O entendimento firmado foi no sentido de que, a partir do momento em que o Estado-Parte ratifique o Estatuto, não é mais possível firmar o acordo, sem que reste violado o dever de cooperação imposto no art. 96. A invocação do art. 98 só será possível se o tratado for anterior à ratificação. Por esse motivo, a Resolução de julho de 2002, das Nações Unidas, que concede imunidade aos soldados americanos pelo prazo de um ano, deslegitima todo o sistema internacional.

(3) Que se recusam a subscrever o Estatuto de Roma, obviamente por motivos políticos.

(4) Conferir: www.mj.gov.br

Maria Thereza Rocha de Assis Moura
Advogada e professora doutora de Direito Processual Penal da Fac. de Direito da USP



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