Janaina C. Paschoal
Carlos Alberto Pires Mendes, Celeste Leite dos Santos Pereira Gomes, Celso Eduardo Faria Cora
A cultura social do esquecimento e a política pública histórica do descaso colheram recentemente seus mais nefastos frutos. Os lamentáveis fatos ocorridos em diversos estabelecimentos penitenciários no Estado e divulgados, à exaustão, pelos meios de comunicação — em alguns casos, de forma bizarra e sensacionalista — são um reflexo dos erros históricos no trato da questão. Tardiamente, reconheceu-se que os muros construídos não podem conduzir à uma postura social pautada pelo esquecimento. Afinal de contas, encarceramos seres humanos e sepultamos mortos. Eventualmente podem estes ser esquecidos. Aqueles jamais!
Não se procurará defender — por óbvio — atos de selvageria e de violência encenados por alguns que, sob o manto de uma pseudo-ordem procuram, na verdade, subvertê-la e estabelecer os contornos de organização criminosa "intra-muros". Tal postura seria, além de inaceitável, irresponsável. O que se pretende, na verdade, é o fim da renitente cultura social do descaso sobre a qual se inspirou, por conveniência, durante muitos anos, a omissão estatal.
Ora, é mais do que sabido que o objetivo da sanção penal é, também, o da ressocialização do cidadão. É enfadonho tratar do óbvio. Deprimente é constatar a necessidade de retomar o assunto para alguns que, a despeito de uma formação técnica, demonstram absoluta desqualificação quando tratam do assunto. Não há outra alternativa entretanto. O bombardeio intermitente a que a sociedade é submetida por parte de certos meios de comunicação não concede alternativas a não ser a assunção do risco de provocarmos bocejos e sonolência aos mais conscientes.
Não há soluções mirabolantes e imediatas para o problema carcerário. Não serão novas leis resultantes de momentâneos desesperos emocionais que modificarão o cenário se os autores continuarem predispostos a encenar o vetusto roteiro. A questão é, e sempre foi, multicausal, devendo como tal ser considerada. Nesse sentido, um dos primeiros passos é a definitiva conscientização social de que esquecimento e ressocialização são elementos naturalmente incompossíveis.
A execução penal deve ser assumida, de uma vez por todas, como a última etapa de um longo processo de persecução penal a cargo exclusivo do Estado. A punição não se presta, apenas, como conseqüência imposta àquele que desrespeita o ordenamento jurídico por todos aceito. Visa, igualmente, a restabelecer valor ou valores perdidos — ou jamais obtidos — por aquele oficialmente rotulado e definitivamente apontado como criminoso. Infelizmente, não se conseguirá tal meta com lições diárias de descumprimento da Constituição da República.
A construção maciça de estabelecimentos penitenciários de menor porte tem o mérito de recompor um déficit histórico, abrindo caminho para que sejam concretizados ditames básicos até então perdidos no mundo da ficção jurídica, a saber: o fim — há muito almejado — do cumprimento de penas privativas de liberdade em celas de distritos policiais; a diminuição da superlotação carcerária mudando o cenário medievo reinante; a possibilidade de melhor administração das penitenciárias separando os condenados de acordo com a personalidade, periculosidade e espécies de crimes cometidos e a possibilidade de melhor aproveitamento da atividade laborativa, propiciando aos condenados o aprendizado de trabalho economicamente viável. Aplausos.
Inúmeras outras vantagens poderiam ser aqui citadas. Mas a questão é outra e não se esgota nesta equação. O Estado não pode nem deve ser exclusivamente reativo. Há de ser, sobretudo, preventivo. Ou seja, um Estado que persegue constantemente o prejuízo sela a sua incompetência nas opções — ou omissões — historicamente efetuadas. A crise de autoridade — mais uma vez a todos impingida — pelos dantescos acontecimentos ocorridos nas últimas semanas era, convenhamos, desnecessária. E os efeitos nefastos permanecem ilustrados na radicalização dos discursos, na perda do bom senso e no enfraquecimento da noção natural do que é certo e errado.
Nesse campo, um trabalho preventivo deve estar pautado por uma premissa fundamental — o pleonasmo, anoto, é proposital. O Estado tem que reconhecer sua dúplice atividade: cumprir ele próprio a lei e exigir, assim, que todos a obedeçam. Exigir que todos cumpram a lei sem também respeitá-la é comportamento, no mínimo, antidemocrático. Dar o exemplo é ainda a melhor forma de se obter e exigir respeito.
Outro fator crucial é o definitivo reconhecimento de que qualquer restrição de direitos decorrente da prática de crimes somente pode ser estabelecida em sentença após regular processo. A privação da liberdade e a restrição de outros direitos, como efeitos diretos ou indiretos da condenação, não podem ser extrapolados diuturnamente. O Estado-executor deve atuar nos estritos limites fixados pelo Estado-juiz.
Ora, o condenado está obrigado a cumprir a pena privativa de liberdade na forma e nos termos estabelecidos em lei. Deve ter disciplina. Não se questiona. Deve dar mostras de aptidão para o retorno ao convívio social do qual foi segregado. Não se duvida. Todavia, não pode ser compelido a contrair tuberculose ou sarna, tampouco ser vítima de tortura, extorsão, corrupção ou ameaça. Por outro lado, a sentença não atinge seus parentes que não precisam ser submetidos à humilhação absurda de permanecerem desnudados perante estranhos. Seguramente há formas mais modernas de revista, não sendo a solução única a adoção de métodos mais apropriados para campos de concentração.
Valores se perdem e valores são (re)construídos. Há que se ter coerência e bom senso na obtenção de justiça e ordem. Afinal, uma árvore com frutos saudáveis depende apenas de razão e de uma boa dose de tempo.
Marcos Alexandre Coelho Zilli
Juiz e mestrando em Processo penal pela Universidade de São Paulo e mestrando em Direito Comparado pela Samford University de Alabama (EUA).
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