Como é de sabença geral, a Lei nº 5.010/66, que, dentre outras providências, organizou a Justiça Federal de primeira instância, ao estabelecer a competência do Conselho de Justiça Federal, funcionando então junto ao extinto Tribunal Federal de Recursos, instituiu a correição parcial, nos moldes daquela prevista na legislação estadual paulista (Tourinho Filho, Fernando da Costa, "Processo Penal", 4º volume, 19a ed., São Paulo, Saraiva, 1997, pp. 457/462), ou no art. 61 do Código de Organização Judiciária do Estado do Rio de Janeiro, sob o nomen juris de reclamação, por exemplo.
É bem verdade que, mais tarde, a Lei nº 8.472/92, ao dispor sobre a composição e competência do Conselho da Justiça Federal, já agora a funcionar junto ao Superior Tribunal de Justiça, não explicitou, dentre os demais casos do seu art. 5º, tal "recurso" sui generis, de natureza administrativa, daí entenderem alguns poucos que inexiste correição parcial na Justiça Federal.
Ocorre que, quando da composição inicial dos Tribunais Regionais Federais, a Lei nº 7.727/89 estatuiu, no seu art. 11, que o Conselho da Justiça Federal elaboraria anteprojeto de lei dispondo sobre a organização da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, e estabelecendo, no parágrafo único desse mesmo artigo 11, que, até a promulgação da lei prevista no caput, seriam aplicáveis as disposições da Lei nº 5.010/66.
Tanto assim é, que Theotônio Negrão, na mais recente edição de seu monumental "Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor", 30ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999, comenta, na pág. 1.766:
"Art. 11: 1. Por força deste § ún., passaram à competência dos Tribunais Regionais Federais, com as devidas adaptações, os seguintes dispositivos da Lei 5.010, de 30.5.66 (no tít. Justiça Federal):
'Art. 6º Ao Conselho da Justiça Federal compete:
I (Redação dada pelo Dec. Lei nº 253, de 28.2.67) — Conhecer de correição parcial requerida pela parte ou pela Procuradoria da República no prazo de cinco dias, contra ato ou despacho do juiz de que não caiba recurso, ou omissão que importe erro de ofício ou abuso de poder."
Portanto, na falta da promulgação daquele verdadeiro Código de Organização e Divisão Judiciária Federal, como podemos chamar o anteprojeto de lei de elaboração cometida ao Conselho da Justiça Federal pelo art. 11 da Lei nº 7.727/89, subsiste a correição parcial, hodiernamente na competência dos Tribunais Regionais.
Por esse motivo é que a Lei nº 8.472/92 não incluiu a correição parcial entre os feitos adstritos à competência do Conselho da Justiça Federal, não extinguindo, por conseguinte, o instrumento administrativo de correição, porque em tal diploma se regulou, apenas, a competência do Conselho e não a de toda a Justiça Federal, de primeira e segunda instâncias, como o art. 11 da Lei nº 7.727/89 quer que seja feito.
Ficou assentada tão-somente a nova competência do mencionado Conselho, cessando, nos casos ali expressos, a dos Tribunais Regionais, que até então a exerciam, por força do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 7.727/89.
Como o julgamento da correição parcial não passou para a competência do conselho, resta intocada a dos Tribunais Regionais para dela conhecerem, enquanto não promulgada lei oriunda de anteprojeto a ser elaborado pelo Conselho da Justiça Federal, que organize globalmente os dois graus de jurisdição da Justiça Federal.
Nesse sentido, o mesmo doutrinador já citado em edição anterior (26ª) da mesma obra, em nota ao pé da página 1.029, é enfático ao dizer que, até mesmo na ausência da reprodução do dispositivo sobre correição parcial no art. 5º da Lei nº 8.472/92 (que trata da competência do Conselho da Justiça Federal), ela ainda sobrevive. In verbis:
"(...) foi suprimida a correição parcial na Justiça Federal? (...) Entendemos que não foi suprimida e que é competente para julgá-la o TRF hierarquicamente superior ao juiz que proferiu a decisão impugnada."
Da mesma forma, é despiciendo que parte da doutrina e jurisprudência afirme a inexistência de recurso contra despacho que determina sejam riscadas expressões tidas por injuriosas, pois a irrecorribilidade está no campo do Direito Processual, onde, realmente, não há previsão de recurso contra tais atos.
Contudo, é exatamente neste ponto que está a aplicabilidade da correição parcial, prevista na forma do inc. I do art. 6º da Lei nº 5.010/66, para os atos de que não caiba recurso (aqui utilizado o termo stricto sensu), o que evidencia sua natureza de instrumento correcional administrativo, despido das características de recurso, com definição emprestada à Teoria Geral do Processo.
Luís Guilherme Vieira e Amilcar Siqueira
Advogados no Rio de Janeiro.
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