INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 87 - Fevereiro / 2000





 

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Editorial

A Lei nº 8.974/95 e a discutível proteção penal do patrimônio genético

Gisele Mendes de Carvalho

Quartanista de Direito da Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM)

O desenvolvimento das novas tecnologias conferiram ao homem um poder cada vez maior sobre o meio ambiente e as condições de vida no planeta. No campo da Genética, os avanços são ainda mais vertiginosos, vez que é dado agora ao ser humano modificar sua própria espécie. Nesse sentido, e perante a possibilidade de que sejam vulnerados valores fundamentais da coletividade, assumem o Direito e a Ética papel preponderante, como disciplinas elaboradoras de critérios norteadores para toda a sociedade(1). Destarte, são questionáveis, do ponto de vista ético, condutas que tenham por fim a utilização de seres humanos como objeto de experimentos, principalmente embriões e fetos, porque as modificações efetuadas sobre o patrimônio genético destes afetarão toda a sua descendência, pondo em risco a própria identidade e variabilidade genética da humanidade.

Frente ao choque de valores fundamentais como a liberdade de pesquisa e a preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético do País, ambos garantidos constitucionalmente, faz-se mister encontrar um ponto de equilíbrio entre essas duas posições antagônicas, e tal ponto reside num dos princípios estruturadores do Estado de Direito Democrático e Social: a dignidade da pessoa humana. Nenhuma liberdade de investigação científica pode ser aceita se implica o emprego de técnicas e métodos que lesem ou ponham em perigo a dignidade que é assegurada pela Carta Magna a toda pessoa humana no seu percurso vital (art.1º, III, CF)(2).

Mas como a tutela da dignidade da pessoa humana não pode ficar adstrita à consciência de cada pesquisador, faz-se necessária a intervenção do Direito Penal, por entender-se que os sistemas jurídicos extrapenais revelaram-se insuficientes na proteção de bens jurídicos ameaçados pela biotecnologia. Nessa trilha, a Lei nº 8.974/95, que veio a regulamentar o art.225, §1º, II e V da Constituição Federal, trouxe a lume em nosso ordenamento jurídico a inédita criminalização de algumas técnicas de engenharia genética, entendida esta como a atividade de manipulação de moléculas de DNA/RNA recombinante (art. 3º, V). Não obstante a vantagem de figurar como pioneira sobre o tema na América Latina, a lei incorreu em sucessivas falhas que a impedem de se apresentar como instrumento ideal para a tutela de tão relevante bem jurídico, qual seja a integridade e a diversidade do patrimônio genético do País.

De pronto, verifica-se que o legislador, na redação do art. 13 do referido diploma legal, desprezou as regras elementares de construção de tipos penais, fazendo uso de meros enunciados de denominações jurídicas, ao invés de descrições de condutas delitivas. Abandonada a técnica tradicional de construção de figuras típicas, criminaliza-se tão-somente a atividade violadora do bem jurídico, e não a conduta humana que a realiza(3). Exemplo evidente de imperfeição técnica é o traslado das qualificadoras do art.129 do CP à intervenção em material genético humano in vivo (inc. II), porquanto impossível se conceber como tais resultados poderiam advir da conduta criminalizada(4). Saliente-se, ainda, a manifesta desproporção das penas estabelecidas pela lei, que comina à produção culposa do resultado morte pena equivalente à prevista para o homicídio doloso no Código Penal.

Ademais disso, não há preocupação em delimitar os sujeitos e objetos da conduta enunciada ou as circunstâncias do crime, implicando as imprecisões legislativas e as absurdas previsões legais em flagrante desprezo da relevância da ingerência penal no campo da engenharia genética. Nesse sentido, doutrina e jurisprudência têm insistentemente apontado o referido dispositivo como manifesto exemplo de violação do princípio da legalidade.

Notas

(1) Martínez, Stella Maris, "Manipulação Genética e Direito Penal", São Paulo, IBCCRIM, 1997, p. 14.

(2) Cf. Franco, Alberto Silva, "Genética Humana e Direito", Revista de Bioética, Brasília, Conselho Federal de Medicina, vol. 4, nº 1, p. 23.

(3) Rocha, Fernando Galvão da; Varella, Marcelo Dias, "Tutela Penal do Patrimônio Genético", RT 741/471.

(4) Prado, Luiz Regis, "Crimes Contra o Ambiente", São Paulo, RT, 1998, p. 221.

Gisele Mendes de Carvalho

Quartanista de Direito da Universidade Estadual de Maringá/PR (UEM)



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