INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 81 - Agosto / 1999





 

Coordenador chefe:

Berenice Maria Giannella

Coordenadores adjuntos:

Conselho Editorial

Editorial

A proposta de federalização dos crimes contra os Direitos Humanos

Luiza Cristina Fonseca Frischeisen e Mário Luiz Bonsaglia

Procuradores regionais da República em São Paulo

O Brasil é atualmente signatário de inúmeras convenções internacionais que versam sobre a defesa dos direitos humanos, em sua maioria ratificadas pelo País após a entrada em vigor da CF de 1988. Além disso, recentemente, por meio do Decreto Legislativo nº 89/98, publicado no DO de 04.12.98, passou a reconher a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos para julgamento de violações aos direitos humanos ocorridas em nosso País, que tenham permanecido impunes, cujas decisões obrigarão o Estado brasileiro.

Outra não poderia ser a atitude de nossa República, cuja Constituição estabeleceu que suas relações internacionais regem-se, dentre outros princípios, pelo da prevalência dos direitos humanos, prevendo, ainda, que o Brasil propugnaria pela formação de um tribunal internacional de direitos humanos.

Certo é que compete à União Federal manter relações com Estados estrangeiros, participar de organizações internacionais e comprometer a República com tratados e convenções internacionais, respondendo perante demais signatários pelo eventual descumprimento daqueles.

Estando nosso País organizado sob a forma de federação, com distribuição de competências constitucionais entre os diversos entes federados, tem-se que a Constituição estabelece em seu art. 109 a competência da Justiça Federal.

Nessa competência alinham-se os crimes contra bens, serviços ou interesses da União, as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro, ou organismo internacional, e os crimes previstos em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.

Visando melhor explicitar o interesse da União Federal relativamente aos crimes em detrimento dos direitos humanos, os quais, no plano internacional, o Brasil se compromete a combater, em virtude dos tratados internacionais dos quais é signatário, o governo federal, nos termos de proposta inserida no Plano Nacional dos Direitos Humanos, encaminhou ao Congresso Nacional, em maio de 1996, proposta de emenda constitucional nos seguintes termos:

"Art. 109: aos juízes federais compete processar e julgar:

XII - os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob tutela de órgão federal de proteção de direitos humanos;

XIII - as causas civis ou criminais nas quais órgão federal de proteção dos direitos humanos ou o procurador-geral da República manifeste interesse".

Nos debates que se seguiram na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, essa proposta restou rejeitada, tendo sido acolhido o entendimento de que feria o princípio do juiz natural assegurado no art. 5º, incs. XXXVII e LIII, da Carta Magna.

Em face das objeções, aprovou-se substitutivo com a finalidade de fixar genericamente a competência da Justiça Federal para as causas civis e criminais, na forma de lei a ser futuramente editada.

Entretanto, essa não pareceu ser a melhor solução, porque meramente procrastinatória do debate quanto às hipóteses em que concretamente será verificada a competência federal, pelo que, em decorrência de deliberação ocorrida no XV Congresso Nacional do Ministério Público Federal, foi constituído um grupo de procuradores da República, que em conjunto com procuradores do Estado de São Paulo, do Grupo de Trabalho em Direitos Humanos (que já vinha se debruçando sobre a matéria, a pedido do secretário dos Direitos Humanos do governo federal), e, ainda, com a participação de representante da AJUFE/AJUFESP, elaborou proposta objetivando inserir no art. 109 da Constituição Federal dispositivos discriminando objetivamente quais os crimes contra os direitos humanos que passarão a ser julgados pela Justiça Federal.

Na proposta ora apresentada, além das hipóteses que já se encontram determinadas no novo inciso (de número XII), a ser acrescentado ao art. 109 da CF, pelo qual serão  processados e julgados na Justiça Federal os crimes de tortura; homicídio qualificado praticado por agente policial de quaisquer dos entes federados, no exercício de suas funções; delitos praticados contra as comunidades indígenas ou seus integrantes; homicídio doloso, quando motivado por preconceito de origem, raça, sexo, opção sexual, cor, religião, opinião política, idade, ou quando decorrente de conflitos fundiários de natureza coletiva; e crimes relativos ao uso, intermediação e exploração de trabalho escravo em quaisquer das formas previstas em tratados internacionais.

Prevê-se também o acréscimo de dois novos parágrafos ao mesmo art. 109, quais sejam, § 5º, estabelecendo que a Justiça Federal será igualmente competente para as ações cíveis decorrentes dos crimes versados no inc. XII proposto, possibilitando-se assim, coerentemente, que as ações de caráter indenizatório sejam igualmente conhecidas pela Justiça Federal; e § 6º, autorizando o Congresso Nacional a estabelecer por meio de lei ordinária, futuramente, se assim revelar-se conveniente (v.g., em face de novas convenções internacionais que venham a ser celebradas pelo Brasil), outras hipóteses de crimes contra os direitos humanos.

Outrossim, de modo a conferir a necessária e desejável agilidade à Justiça Federal no processamento das ações penais e cíveis relativas às hipóteses elencadas de violação de direitos humanos, prevê-se (art. 2º da proposta substitutiva em tela, dispositivo este de natureza transitória) a determinação de criação, em todas as Seções Judiciárias Federais, no prazo de doze meses da entrada em vigor da Emenda Constitucional proposta, de Varas especializadas no julgamento dessas causas. Quanto ao Ministério Público Federal, ao qual incumbirá a persecução penal, saliente-se que, de modo a melhor aparelhá-lo para o exercício de suas funções em geral, já tramita no Congresso Nacional projeto de lei (PL nº 2.785/97) prevendo a criação de 304 novos cargos de procurador da República.

Por último, o art. 3º da proposta dispõe que as novas regras de competência somente valerão para os crimes praticados a partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional, com o que homenageia-se o princípio constitucional do juiz natural, além de propiciar-se uma melhor e mais eficiente adaptação da Justiça Federal a essa nova competência.

A proposta foi entregue ao secretário dos Direitos Humanos no início de fevereiro último, que a acolheu com entusiasmo. Acredita-se que, se houver efetivo empenho do governo federal (em coerência com o citado Plano Nacional de Direitos Humanos) e de sua maioria parlamentar, será plenamente viável a alteração constitucional proposta, inaugurando-se uma nova era na proteção dos direitos humanos em nosso País.

Luiza Cristina Fonseca Frischeisen e Mário Luiz Bonsaglia

Procuradores regionais da República em São Paulo.



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