INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 112 - Março / 2002





 

Coordenador chefe:

Janaina C. Paschoal

Coordenadores adjuntos:

Andréa Cristina D'Angelo, Carlos Alberto Pires Mendes, Celso Eduardo Faria Coracini, Daniela

Conselho Editorial

Editorial

2º Fórum Social Mundial - Participação do IBCCRIM na Oficina da Ajuris: "Justiça Para Todos? Democracia e Acesso ao Judiciário"

Eneida G. de Macedo Haddad e Luci Gati Pietrocolla

Diretoras do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais/IBCCRIM.

O IBCCRIM participou de diferentes eventos ocorridos no 2º Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, de 31 de janeiro a 5 de fevereiro. Um deles foi a oficina organizada pela Ajuris denominada: "Justiça para todos? Democracia e Acesso ao Judiciário" que contou com a colaboração de muitas entidades, para a abordagem da questão da democratização do acesso à justiça pública estatal, a partir de uma análise de conjuntura multi e interdisciplinar.

O texto abaixo foi proposto pelo Núcleo de Pesquisa do IBCCRIM.

I- Posição Oficial do IBCCRIM sobre o tema: "Justiça para todos? Democracia e Acesso ao Judiciário"

O IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - é uma entidade não governamental, sem fins lucrativos, fundada em 14 de outubro de 1992 graças aos esforços de associados e colaboradores. É uma instituição de referência nacional para os operadores do direito, especialmente àqueles comprometidos com a defesa dos direitos humanos e do Estado Constitucional Democrático de Direito.

A fim de concretizar seus objetivos, o IBCCRIM, numa atuação multidisciplinar, busca conhecer a realidade brasileira através da produção científica desenvolvida por seu Núcleo de Estudos e Pesquisas.

O Núcleo tem se debruçado fundamentalmente sobre questões ligadas à distribuição da justiça aos segmentos mais desfavorecidos da sociedade brasileira: idosos, crianças e adolescentes em conflito com a lei, populações residentes na periferia dos centros urbanos, dentre outros.

O IBCCRIM entende que o Estado brasileiro, conivente com a ordem neoliberal, não apreende a dimensão mais ampla do conceito de justiça, isto é, sua visão fragmentada da realidade materializa-se nas políticas públicas implementadas. Dito de outra forma, o ideário que fundamenta os projetos de intervenção do Estado brasileiro desconsidera a forma como o capital vem se reproduzindo internacionalmente.

II- Diagnóstico de alguns problemas referentes à área temática, a partir de estudos realizados e experiências vividas

1 - Nem todos os operadores da Justiça são devidamente informados e comprometidos com os direitos das crianças e adolescentes, garantidos pelo Estatuto da Criança e Adolescente/ ECA, do que resultam medidas arbitrárias e continuação dos ranços advindos da ditadura militar, como, por exemplo, a violência no interior da Febem. Ao invés de medidas sócio-educativas, repressão e privação de liberdade continuam sendo a marca do pretenso combate à denominada delinqüência juvenil.

2 - Ainda no caso da justiça voltada aos adolescentes em conflito com a lei, a centralidade da figura do juiz favorece um exercício tradicional de justiça, contribuindo para perpetuar a ambigüidade entre duas visões de mundo presentes no âmbito da aplicação da justiça: aquela que compreende a infração como produção social, preconizando medidas sócio-educativas e a que aponta a punição como solução aos problemas decorrentes da transgressão das normas legais.

3 - A centralização das quatro varas da infância e da juventude no espaço do Fórum da Rua Piratininga, no Brás, na cidade de São Paulo, apesar de ter contribuído para o reconhecimento da existência de uma justiça específica para jovens em conflito com a lei e ter favorecido o debate, a reflexão e as trocas de opinião e leitura, dificultou o acesso à justiça para jovens residentes em localidades distantes do Fórum. Essa experiência também reforça a crítica elaborada por parte de alguns operadores da justiça no que tange ao profundo distanciamento dos juízes da realidade sócio-cultural.

4 - Mal aparelhadas, mal localizadas e insalubres, as instituições voltadas para o atendimento de crianças e adolescentes em conflito com a lei, idosos atingidos por abusos e maus-tratos, populações residentes na periferia dos grandes centros urbanos, carentes de justiça e segurança, não contam com pessoal especializado, são insuficientes numericamente, não atendendo a demanda.

5 - O excesso de burocracia, o abismo que separa todo o aparato judiciário das necessidades reais da população no que se refere à resolução de conflitos vividos no cotidiano, a resistência à aplicação de penas alternativas são expressão da precariedade do acesso à Justiça na sociedade brasileira.

6 - Explorada com fins lucrativos e objetivos políticos, a violência é banalizada pelos meios de comunicação de massa, insensibilizando o espectador para o sofrimento alheio, criando um clima de insegurança coletiva, incentivando a criminalidade.

7 - Se a existência de projetos pioneiros (Juizados itinerantes, Juizados Especiais Estaduais e Federais, Justiça volante e Juizados fluviais, dentre outros) expressa, de um lado, o reconhecimento por parte do poder público da necessidade de garantir o acesso à Justiça a toda a população, revela também que o Estado, no feixe de contradições em que está mergulhado, conivente com a política neoliberal, só poderia propor mesmo uma Justiça para os pobres diferente da Justiça para os ricos. Esses projetos ratificam, assim, a ação do Estado como reprodutor da profunda desigualdade social existente na sociedade brasileira.

III - Algumas propostas para os problemas diagnosticados

1 - Lutar por uma nova utopia voltada para a constituição de uma sociedade comprometida com o humano.

2 - Desenvolver novas formas de sociabilidade, de sorte que o coletivo oriente as ações cotidianas, respeitando as diferenças e as individualidades.

3 - Criar, a curto prazo, formas alternativas de mediação de conflitos como prevenção da violência e criminalidade.

4 - Rever o conteúdo programático das disciplinas dos cursos de Direito, a fim de dotar os futuros operadores jurídicos de capacidade crítica e criativa e de conhecimento das particularidades sócio-culturais da sociedade brasileira.

5 - Inverter o conceito de acesso à Justiça, de sorte a levar a Justiça ao povo e não o povo à Justiça.

6 - Implantar imediatamente o ECA, criando e aparelhando as instituições que garantam seu funcionamento.

Eneida G. de Macedo Haddad e Luci Gati Pietrocolla

Diretoras do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais/IBCCRIM.



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