Luigi Barbieri Ferrarini
Ana Maria Lumi Kamimura Murata, Bernardo Pinhón Becthlufft, Daiane Ayumi Kassada, Danilo Dias
Autora: Luciana Costa Fernandes
Introdução
Trinta anos depois da Constituição e quatorze da Emenda 45, cujos debates alinharam seus atuais contornos institucionais, a magistratura no Brasil aparece para a sociedade como equilibrista, a qual, como na composição de João Bosco e Aldir Blanc,(1) “sabe(m) que o show tem que continuar”. Mostrando-se como apaziguadora das possíveis tensões entre o Legislativo e o Executivo e as demandas por ordem vigentes, vem corporificando o exercício de uma força, travestida de neutralidade, que tem reverberado especialmente a onda conservadora e punitivista vigente.
Para além dos debates já mais assentados no meio jurídico da chamada “judicialização da política”,(2) o presente ano em especial parece trazer novos matizes à separação de poderes, especialmente no que se refere à função do Judiciário. Se os estreitos contornos já cambaleavam gabinetes afora, na área criminal, a ocupação de um cargo executivo por um exonerado juiz criminal e o exercício de sua competência legislativa parecem símbolo do que se passa. Na corda bamba entre o autoritarismo neoliberal e as garantias constitucionais, o juiz-ministro Sergio Moro parece marcar o equilíbrio tendencioso do atual governo em medidas como o Pacote Anticrime, que alimenta o punitivismo às custas de bases até então assentadas da legalidade, lesividade, individualização da pena, direito penal do fato e separação de poderes.
O conjunto, em si, ecoa as fissuras democráticas experimentadas pela história recente brasileira e é nesse lugar que são especialmente sinuosas as modificações que conferem ainda mais poderes a magistrados(as) para atribuição de direitos que, em momentos outros, já se disse deverem ser ao máximo taxativos. No limite, a crítica vale para as diversas fases em que o texto se utiliza de expressões imprecisas, com maleabilidade para serem completadas de forma discricionária pelas pessoas que julgam.(3) Não obstante, quando as garantias se referem à fixação de regime, convocam-se debates particulares.
Diante do fenômeno global do “encarceramento em massa”,(4) a ampliação de casos em que se torna possível a fixação do regime fechado alinha-se à empreitada neoliberal que tem enriquecido os cofres das agências que lucram com o medo e com os aparatos de segurança pública. Essas são as tensões latentes na forma como se apresentaram as alterações nos artigos 33, § 5º, e 59, § único, do Código Penal e artigo 2º, § 6º, da Lei 8.072/90. Assim, utilizando-se de revisão bibliográfica, a intenção do presente trabalho é de discutir os referidos dispositivos a partir de uma leitura que percebe como nodais os princípios/regras com sede constitucional na área criminal e como fundamentais as suas interpretações criminológicas. O esforço será de situar a medida em um contexto de hipertrofia do judiciário que, em termos de política criminal brasileira, alinha-se ao racismo ínsito ao sistema penal, que faz dos presídios senzalas neoliberais.
Inchaço do Judiciário no Brasil: caminhos para novas atuações
Em um contexto generoso no elenco de direitos tuteláveis e comprometido com a ampliação do acesso à justiça, após a Constituição de 1988, o recurso ao Judiciário passou a se tornar cada vez mais corrente para demandas que antes estavam centralizadas nas arenas legislativa e executiva (ENGELMANN, 2015, p. 397). Uma vez dotados da capacidade de decifrar as mais diferentes situações na linguagem do Direito, já que as emergentes possibilidades de tutela passaram a espalhar-se legislação afora e a demandar cada vez mais autonomia de interpretação, juízes(as), então, passaram a assumir, desde a redemocratização, protagonismo bastante singular.
Essa centralidade do papel dos julgadores motivou o questionamento dos desenhos institucionais do Judiciário, que negociava no cotidiano das decisões a ampliação dos espaços legítimos de atuação e de realização do poder sob o manto de uma suposta “independência” e “neutralidade”. Na medida em que as duas outras esferas de poder apresentavam lacunas e vivenciavam uma crise de representatividade ainda não superada, foi esse poder que passou a monopolizar o processo de indicação do sentido “real” das leis e da gestão executiva, acobertado pelo discurso de definição da semântica do “justo” em cada caso.(5). Discutida em longos anos, os debates acabaram consolidados na Emenda 45 e garantindo que se mantivesse em sua estrutura fundamental uma “carreira pública de elite” (BONELLI, 2010).
Assim a agência judiciária, no caminhar dos desenhos supostamente democráticos da política brasileira, passou a ocupar um lugar deliberadamente sobrelevado. Isso quer dizer que a deferência própria da magistratura brasileira, perceptível no reforço dos símbolos de autoridade e de prestígios da classe podem ser interpretados como parte do processo de construção da instituição no caminho de divisão/afirmação de competências de poderes pós-88. As inúmeras garantias(6) e dinâmicas de ingresso e controle na carreira(7) são exemplos de privilégios autorizados e que possivelmente viabilizam que o Judiciário se articule como uma organização pública elitizada , com cada vez mais respaldo para articulações políticas.
Ainda sobre as prerrogativas de carreira, a ênfase na independência e neutralidade tem o enorme potencial de ofuscar sua atuação enquanto política, de modo que a autonomia dos juízes(as), no Brasil, assume praticamente o status de um estado de espírito (BONELLI, 2010, p. 271). Essa confusão, se já é característica dos arranjos institucionais, é bastante peculiar quando lidamos com discursos criminológicos, que assumem uma lógica própria no tratamento das desigualdades sociais. Ainda mais se projetados no populismo essencial em que se transformou a famigerada “luta anticrime”.
Estamos trabalhando, portanto, com uma classe que, no seu desenho normativo e desde a construção histórica, representa interesses dos privilégios estruturais do país. E que dialogam com os compromissos institucionais e com as conflituosidades responsáveis pela sua localização no contexto de forças do Estado. Ainda, com um poder que se mantém em grande medida em função da retórica de abstração e generalidade do direito, tendenciosa em ofuscar o potencial das funções políticas e realizações diversas da vida em sociedade.
A ascensão, nesse sentido, de Sérgio Moro, que passou de magistrado a orquestrador das disputas pela presidência brasileira e, recentemente, Ministro da Justiça, é exemplo do quanto a estabilização da magistratura se realiza nos dispositivos de poder imanentes ao Direito e como estes se mostram especialmente sinuosos quando se fala na realização de políticas criminais e relações de poder. Mas que não se limita a estruturar-se pelos interesses dominantes, no plano político-econômico, modulando e remodulando continuamente as disputas incorporadas a sua atividade. É justamente nesse aspecto que o trecho que decidimos destacar no pacote desperta atenção: primeiro, porque possibilita a ampliação dos poderes do Judiciário de forma ampla, inclusive afrontando os limites definidos por normas legais e constitucionais; segundo, porque revela a atuação política de alterações de conteúdo político-criminal de base governamental; terceiro, porque permite, através da solução que promove o encarceramento como solução da violência, que se reforcem as históricas opressões racialmente seletivas no país.
Limites penais-constitucionais violados e condições de legitimação das alterações sugeridas
Situado o contexto de inchaço judiciário, entendido como lugar de enunciação do autor do projeto e, sobretudo, como elemento autorizador da adesão subjetiva ao ativismo judicial que os dispositivos selecionados representam, importa trabalhar com algumas das rupturas que consideramos provocar. É importante, antes, que se assente que o cenário narrado é não só pano de fundo, mas verdadeiro constituinte das violações apontadas. Em ambientes de efetivo respeito à Constituição e bases sólidas da dogmática penal garantista, essas afrontas mostrar-se-iam, simplesmente, inconcebíveis.
As modificações propostas nos artigos 33, § 5º, e 59, § único, do Código Penal e artigo 2º, § 6º, da Lei 8.072/90 habilitam, a partir de expressões abertas e tendenciosas, juízes(as) a fixarem regime inicial fechado, desprezando as balizas trazidas pelo artigo 33 do Código Penal. No primeiro caso, a autorização se daria em face de um juízo de “conduta criminal habitual, reiterada ou profissional (...) salvo se insignificantes as infrações penais pretéritas ou de reduzido potencial ofensivo”. No segundo, se vale das diretrizes de um dos artigos mais criticados do Código Penal, por sua abrangência e pelo incurso evidente ao Direito Penal do autor, que é o artigo 59, possibilitando que o regime prisional seja determinado “com observância dos critérios previstos neste artigo”. Por fim, no terceiro, as modificações implicam a rigidez do regime inicial para os casos de crimes contra a Administração Pública: “nos arts. 312, caput e § 1º, art. 317, caput e § 1º, e art. 333, caput e parágrafo único, salvo se de pequeno valor a coisa apropriada ou a vantagem indevida ou se as circunstâncias previstas no art. 59 lhe forem todas favoráveis”.
A abrangência da redação dos artigos, sobretudo em virtude da forma como foi empregada a linguagem descritiva dos conceitos nele firmados – vagos, abertos, absolutamente indeterminados –, é violadora da principal regra do Direito Penal, que é a da legalidade.(8) Que seria, em tempos como os que vivemos, “conduta criminal habitual”?(9) Quem determinaria o valor de “insignificância” ou “reduzido potencial ofensivo de infrações penais pretéritas”? Quais as linhas definidoras da “conduta social” “personalidade do agente”, “motivos”, “circunstâncias e consequências do crime” para fins, não de fixação de pena, mas de regime? Qual a melhor definição de “pequeno valor da coisa ou vantagem”?
Decorrência lógica da legalidade é o princípio da máxima taxatividade que, segundo Zaffaroni e Batista (2017, p. 209) servem para “extremar os recursos para que só a lei formal seja fonte de criminalização primária, não podendo o juiz complementar seus pressupostos”. Por isso, cabe ao legislador o esgotamento dos recursos para que as normas tenham a maior precisão possível linguisticamente. A regra de ouro do direito penal desde há muito visa, justamente, obstar interpretações judiciais idiossincráticas (SANTOS, 2014, p. 23), sendo a determinação o principal esforço de realização legislativa na área criminal.
Esse é o provável motivo porque as regras de fixação de regime na parte geral do Código Penal são bastante claras, definindo limites temporais marcados, com uma ou outra indeterminação excepcional. O esforço do pacote caminha justamente na contramão garantidora: confere à magistratura a possibilidade de determinar o conteúdo vago da legislação, abrindo margem para dissonâncias de interpretação e para a ocupação da função legislativa por parte dos magistrados, rompendo por isso também com a separação de poderes.(10) Aí se encontra o reflexo do processo que descrevemos na fase anterior: o cenário de inchaço e protagonismo da magistratura se realiza em um crescente nos limites dos vazios trazidos pelas indeterminações legislativas.
Outra regra que parece ser violada pela definição apriorística do regime diferenciado de pena é a da individualização da pena.(11) No último caso, em que se determina o regime fechado em função de delitos em abstrato, porque “retiraria da agência judicial o poder discursivo e argumentativo de, individualizadamente, limitar com racionalidade o poder punitivo” (ROIG, 2018, p. 66). Nos demais, a violação se situa na abertura para análise de condições subjetivas do agente que não deveriam efetivamente importar em um regime de Direito Penal do fato.
Inclusive, esta outra violação que podemos apontar: à regra da lesividade,(12) porque parece, pela indeterminação e pelo conteúdo perigosista(13) dos termos empregados, que se abstrai da autodeterminação para possibilitar a punição de sujeitos pelas suas atribuições ou condições pessoais. Assim é a marca do direito penal do autor, sendo aquele para o qual “o ato é sintoma de uma personalidade perigosa, que deve ser corrigida do mesmo modo que se conserta uma máquina que funciona mal” (ZAFFARONI, 2011, p. 111). São as entrelinhas de um projeto que amplia o regime fechado: o de despejar corpos em celas com o fim de “tratar” personalidades desviadas.
Voltamos às atribuições do positivismo criminológico, sobretudo porque condutor da forma como sentimos a questão criminal na nossa situação abissal, construtor das “afetividades punitivas que naturalizam a truculência e cultuam a pena como solução mágica e restauradora de todos os conflitos” (BATISTA, 2016, p. 299). O projeto atentatório se sustenta nas bases da dinâmica de ativismo do judiciário e da adesão ao discurso que possibilita que regras e garantias de status constitucional possam ser reconduzidas em favor da cultura da pena em tempos de encarceramento em massa. É nessas condições que o debate sobre a forma geopolítica como se tem conduzido o sistema neoliberal de aprisionamento pode se mostrar especialmente fértil.
Encarceramento em massa no Brasil e a ampliação da possibilidade de determinação pelo regime fechado “apesar de”
Por fim, é possível dizer que a ampliação das hipóteses de fixação do regime fechado alinha-se à estratégia neoliberal do encarceramento, percebido na grandeza do que a suscinta expressão de Davis representa: o “complexo industrial-prisional”. O processo de punição, a partir dessa leitura, considera as ideologias econômicas e políticas (DAVIS, 2018, p. 92) que sustentam a massificação do aprisionamento. O despejo de corpos em prisões é, antes de mais nada, lucrativo: produzem ativos para as corporações envolvidas na gestão da segurança particular e pública, na administração dos bens consumidos nas penitenciárias, na sustentação da agência midiática como produtora das catarses que constroem o mito da punição. Em síntese, o capitalismo global depende do trabalho ideológico mantido pelo cárcere (idem, p. 17).
E, ainda, responde a um movimento político-econômico de Estado bastante sintonizado com a atual presidência, de retirada do papel do Estado de redistribuição das riquezas e de redução dos abismos sociais “que não tem outra maneira de lidar com essas desigualdades senão por meio da ameaça constante do encarceramento e isolamento em massa de populações marginalizadas” (ABRAMOVAY, 2015, p. 25). Essas considerações aderem – e assim avalizam o projeto – ao racismo estrutural, entendido como sustentáculo indissociável do controle social no Brasil.(14) Com isso queremos dizer que o alargamento das discricionariedades judiciárias, das condições de regime de aprisionamento, das crassas violações a regras constitucionais estão conjunturadas aos corpos contra os quais recaíram essas violações. As falácias discursivas de igualdade do “Pacote Anticrime” não se sustentam mais : é contra a juventude negra e pobre que qualquer projeto de ampliação do aprisionamento se destina, preferencialmente, no Brasil.
Conclusão
Em tempos de ideologia da segurança nacional e urbana, de populismo criminológico e de sociedade de comunicação, projetos tendenciosos a violar garantias e direitos mostram-se especialmente férteis (ZAFFARONI, 2011, p. 318). O “Pacote Anticrime”, nesse sentido, é retrato das fissuras democráticas experimentadas no país, com alterações que mobilizam a retórica do combate e prevenção à criminalidade às custas de garantias constitucionais que legitimavam o exercício do poder de punir.
As alterações propostas nos artigos 33, § 5º, e 59, § único, do Código Penal e artigo 2º, § 6º, da Lei 8.072/90 caminham nesse trilho: a ampliação de casos de fixação de regime fechado é porta aberta para o incremento do projeto neoliberal do encarceramento em massa que, no Brasil, atinge preferencialmente corpos não brancos e pobres. E que se destaca pelo alinhamento com o processo de hipertrofia do judiciário na realização de políticas criminais, em tempos de punitivismo e autoritarismo. Revisitar, nessa linha, o processo que antecedeu a nomeação do redator do projeto, enquanto juiz, alterando de forma tendenciosa o conteúdo de direitos processuais e garantias penais no maior espetáculo criminológico da política brasileira atual é ter uma pequena dimensão do seu enviesamento antidemocrático. Enquanto não aprovada, cabe a lembrança : “ a esperança dança na corda bamba de sombrinha e em cada passo dessa linha pode se machucar”.
Referências
Abramovay, Pedro Vieira. O grande encarceramento como produto da ideologia (neo)liberal. In: Abramovay, Pedro Vieira; Malaguti, Vera (org.). Depois do grande encarceramento. Rio de Janeiro: Revan, 2010.
__________. Profissionalismo e diferença de gênero na magistratura paulista. Civitas, Porto Alegre, v. 10, n. 2, p. 270-292, mai.-ago. 2010.
Batista, Vera Malaguti. A questão criminal no Brasil contemporâneo. Comunicação oral no 2º Fórum Nacional de Alternativas Penais (Fonape). São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo: Incerteza Viva, 2016.
Davis, Angela. Estarão as prisões obsoletas? Bertrand Brasil, 2018.
Engelmann, Fabiano. Sentidos políticos da Reforma do Judiciário no Brasil. Direito & Práxis, v. 07, n. 12, 2015.
ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal – teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2018.
Santos, Juarez Cirino dos. Direito penal. Parte geral. Curitiba: ICPC Cursos e Edições, 2014.
Zaffaroni, E; Batista, N., Alagia, A., Slokar, A. Direito penal Brasileiro: v. 1 – teoria geral do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2017.
Notas
(1) Consagrada na voz de Elis Regina, com o título “O bêbado e o equilibrista”.
(2) Vide nota 5.
(3) Para outros exemplos, em matéria mais processual penal, vide propostas de reformulação dos arts. 421, §§ 3º e 6º, 617, § 1º, 637, §§ 1º e 2º, do CPP.
(4) Utiliza-se o termo em referência a Wacquant (Wacquant, Loïc. Da escravidão ao encarceramento em massa: repensando a “questão racial” nos Estados Unidos. In: Contragolpes – seleção de artigos da New Left Review. São Paulo: Boitempo, 2006. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.) e à releitura de Alexander (Alexander, Michelle. A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2017).
(5) Para Luciana et al “A ampliação do acesso à justiça, concomitantemente com a constitucionalização dos direitos e garantias, fez com que hoje todo e qualquer conflito, seja ele entre particulares, entre Estado e particular, ou mesmo entre diferentes poderes ou órgãos do Estado possam ser levados ao Judiciário. Tal transformação colocou o Poder Judiciário e o sistema de justiça no centro da arena política, não somente como prestadores de um serviço público, mas também como atores políticos importantes na formulação e implementação de políticas públicas e na definição de padrões morais de conduta” (Cunha, Luciana Gross; Oliveira, Fabiana Luci; Ramos, Luciana de Oliveira. O Judiciário que temos é o que queremos? In: Fontainha, F.; Geraldo, P. H. B. (ed.). Sociologia empírica do direito. Curitiba: Juruá, 2015. p. 312).
(6) A independência dos juízes é bastante imaculada, no Brasil, onde são autorizados a ser sócios de empresas, em determinadas condições, e a lecionar em faculdades públicas ou privadas – diferentemente de outros países em que a condição de magistrado é impeditiva da participação de negócios por um cuidado com a imparcialidade.
(7) Tornar-se juiz(a) no Brasil é um grande empreendimento hoje. O modelo da maioria das provas passa por uma série de intermediadores – escolas vinculadas ao próprio tribunal, cursos preparatórios, agências, coachings, entre outros. Além do estudo prolongado e repetitivo, que foca na memorização de artigos de lei, teses dos membros(as) da banca e que demanda da maioria das pessoas que são aprovadas dedicação, pelo menos na maior parte, exclusiva, é exigida prática jurídica.
(8) Prevista nos artigos 5º, XXXIX, replicada em todas as Constituições Federais brasileiras (Batista, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p. 68) e que, tamanha a relevância, inaugura o Código Penal Brasileiro constando logo no art. 1º.
(9) Quais atos em conflito com a lei poderiam ser considerados para este fim? Próximo à expressão utilizada e possível indiciária da forma como será preenchida é a “dedicação a atividades criminosas” presente no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. Sua aplicação prática tem dado ensejo à consideração de ações e inquéritos em andamento, não obstante a proibição da Súmula 444 do STJ e à basilar presunção de inocência. Habitual, nesse sentido, poderiam ser acusações penais sem trânsito em julgado? Ainda: estariam atos infracionais abarcados? Abre-se uma janela interpretativa estratégica ao contexto de ordem.
(10) Art. 2º, CF.
(11) Prevista no art. 5º, XLVI, CF.
(12) Arts. 5º, XXXV e 98, I, CF.
(13) Sobre perigosismo nas políticas criminais latino americanas ZAFFARONI, Eugenio Raúl; Pierangeli, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: v. I, Parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 316 e ss.
(14) Vide Flauzina, Ana et al. Discursos negros: legislação penal, política criminal e racismo. Brasília: Brado Negro, 2015. Pires, Thula Rafaela de Oliveira. Criminologia crítica e pacto narcísico: por uma crítica criminológica apreensível em português. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 135, p. 541-562, 2018.
Luciana Costa Fernandes
Doutoranda em Direito pela PUC-Rio e mestra em Direito Penal pela UERJ.
Membra associada da “Elas Existem - Mulheres Encarceradas”.
lucianafernandesppa@gmail.com
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