INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 92 - Julho / 2000





 

Coordenador chefe:

Berenice Maria Giannella

Coordenadores adjuntos:

Conselho Editorial

Editorial

A questão carcerária em números[1]

Parte fundamental da problemática da segurança e da violência é o funcionamento do sistema de Justiça. No Estado de São Paulo, sucessivas análises de dados apontam uma série de afunilamentos que prejudicam a distribuição da Justiça. Um dos aspectos desse afunilamento é a situação carcerária, sobre a qual faremos algumas observações.

No Estado de São Paulo, ao final de setembro de 1999, havia 82.585 presos em penitenciárias, cadeias públicas e xadrezes de distritos policiais. Isso representa um crescimento de 12,18% em relação a dezembro de 1998. Comparando os percentuais de crescimento da população carcerária, nota-se que o encarceramento cresceu acima da média no período de 1998 e 1999.

Observa-se ainda o crescimento contínuo da população carcerária na Segunda metade dos anos 90: de 1994 a 1999 houve um crescimento de 50,1% de encarcerados (neste mesmo período a população paulista cresceu 8.29%).

O pico de 12,2% atingido no final da década pode estar associado, de um lado, ao aumento das prisões efetuadas pela polícia e, de outro, à criação de vagas carcerárias. No último ano foram construídos 21 novos estabelecimentos prisionais, criando-se 17.000 vagas. Entretanto, a abertura das vagas não acompanhou o crescimento da população detida.

De janeiro a setembro de 1999 foram efetuadas 87.317 prisões pela Polícia Civil e Militar (note-se que esse número é superior ao total da população carcerária - 82.585 presos). Na hipótese em que todas as pessoas presas pela polícia tivessem permanecido na prisão, a população carcerária teria praticamente dobrado, num intervalo de dez meses. O que provavelmente não ocorreu, ou porque não se conseguiu provar no curso das investigações a autoria do delito, ou a prisão foi indevida, ou ocorreram fugas, ou ainda presos saíram do sistema por terem cumprido sua pena. Assim, observa-se que a ação das polícias no sentido do encarceramento responde muito mais a uma demanda difusa da sociedade por maior rigor punitivo do que a um aumento real dos índices de criminalidade.

Em relação ao mesmo período de 1998 houve um crescimento de 12,8% do número de prisões efetuadas pelas polícias, o que significa que o sistema penitenciário apenas absorveu tal crescimento: as novas vagas criadas não serviram para diminuir a superpopulação nos presídios, não resolvendo a demanda por vagas acumuladas em anos anteriores.

A superpopulação dos presídios mantém-se a despeito dos esforços na criação de novas vagas. Ao longo da década de 90, a população carcerária em penitenciárias cresceu, mas, devido à criação  de novas vagas, a superpopulação manteve-se praticamente estável. Nas cadeias públicas a superlotação foi reduzida nos dois últimos anos, uma vez que a população não aumentou e novas vagas foram disponibilizadas. Já nos xadrezes de distritos policiais verifica-se um profundo agravamento da situação profissional: no ano de 1998 constatou-se a existência de 7 presos para cada vaga (aumento de 28% em relação a 1997), refletindo diretamente o crescimento do número de prisões efetuadas.

Os dados sobre a população prisional em regime semi-aberto demonstram uma defasagem de vagas em relação àquelas do regime fechado, contrariando o dispositivo da Lei de Execuções Penais (Lei n° 7.210, de julho de 1984) que preconiza a progressão de regime no cumprimento das penas. Essa lei determina que, tendo cumprido 1/6 da pena em regime fechado  e apresentado bom comportamento, o apenado tem direito à progressão para o regime semi-aberto e, na seqüência, para o regime aberto. As 6.578 vagas em regime semi-aberto não são suficientes para garantir a possibilidade dessa progressão, elevando a superpopulação carcerária. Além disso, vagas de regime semi-aberto são demandadas por pessoas que já iniciam o cumprimento de sua pena nessa regime.

Os dados sobre o sistema penitenciário são indicativos da existência de pontos críticos no funcionamento do sistema de justiça penal, como a dificuldade em manter um fluxo contínuo de pessoas no sistema carcerário. A exigüidade de vagas para o regime semi-aberto e a dificuldade de manter programas em meio aberto inviabilizam a progressão da pena prevista na lei. Dois tipos de distorções resultam dessa situação: ou alguns indivíduos permanecem presos no regime fechado quando deveriam estar no semi-aberto, ou alguns são postos em liberdade sem completar o ciclo da progressão. Essa falha na operacionalidade do sistema aparece ao senso comum como impunidade, e ao mesmo tempo entrava o fluxo de presos.

As pesquisas de vitimização demonstram que, em relação a vários delitos, apenas uma pequena parte dos eventos criminalizáveis ocorridos é efetivamente comunicada e se torna objeto e investigação de responsabilidades. Um dos fatos apontados pela população para a não comunicação é a pouca confiança nos serviços de segurança e justiça. As pessoas declaram que não procuram a polícia pois perdem muito tempo em ir às delegacias, esperar o atendimento, lavrar o boletim de ocorrência, e ainda não têm garantia de que o autor seja identificado e os danos sejam ressarcidos.

Diante de todos os eventos ilícitos que ocorrem cotidianamente o Estado de São Paulo, somando-se os notificados e as cifras negras, fica claro que o sistema penitenciário não pode absorver todas as pessoas que cometem infrações à lei, desde as mais brandas até as de grave poder ofensivo.

Nota

[1] Este texto é uma parte reproduzido de uma publicação da Fundação Seade, para a qual o IBCCRIM prestou consultoria.



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