INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 103 - Junho / 2001





 

Coordenador chefe:

Janaina C. Paschoal

Coordenadores adjuntos:

Carlos Alberto Pires Mendes, Celeste Leite dos Santos Pereira Gomes, Celso Eduardo Faria Cora

Conselho Editorial

Editorial

A indevida exigência da cópia da procuração dos advogados do agravante e do agravado para o processo penal

Antonio Scarance Fernandes e Mariângela Lopes Neistein

Advogado criminalista em São Paulo, professor de Processo Penal da USP e procurador de Justiça aposentado;Advogada criminalista em São Paulo

Da decisão denegatória de recebimento dos recursos especial e extraordinário, proferida pelos Presidentes dos Tribunais Estaduais, é cabível o recurso de agravo previsto no art. 544, do Código de Processo Civil, aplicável analogicamente ao Código de Processo Penal.

No referido dispositivo, exige-se a juntada de diversas peças, sob pena de não conhecimento do recurso. Uma das exigências é a juntada da "cópia das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado". Contudo, não se consegue entender possível a atuação dessa regra ao processo criminal, como, reiteradamente, vem entendendo o Superior Tribunal de Justiça. Uma coisa é exigir, em regra, que o agravo contra decisão que nega seguimento a recurso especial ou extraordinário venha instruído com as peças essenciais ao seu conhecimento, incumbindo-se o próprio agravante de ser vigilante na formação do instrumento. Outra, contudo, e bem diversa é exigir, para os processos criminais, providência que só poderia ter algum sentido na legislação processual civil. O Código de Processo Civil serve, de maneira subsidiária, para suprir omissões da legislação processual penal, mas não se pode aceitar que aquele seja aplicado sem qualquer consideração sobre a sua adequação aos princípios próprios e característicos do processo penal.

Em regra, nos agravos indeferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, inexistia dúvida a respeito de quem era o defensor. Ora, não permitir aos acusados acesso a um meio recursal que lhes é oferecido pelo fato de não ter sido juntada cópia da procuração de seu advogado, quando esse advogado é certo, ou seja, quando inexiste dúvida quanto a ser ele o defensor, é negar aos acusados o direito à ampla defesa e ao justo processo, em clara ofensa à Constituição Federal, esquecendo-se, ainda, dos princípios gerais que regem os recursos do Código de Processo Penal.

Representa excessivo apego ao formalismo em detrimento do próprio direito, o que é inadmissível.

Bem salientam Grinover, Magalhães e Scarance:

"Todo o processo desenvolve-se através da prática seqüencial e ordenada de atos processuais, rumo à solução final e definitiva da controvérsia. Os recursos também devem ser interpostos segundo a forma legal, sob pena de não serem conhecidos. A regularidade formal da interposição é pressuposto processual para o conhecimento do recurso, tanto quanto a correta formulação do pedido é pressuposto para o conhecimento deste. Todavia, o princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual estas não podem sufocar as finalidades do processo, visto cada vez mais em seu caráter de instrumento posto a serviço do direito material, impõe que a regularidade formal seja entendida com o possível elastério e sem rigorismos. E isso vem sublinhado no que diz especificamente com os recursos, pelos quais fica resguardado o princípio maior do duplo grau e do controle das decisões judiciárias" ("Recursos no Processo Penal", 2ª ed., Revista dos Tribunais, p. 96).

Se, até mesmo quanto a processos de natureza civil, há divergência sobre a necessidade de juntada de cópia de procuração, como consta do acórdão abaixo selecionado, com maior razão no processo penal.

"Recurso - Agravo de instrumento - Falta de procuração ao advogado do agravante - Irrelevância - Inteligência do art. 523 do Código de Processo Civil de 1973.

(...)

É irrelevante que o instrumento de agravo não traslade a procuração outorgada ao advogado do agravante, se não é negada a existência de tal procuração" (RT 490/102).

Outros pontos mostram ser insustentável a exigência para o processo penal.

Em regra, o Ministério Público é uma das partes, agravante ou agravado, e ninguém afirmaria que há necessidade de juntada de procuração desse órgão.

Assim como não se exige procuração do Ministério Público, também não se a exige do advogado, ainda que constituído, bastando para atuar na defesa do acusado que este, no interrogatório, a ele se refira. É o que dispõe o Código de Processo Penal, art. 266:

"A constituição de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório".

Além de a simples indicação do advogado no interrogatório ser suficiente para que se considere constituído o defensor, os defensores dativos não são constituídos por meio de procuração. O mesmo sucede com os defensores públicos ou procuradores da assistência judiciária. Como, nestes casos citados, poderiam os causídicos interpor agravo de instrumento se sequer existe uma procuração nos autos?

Mais ainda. É entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Colendo Superior Tribunal de Justiça que o advogado pode apelar, ainda que não o deseje o acusado. A prevalecer o entendimento da decisão agravada, não poderia, contudo, esse advogado interpor recurso especial ainda quando o tribunal de segundo grau houvesse proferido julgamento em total contrariedade, por exemplo, com súmula do Superior Tribunal de Justiça. Não estaria ele munido de procuração, tanto que agia, no interesse da justiça, em desacordo com o próprio acusado.

Estes argumentos ainda mais são reforçados pelo disposto sob o Título II, "Dos recursos em geral", art. 577, do Código de Processo Penal:

"O recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público, ou pelo querelante, ou pelo réu, seu procurador ou seu defensor."

Conforme ensina a doutrina, o alcance desta norma é amplo. Prelecionam Grinover, Magalhães e Scarance: "com relação especificamente aos recursos penais, deve-se observar que o art. 577 do CPP outorga ao réu legitimação concorrente e autônoma aos recursos, independentemente da intervenção do advogado. Mais do que isso, vale como interposição qualquer manifestação de vontade de recorrer, sobretudo se tratando de sentença condenatória" ("Recursos no Processo Penal", 2ª ed., Revista dos Tribunais, p. 94). Admitem, até mesmo, para recurso especial a possibilidade de interposição direta pelo próprio acusado (p. 283).

Como justificar o não conhecimento de um recurso pela ausência de cópia de procuração se o próprio Código de Processo Penal dispensa a atuação do causídico para a interposição de recurso, dotando o próprio acusado de capacidade para recorrer?

Assim, a exigência de cópia das procurações de agravante e agravado para o processo penal não pode ser aceita, devendo o assunto receber tratamento diferente daquele dispensado ao Código de Processo Civil.

Antonio Scarance Fernandes

Advogado criminalista em São Paulo, professor de Processo Penal da USP e procurador de Justiça aposentado.

Mariângela Lopes Neistein

Advogada criminalista em São Paulo



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