Janaina C. Paschoal
Carlos Alberto Pires Mendes, Celeste Leite dos Santos Pereira Gomes, Celso Eduardo Faria Cora
"La certeza perseguida por el derecho penal máximo está en que ningun culpable resulte impune, a costa de la incertidumbre de que también algún inocente pueda ser castigado. La certeza perseguida por el derecho penal mínimo está, al contrario, en que ningún inocente sea castigado, a costa de la incertidumbre de que también algún culpable pueda resultar impune"
A Teoria do Garantismo Penal, professada pelo jus-filósofo italiano Luigi Ferrajoli, é, como se anota no prólogo de sua obra-mor, "Diritto e ragione" (traduzido para o espanhol - "Derecho y Razón", Ed. Trotta) fruto "de una larga e apasionada reflexión nutrida de estudios filosóficos e históricos sobre los ideales morales que inspiran o deberian ispirar el derecho de las naciones civilizadas", e tem como objetivo principal construir um modelo ideal, possível apenas por aproximação, em que se assegurem mecanismos de proteção da liberdade humana frente ao eventual exercício arbitrário do poder pelo Estado.
Logo no início de seu tratado, Ferrajoli contrapõe ao modelo garantista os modelos autoritários, em que prevalece uma visão substancialista do desvio penalmente relevante, e de onde nasce um direito penal voltado mais para a punição do delinqüente, "de cuya maldad o anti-socialidad el delito es visto como una manifestación contingente", do que propriamente para a definição de condutas penalmente ilícitas e suas respectivas sanções. A história mostra que nesses modelos antigarantistas o princípio da estrita legalidade é posto de lado, já que a ênfase é punir nem tanto pelo que se fez, mas sobretudo pelo que se é.
A oposição entre garantismo e autoritarismo corresponde à alternativa entre duas epistemologias judiciais distintas: "entre cognoscitivismo y decisionismo, entre comprobación y valoración, entre prueba e inquisición, entre razón y voluntad, entre verdad y potestad".
Um dos grandes perigos dos modelos substancialistas de Direito Penal é o de que, em nome de uma fundamentação metajurídica (predominantemente de cunho moral ou social), se permita um incontrolado subjetivismo judicial na determinação em concreto do desvio punível. Daí porque a verdade a que aspira esse modelo é a chamada "verdade substancial ou material", ou seja, uma verdade absoluta, carente de limites, não sujeita a regras procedimentais e infensa a ponderações axiológicas, o que, portanto, degenera em julgamentos privados de legitimidade, face à ausência de apoio ético no modo-de-ser do processo.
Em uma visão garantista, ao reverso, busca-se uma verdade processual onde a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo sujeita-se a regras precisas, que assegurem às partes um maior controle sobre a atividade jurisdicional.
É inevitável que, diante de tais limitações, o conteúdo informativo de um processo criminal pautado pelo modelo garantista seja inferior ao reproduzido em um modelo autoritário. A busca incondicional e absoluta da verdade real é, então, colocada em crise, porquanto: a) o objeto do juízo se adstringe ao conteúdo da narrativa acusatória; b) a verdade alcançada deve estar corroborada por provas colhidas mediante regras e procedimentos normativamente pré-estabelecidos; c) trata-se sempre de uma verdade somente provável e d) diante da dúvida ou na falta da prova dos fatos sobre os quais assenta a acusação, prevalece a presunção de não culpabilidade. Eis o preço que se paga por um modelo em que importam não apenas os fins da jurisdição penal mas em que também se confere atenção aos meios para se atingi-los.
De outra parte, um dos maiores problemas da atividade jurisdicional na busca da verdade dos fatos que lhe são submetidos a julgamento reside na impossibilidade de ser alcançada uma verdade certa, objetiva e absoluta, sendo mais razoável afirmar que dela podemos apenas nos aproximar, tanto através de processos indutivos (verdade fática) quanto dedutivos (verdade jurídica).
No tocante à matéria de fato, é inalcançável a verdade absoluta e total, não somente porque nem tudo o que está no mundo fenomênico está retratado nos autos, mas também porque o juiz não é testemunha ocular dos fatos, sendo a eles conduzido a partir dos "signos de lo pasado" aportados por documentos, declarações, informes etc. No que pertine à matéria de direito, a verdade também não é absoluta na medida em que as premissas sobre as quais se funda o raciocínio jurídico vez por outra são incertas (como o "perigo de vida", as incapacidades para as "ocupações habituais" ou, acrescentaríamos nós, o "pequeno valor"), como também vagas e problemáticas (como o motivo "fútil", ou a mulher "honesta").
Não é só isso. Além do caráter probabilístico da verdade fática e da incerteza da verdade jurídica, há de considerar-se, na visão de Ferrajoli, o subjetivismo do conhecimento judicial como fator determinante da relatividade da idéia de verdade processual. Isso porque o juiz encontra-se sempre condicionado ao meio ambiente em que atua, aos seus sentimentos pessoais, às suas inclinações e emoções, ao seu meio social e cultural e aos seus valores ético-políticos, fatores que lhe retiram a neutralidade para julgar (que não se identifica com a sua imparcialidade, esta sim indispensável para a legitimidade da jurisdição), a qual muitos, ingenuamente, acreditam ser atributo inerente à Magistratura.
À subjetividade judicial deve-se somar também a subjetividade das fontes de provas, as quais, em sua produção judicial através das perícias, testemunhos, interrogatórios, etc., perdem sua fidelidade, notadamente nos sistemas processuais não regidos pela oralidade, onde a transcrição dos argumentos e declarações orais não traduz com exatidão o conhecimento direto ou indireto da fonte de prova.
Por fim, há um quarto fator de limitação da verdade, relativa aos limites da prova: Conquanto se adote, nos ordenamentos atuais, o princípio da livre investigação da prova, o juiz vincula-se a regras que encontram justificativa em razões de cunho epistemológico ou processual (número máximo de testemunhas, prazos preclusivos, etc.) ou político (proibição de provas ilícitas), bem como a princípios de política criminal (in dubio pro reo, presunção de inocência, imutabilidade da coisa julgada).
Essas limitações tornam, decerto, mais onerosa a tarefa do Estado em oferecer um Direito Penal que responda, com maior eficiência, aos anseios punitivos da maioria da população. No entanto, o direito penal não se legitima pela vontade da maioria, como anota Ferrajoli, mas pela tradição pós-iluminista sedimentada nas cartas políticas dos povos modernos e nos documentos de regência transnacional.
Cabe ao garantismo penal a tarefa de propor regras de aplicação das leis de forma tal a reduzir ao máximo a possibilidade do erro e do arbítrio. O seu grande desafio, portanto, é elaborar essas regras e técnicas no plano teórico, fazê-las vinculantes no plano normativo e assegurar sua efetividade no plano prático.
Rogerio Schietti Machado Cruz
Promotor de Justiça do DF, mestrando em Processo Penal na USP e professor de Direito Processual Penal na Escola Superior do MPDFT.
IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040