INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 131 - Outubro / 2003





 

Coordenador chefe:

Celso Eduardo Faria Coracini

Coordenadores adjuntos:

Carlos Alberto Pires Mendes, Fernanda Emy Matsuda, Fernanda Velloso Teixeira e Luis Fernando

Conselho Editorial

Editorial

A Independência dos Juízes

Em janeiro de 2002, nosso Boletim IBCCrim n° 110 publicou um editorial com o título "A Inamovibilidade e o Juiz Natural". Naquela oportunidade, falávamos da existência de cargos de juízes de direito auxiliares em São Paulo e em outros Estados brasileiros, cujos ocupantes eram precariamente designados para o exercício das atividades jurisdicionais em algumas Varas, delas porém podendo ser retirados por atos singelos, opacos e até imotivados das Presidências dos Tribunais de Justiça. Dizíamos também de nossa preocupação institucional com a existência e com o alastramento de certos departamentos jurisdicionais em São Paulo, cujos juízes também são designados ou afastados com a mesma informalidade e falta de transparência, com clara afronta aos mandamentos constitucionais da inamovibilidade e do juiz natural (CF/88, arts. 93, VIII e 95, II). Já então o IBCCrim frisava que o problema não era do acerto ou do desacerto dessas designações, mas sim da própria fórmula que se alastrava perigosamente sob pretextos precários, esboçando substituir claríssimas garantias constitucionais por votos pessoais de confiança, em franco prejuízo político para todos os jurisdicionados.

Infelizmente, em setembro de 2003 mais um novo episódio veio frisar a gravidade dessa equivocada fórmula. Na 1a Vara do Tribunal do Júri da Capital de São Paulo, noticia-se que um juiz de direito auxiliar foi sumariamente afastado para uma outra Vara da cidade, e tudo no exato instante em que judicava em dado inquérito policial de interesse de certo parlamentar. Noticia-se, igualmente, que esse afastamento teria sido providenciado por intervenções de partes no processo e de outras autoridades políticas, e tudo de forma que aquele feito, em específico, passasse, como de fato passou, às mãos de outro magistrado. Trata-se de notícias certamente graves e inquietantes, fundamentando preocupações que extrapolam o âmbito restrito de um simples caso judiciário.

De fato, e independentemente do mérito dessas notícias — cujo debate tem seu foro adequado —, o certo é que o IBCCrim acredita que esse episódio novamente acentua, ao lado de tantos outros que se repetem pelo País, a estrita necessidade de imediata observância, pela magistratura brasileira, daqueles postulados constitucionais por si próprios carregados de suficiente clareza. Não se trata apenas de fixar um juiz em sua comarca — como insustentavelmente apontam alguns —, posto que a inamovibilidade e o juiz natural são mandamentos que existem não em favor dos juízes, mas sim única e exclusivamente como garantia dos próprios jurisdicionados. Logo, traduzem regras que asseguram a real independência do juiz dentro do processo, e não a mera situação do juiz em dado espaço geográfico, eis que é preciso assegurá-lo em face de intromissões e pressões inconfessáveis de outros grupos ou segmentos do poder.

Quando a sociedade brasileira dispõe-se a redefinir as estruturas constitucionais do Judiciário, o momento não é apenas de reflexões e reclamos corporativos, mas também, e sobretudo, de exemplos e de bons exemplos. Já foi dito que a real independência judicial, mais que uma simples regra guardada nos livros e empoeirada nas prateleiras, constitui primeiramente uma qualidade da vida do próprio juiz e algo que verdadeiramente o vocaciona para o exercício da função que o povo lhe confiou.

No instante em que os próprios tribunais admitem afastamentos sumários de juízes, ou criam departamentos e mais departamentos jurisdicionais supridos por juízes de sua confiança ocasional, ou ainda não colocam Varas em concurso interno de promoção por anos a fio, são eles que primeiramente estão denunciando a necessidade de um debate pluralista, democrático, regrado e transparente de sua atividade administrativa. Essas práticas certamente enriquecem a sadia convicção de que não seria esse debate, a partir de instituições arejadas, que retiraria do Judiciário sua independência. Quem realmente pode fazê-lo — quem infelizmente o faz — são os próprios juízes quando promovem ou simplesmente calam-se diante de normas e episódios interna corporis que infringem estritos postulados constitucionais, cuja lucidez é eloqüente por si própria, e ainda que o façam a pretexto dessa ou daquela circunstância.

Depara-se a sociedade brasileira, nesse instante histórico das reformas estruturais do Poder Judiciário, com a inadiável necessidade de comprometê-lo como sentinela diuturna do Estado Democrático de Direito, aproximando-o da conflituosa realidade social contemporânea e predispondo-o, em última análise, para atuar em serviço de seu povo. Necessário, portanto, vencer preconceitos e derrubar estruturas envelhecidas e já pretéritas, forjadas nas mais escuras noites da história brasileira, quando ameaças substituíam os argumentos, quando o silêncio vencia a crítica e quando o mando simplesmente calava o diálogo. É imprescindível que se exija, de vez por todas, inequívoco respeito aos princípios que asseguram e garantem a jurisdição. Necessário que o Judiciário aproxime-se substancialmente da sociedade brasileira, não podendo mais substituir com uma distância pretensamente casta, seu dever inadiável de assegurar e praticar a autêntica independência dos juízes.



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