INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 115 - Junho / 2002





 

Coordenador chefe:

André Gustavo I. Fonseca

Coordenadores adjuntos:

Andréa Cristina D'Angelo, Carlos Alberto Pires Mendes, Celso Eduardo Faria Coracini, Daniela

Conselho Editorial

Editorial

As Alegações Finais do Ministério Público e a Garantia de Ampla Defesa

Antonio Fernando Scheibel Padula

Juiz de Direito

<b>Ementa</b>

"Alegações finais da acusação, quando estereotipadas, destituídas de indicação dos fundamentos jurídicos e sem vinculação com o caso examinado, ofendem o devido processo legal, não permitem o exercício da ampla defesa e acarretam a extinção do processo por não concorrer pressuposto de seu desenvolvimento válido. Aplicação analógica do artigo 267, IV, do CPC combinado com o artigo 3º do CPP, e do artigo 129, VIII, combinado com o artigo 5o , LIV e LV, ambos da Constituição Federal."

Sentença

(Processo nº 781/2000 da Vara Criminal, da Infância e da Juventude da Comarca de Rio Claro-SP) (...)

Fundamentação

Trata-se de furto qualificado por rompimento de obstáculo, imputado a W.L.S.N.

Apesar de instruído, o feito não comporta o julgamento do mérito.

Vejamos.

O sétimo promotor de Justiça da Comarca, a título de alegações finais, apresentou peça estereotipada, de modo que, tirantes o nome do acusado e o dispositivo legal, dado como infringido, a manifestação caberia, indistintamente, em qualquer processo de ação penal pública.

Pelo despacho de fls. 94, fundamentadamente, o processo foi anulado, porque, equivalendo à falta de alegações, o ato praticado acarretava nulidade absoluta, violadora de garantias constitucionais.

Da anulação parcial do processo, o dr. promotor não recorreu (CPP, art. 581, XIII) e, com vista dos autos, para apresentar alegações finais que atendessem aos comandos legais, reiterou as anuladas (fls. 95).

O digníssimo procurador-geral de Justiça, a quem foram os autos, por aplicação analógica do art. 28 do CPP, enfatizando a independência funcional da instituição, aduziu, em síntese, que os membros do Ministério Público, como agentes políticos, órgãos independentes do Estado, não podem receber ordens a respeito do modo e da intensidade de agir. Arrematou dizendo que se a posição adotada pelo magistrado fosse aceita, o processo poderia ser anulado porque o promotor de Justiça não fez reperguntas na audiência, ou pediu a absolvição ou não recorreu. Entendeu, alfim, de não designar substituto, para sanar a nulidade declarada em decisão irrecorrida (fls. 106/15).

Em resposta, afirma-se, de plano - para efetiva demonstração passo a passo - que representantes do Ministério Público indicaram os fundamentos jurídicos das suas manifestações processuais, posto na Constituição (art. 129, VIII), aplica-se às alegações finais como parte integrante do devido processo legal (art. 5º, LIV e LV). A falta das alegações - a que se equipara a apresentação de estereotipadas - além de implicar violação de dever funcional, sujeita a sanções disciplinares, caracteriza à luz dos preceitos constitucionais vigentes, nulidade absoluta, cuja declaração compete ao Poder Judiciário, em puro exercício do monopólio da jurisdição, sem afronta à independência dos integrantes do.

E como decorrência da demonstração que segue, alternativa não haverá: o feito, na situação nele descortinada, comporta, única e exclusivamente, sentença terminativa da instância, sem exame do mérito da lide penal.

I. A importância das alegações finais e o seu enfoque sob o prisma o dever funcional puro

Toda a atuação processual das partes, no processo em geral e no penal em particular, segundo doutrina de escol, encontram o ápice nas alegações finais:

"É nesse 'momento argumentativo', com efeito, que os interessados na decisão, criticando as provas, extraindo de seu contexto os fatos sobre os quais constróem suas versões e, sobretudo, buscando demonstrar o direito aplicável à hipótese, exercem com plenitude o poder de influir positivamente sobre o convencimento do juiz, colaborando, assim, no exercício da jurisdição.

Na ótica das garantias constitucionais do processo, trata-se, portanto, de fase decisiva para a aferição da efetividade do contraditório, pois para essa oportunidade derradeira convergem todas as atividades desenvolvidas pela acusação e pela defesa durante o iter procedimental, com vistas à prolação de uma decisão que leve em conta as respectivas razões" (Grinover, Ada Pellegrini et all, in, "As Nulidades no Processo Penal", SP: Malheiros Editores, 1994, pp. 156/7).

Bem de ver, então, que o "Manual de Atuação Funcional dos Promotores de Justiça do Estado de São Paulo" (Ato Nº 168/98 - PGJ-CGMP), editado com fundamento na Lei Complementar nº 734/93, ao tratar dos debates e das alegações finais, traçou, dentre outras, a diretriz de que incumbe ao promotor de Justiça "analisar a prova colhida e os fundamentos de fato e de direito nos quais fundar a sua convicção" (art. 58, IV).

Basta, então, a leitura da peça de fls. 90/1, para perceber que em nada foi obedecido esse comando institucional.

A normação atinente à matéria, entretanto, não se esgota no referido manual. Ao contrário, ele é que se inspira em comandos superiores, insculpidos na Constituição da República.

II. A independência funcional dos integrantes o Ministério Público e o controle urisdicional do devido processo legal

Venia concessa, a análise feita na Procuradoria-Geral de Justiça desviou-se do tema tratado no despacho que reconheceu a nulidade processual.

De um lado, a assertiva de que, se aceita a tese do juiz - firmada em decisão irrecorrida, lembre-se - os processos poderiam ser anulados por falta de reperguntas da acusação, parece formulada ad terrorem; comparecer às audiências, uma vez intimada e reperguntar são ônus da parte, que não encontram assento na Constituição como garantia de efetivo contraditório.

De outro, a independência funcional do Ministério Público não foi colocada em cheque pela decisão judicial. Houve, nela, mero exercício do poder de tutela processual, inerente à jurisdição e garantidora do devido processo legal, sem a entrevista ingerência na liberdade funcional do promotor de Justiça.

A evolução histórica do Ministério Público exibe a luta constante pela independência funcional da instituição, para livrá-la do arbítrio ou das arbitrariedades do Poder Executivo, onde originariamente inserida.

A Constituição da República atual (arts. 127 e 129) consagrou essa independência e concedeu ao Parquet poderes imensos, para o exercício de suas funções institucionais.

Porém, hodiernamente, se mostra inconcebível que se atribua a um órgão do Estado, seja ele qual for, poderes ilimitados.

Justamente por isso, a mesma Constituição declarou, como diretriz fundamental, que a atuação do Ministério Público há de estar voltada para a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, impondo aos membros da instituição, apesar da independência e para evitar a consagração do arbítrio, o dever de indicar os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (art. 129, inciso VIII).

Claro está, então, que o promotor de Justiça não pode ser compelido a denunciar ou a requerer o arquivamento, nem a pedir a condenação ou a absolvição do réu, menos ainda a recorrer ou deixar de recorrer. Porém, em todas essas situações - exceto a última, em que inexiste intervenção expressa - por dever funcional assentado na Lei Maior, há de analisar a prova dos autos e declinar os fatos (fundamentos jurídicos) que o levam a se pronunciar neste ou naquele sentido.

Da óbvia inexistência de hierarquia entre o juiz e o promotor de justiça, não decorre que inexista controle jurisdicional do processo, a cargo do magistrado.

Efetivamente, se a Constituição da República (art. 129, inciso I) baniu o sistema inquisitivo de administração da justiça, repartindo, entre órgãos diversos, as funções de acusar e de julgar, justamente em razão dessa nítida e inconfundível separação de funções, estabelecida pela Lei Magna, ficou reservado ao Poder Judiciário, com exclusividade, o poder de tutela jurídica-processual de direitos públicos subjetivos.

Agora, como efetivar a garantia constitucional da proteção judiciária, insculpida no art. 5º, número XXXV, da Lei Maior, pela qual não se excluirá do Poder Judiciário o exame de qualquer lesão ou ameaça a direito, se o promotor de Justiça ficar autorizado a dizer somente: fulano violou o art. x da lei y, motivo pelo qual faço-lhe tal proposta? Ou se, ao cabo da ação penal, puder pedir a condenação, dizendo somente que "a autoria e a materialidade estão comprovadas, pelo que disseram vítimas e testemunhas, enquanto a defesa não fez prova capaz de desalicerçar a proemial"?

Por que a Constituição da República definiria o Ministério Público como instituição permanente, essencial à Justiça e à função jurisdicional do Estado, se a seus membros fosse franqueada uma atuação processual simbólica?

Bem de ver, ainda nesse passo, que no mesmo Título IV, dedicado à organização dos Poderes do Estado, depois do capítulo III, destinado ao Judiciário, a Constituição Federal, no mesmo capítulo IV, referente às "Funções Essenciais à Justiça", tratou como tais, lado a lado, do Ministério Público (Seção I), da Advocacia Pública (Seção II) e da Advocacia e da Defensoria Pública (Seção III).

Com base em que supremacia, não emanada de nenhum comando de magnitude constitucional, se poderá admitir o desequilíbrio entre acusação e defesa, permitindo ao acusador dispensar-se de, na sua atuação processual, integrar o contraditório efetivo, com a apresentação de alegações estereotipadas, enquanto não se admite a inépcia ou mesmo a deficiência da defesa, quando despida de aptidão para influenciar o convencimento do julgador?

No panorama descrito, não pode haver dúvida: as alegações finais acusatórias, quando estereotipadas, vergastam o devido processo legal.

Efetivamente, como instrumentos de concretização da garantia do devido processo legal (art. 5º, LIV), a Lei Maior assegura o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV), ordenando, ainda, que os representantes do Ministério Público têm o dever constitucional (Constituição da República, art. 129, inciso VIII) de dar "os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais". Obedientes a esse comando, iguais determinações constam da legislação infraconstitucional, que tratou da prestigiosa instituição (Lei Federal 8625/94, art. 43, III e Lei Complementar 734/93 art. 169, IV).

Nesse quadro, o processo penal não pode ser visto apenas como instrumento de aplicação do jus puniendi; emerge - e até com maior vigor - como instituto de liberdade jurídica do cidadão.

Benedito Roberto Garcia Pozzer, em sua obra "Correlação entre Acusação e Sentença" (in IBCCRIM, SP, 2001, pp. 51/2), ao tratar do tema "A acusação durante a persecução penal", salientou: "A acusação, perfeita e completa, constitui direito do acusado e integra o devido processo penal".

Por isso - acrescentou - "cada etapa da persecução penal deve ser precedida de um instrumento de exposição da acusação".

Só desse modo se pode ensejar o contraditório e permitir que brote o exercício da defesa.

Na ensinança de Joaquim Canuto Mendes de Almeida, "À primeira nota processual do contraditório, podemos identificá-la na ciência que a cada litigante deve ser dada, dos atos praticados pelo contendor. Estimulado pela notícia desses atos é que, conhecendo-os, o interessado em contrariá-los pode efetivar essa contrariedade. Quando os ignore, é flagrante a impossibilidade de contrariá-los a tempo de lhes tolher os efeitos" (in "Princípios Fundamentais do Processo Penal", SP: RT, 1973, pp. 79/80).

Ensinam, ainda, os doutos que o contraditório precisa ser efetivo e equilibrado; não basta mera observância formal da garantia, que precisa fazer-se substancial.

Deflui desses princípios que a acusação, em todas as suas fases, deve ser explícita!

Entre parênteses, anote-se que, já no âmbito do inquérito, a Portaria nº 18/98 do delegado geral de polícia exige que o indiciamento (art. 5º) e a nota de culpa (art. 7º, § 3º) contenham fundamentação jurídica, explicitando a acusação.

A se permitir acusação oculta - inclusive sob a fórmula de que a defesa não produziu prova hábil a desalicerçar a denúncia - as garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa não se concretizariam.

Em suma, se as alegações finais do Ministério Público constituem fase da acusação e integram o devido processo legal, ante o mandamento constitucional, que caracteriza como dever funcional dos representantes do Parquet, a indicação dos fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais, não podem elas vir de forma simbólica, despidas de conteúdo e sem vinculação com o caso examinado.

Como é cediço, não se confundem as expressões: fundamento jurídico, exprimindo a narração dos fatos em que se arrima a pretensão, com fundamento legal, traduzindo o artigo de lei em que se subsumem os fatos narrados.

A propósito do assunto, já decidiu o Egrégio Tribunal de Alçada Criminal:

"..., o processo é nulo.

Não se concebe que num Estado-de-Direito a douta Promotoria de Justiça se limite a pedir a condenação da ré, nos termos do pedido inicial, ante as provas produzidas.

Afrontou as garantias constitucionais de ampla defesa, regulada, também, pela lei processual penal.

Ocultou da defesa e do magistrado as razões do seu pedido condenatório, deixando de analisar as provas em que se fundou para tão grave objetivo.

A instrução, em seu sentido amplo, abrange não somente a produção das provas mas, também, essencialmente, as alegações finais das partes" (in RT 596/360, rel. o juiz Fernandes Braga, apud Grinover, Ada Pellegrini et all, "As Nulidades no Processo Penal", SP: Malheiros Editores, 1994, p. 158).

"Processo crime - Nulidade - Alegações finais - Falta - Promotor de justiça que, a esse título, limita-se a pedir a condenação do réu, sem maiores especificações - Proceder inadmissível no Estado-de-Direito - Apelação provida - Inteligência do art. 500 do CPP.

As alegações das partes são fundamentais no processo. Faltando as da acusação, a sociedade estará indefesa. Sem as da defensoria, indefesos estarão os réus, e, em qualquer das hipóteses, nulo estará o processo" (RT 604/384).

Esses V. Arestos, editados nos idos de 1985, ganharam atualidade máxima, em face das garantias constitucionais vigentes.

Voltando à lição de Ada Pellegrini Grinover et all: "No sistema do Código de Processo Penal, a omissão das alegações finais não é expressamente mencionada como causa de nulidade do processo; somente a falta de concessão do prazo respectivo (art. 564, III, 'e', parte final) e a ausência da acusação e da defesa na sessão de julgamento pelo Júri (art. 564, III, 'l') caracterizariam nulidade absoluta.

Todavia, o melhor entendimento do texto legal, em consonância com os princípios constitucionais, leva à conclusão segura de que a falta de alegações traduz ofensa irreparável às garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, importando, por isso, nulidade absoluta, a partir da oportunidade em que deveriam ter sido apresentadas" (in, "As Nulidades no Processo Penal", SP: Malheiros Editores, 1994, pp. 156/7).

E assim deve ser, porque, como ensinou Alberto Silva Franco, citando escólio de Luigi Ferrajoli,"... a interpretação judicial da lei é também sempre um juízo sobre a própria lei, relativamente à qual o juiz tem o dever e a responsabilidade de escolher somente os significados válidos, ou seja, compatíveis com as normas constitucionais substanciais e com os direitos fundamentais por elas estabelecidos" ("O Juiz e o Modelo Garantista", in Boletim IBCCRIM nº 56-julho/97, p. 2).

Esses escólios aplicam-se ao caso dos autos, para concluir que à luz da Constituição Federal, as alegações finais do Ministério Público, em ação penal pública, constituem fase essencial do devido processo legal e não podem vir estereotipadas. Ao requerer a condenação do réu, o representante do Parquet haverá de demonstrar a certeza processual da acusação, indicando os elementos de convicção demonstrativos do fato imputado, da autoria e da culpabilidade do agente, sob pena de nulidade absoluta, a partir desse momento processual.

III. A solução do impasse: extinção do rocesso sem julgamento do mérito, or não concorrer pressuposto e seu desenvolvimento válido

Proclamado o defeito, suso apontado, quid iuris, se, como no caso, o promotor de Justiça se recusa a apresentar manifestação hígida, que obedeça aos mandamentos constitucionais e o digno procurador-geral de Justiça entende não ser caso de nomeação de substituto, fazendo persistir a nulidade?

Quando a eiva provém da defesa, o juiz resolve a questão substituindo o defensor dativo ou, se constituído, nomeando advogado ad hoc.

A mesma solução não pode ser tomada em relação ao promotor de justiça, pois a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei Federal nº 8.625/93, art. 25, § único) e a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo (Lei Complementar nº 734/93, art. 103, § 1º), vedam o exercício das funções do Ministério Público por pessoas a ele estranhas, sob pena de nulidade do ato.

Em tal situação, aflora a inadmissibilidade do julgamento de mérito, porque, pressuposto do seu deslinde, é o concurso de processo hígido.

Com efeito, tratando dos pressupostos de validez ou de desenvolvimento regular do processo, Afrânio Silva Jardim (in "Direito Processual Penal", 6ª ed., RJ: Forense, ), subdividiu-os em subjetivos e objetivos, incluindo, nesta categoria, os extrínsecos (inexistência de fatos impeditivos, v.g., coisa julgada, litispendência etc.) e os intrínsecos; quanto a estes, ensinou, "referem-se à subordinação do procedimento às normas legais" (p. 55). Na verdade, segundo a sua lição, a condição para o regular desenvolvimento da relação processual penal nada mais é do que "a vaidade dos vários atos que a integram", concluindo que ela se traduz na "inexistência de decisão invalidante de algum ato do processo" (fls. 56).

Corolário desse raciocínio é a necessidade de renovação, secundum legis, do ato processual - e dos subseqüentes - cuja eficácia viu-se desconstituída pela decisão invalidante.

Ora, sem essa renovação, o processo não poderá fluir e ter como estuário o normal julgamento da lide penal subjacente.

Num Estado que se pretende Democrático de Direito, há de haver concreta garantia da liberdade individual, pela efetiva submissão do Poder Público à ordem jurídica constituída. Nela, o poder-dever de punir está processualizado, vale dizer, a pretensão punitiva do Estado, necessariamente, submete-se ao crivo do contraditório processual. Por sua vez, o campo de atuação do Estado-juiz fica balizado pelo princípio da legalidade, tudo levando à inarredável conclusão de que, sem o cumprimento do devido processo legal, inviável a solução da lide penal, mediante entrega de prestação jurisdicional de mérito.

E o que se viu no caso vertente?

Anulado o processo, a partir das alegações finais do Ministério Público, inexistiu recurso (CPP, art. 581, XIII); o manto da coisa julgada formal ou da preclusão cobriu a decisão invalidante.

Não obstante, afrontando as garantias constitucionais, o promotor de Justiça, chamado a dar manifestação hígida, reiterou o ato anulado.

O sr. procurador-geral de Justiça entendeu de não designar substituto.

Jungido ao princípio da legalidade, o juiz não pode nomear promotor ad hoc.

Pelo mesmo princípio, o juiz também não pode impor pena, ao arrepio da garantia constitucional do devido processo legal.

Cumpre, então, declarar a inadmissibilidade do julgamento da lide penal e pôr fim à instância, por não concorrer pressuposto de desenvolvimento válido do processo, declarando-o extinto, sem exame do mérito, com aplicação analógica do previsto na legislação processual civil (CPC, art. 267, IV).

Traçando os lindes da sentença absolutória e da extinção da instância, escreveu o festejado José Frederico Marques:

"Instaurada a relação processual, em virtude da propositura de ação penal condenatória, pode o acusado livrar-se de condenação, ou por inadmissibilidade de julgamento da pretensão punitiva, ou por ser esta improcedente. Entendem alguns processualistas que, em ambas as hipóteses, o pronunciamento jurisdicional que exime o réu de sofrer uma decisão condenatória, deve ser qualificado como sentença de absolvição. Não nos parece certa tal opinião, notadamente em face do nosso direito positivo. Sentença absolutória é aquela que incide sobre a acusação, para declará-la improcedente. A decisão que julga inadmissível um pronunciamento sobre o mérito da acusação tem caráter processual e não se confunde, portanto, com a sentença absolutória, onde há ato decisório sobre a pretensão punitiva, ou seja sobre o próprio meritum causae (omissis). Quando a decisão subtrai o réu de condenação, por declarar inadmissível o julgamento da acusação, pode haver absolutio ab instantia, nunca, porém, sentença absolutória de mérito, visto que, em tal caso, a decisão jurisdicional apenas o desliga dos ônus, deveres e obrigações que lhe são impostos em virtude de se encontrar vinculado à instância ou relação processual" (in "Elementos de Direito Processual Penal", vol. III, Rio: Forense, 1962, pp. 35/6).

A aplicação analógica de norma processual civil não é estranha ao direito processual penal. Exemplo dela está na invocação do art. 296 e §§ do CPC, para reconhecer o direito do denunciado responder o recurso interposto da decisão que rejeita a inicial da ação penal.

Em reforço da solução aplicada, consigne-se que ela preserva, enquanto não extinta a punibilidade, o ingresso de nova ação, na qual, escoimado o procedimento da mácula aqui declarada, se alcance decisão de mérito, atendendo ao interesse da sociedade quanto à punição do autor de fato típico, antijurídico e culpável.

Dispositivo

Isto posto, na medida em que recusada pelo Ministério Público a observância do devido processo legal, como estabelecido pela Constituição da República (art. 129, VIII, combinado com o art. 5º, LIV e LV), não concorre pressuposto do desenvolvimento válido do processo, motivo pelo qual, nos termos do art. 267, IV, do Código de Processo Civil, combinado com o art. 3º do Código de Processo Penal, por sentença, sem julgamento do mérito, declaro extinto o processo em que W.L.S.N. se vê acusado de violar o art. 155, § 4º, inciso I, do Código Penal.

P.R.I.C.

Rio Claro, 15 de maio de 2002

<i>Antonio Fernando Scheibel Padula</i>
<br>Juiz de Direito



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