Luigi Barbieri Ferrarini
Ana Maria Lumi Kamimura Murata, Bernardo Pinhón Becthlufft, Daiane Ayumi Kassada, Danilo Dias
Autor: Jacinto Nelson de Miranda Coutinho
O Projeto de Lei Anticrime,(1) dentre outras coisas, avança no que chamou de “Medidas para introduzir soluções negociadas no Código de Processo Penal e na Lei de Improbidade”. Trata-se de mais uma tentativa de americanização à brasileira, ou seja, introduzir no processo penal brasileiro uma cópia do que os norte-americanos chamam de plea bargaining.
Antes de tudo, há de se questionar por que a matéria foi apresentada como plea bargain e não plea bargaining. Deve haver, por evidente, uma diferença; e se não houvesse, haver-se-ia de dizer, mesmo porque nem todo mundo é expert na língua inglesa. Os dicionários dizem que sim; que há diferença.(2) E ela sugere que falar em plea bargain, a par de ser, na hipótese brasileira, uma demonstração de desconhecimento, pode ser uma tentativa de reduzir a discussão sobre o tema, concentrando-o tão só no acordo que se estabelece; ou deal; ou contract; ou agreement. Plea bargaining, por evidente, é muito mais e, envolvendo toda a negociação para se chegar ao acordo e suas consequências, dá conta das pessoas, do objeto e dos trâmites, naquilo que são seus fundamentos e os fundamentos dos seus fundamentos.(3)
Uma coisa, porém, é certa: poucas matérias deixam tão claro a posição daqueles que tratam do processo penal e não se preocupam com um dos seus temas capitais ou não o conhecem, ou seja, aquele dos sistemas processuais. Sem ele, tem-se um discurso que no mais das vezes mostra uma estrutura deformada não só pelo que é, mas, sobretudo, pelo que dela se diz. Quase um sistemacídio; com consequências desastrosas, por óbvio. Sem uma paz linguística sobre significantes e significados ou palavras e objetos (como querem alguns), prevalecem as opiniões, ainda que sejam só de
incautos; mas não o são. Aristóteles, a par de Parmênides e Platão, já havia mostrado quanto elas (como doxa) são importantes, mormente se usadas no método adequado (dialético); mas podem fazer muitos estragos se desvinculadas de bases mais seguras que, como falhas, mostram a mera posição pessoal do vivente para, no final das contas, prevalecer aquela de quem tem poder. Foucault e Dussel que o digam.
No caso do plea bargaining(4)não é diferente. Falar dele é falar de um instituto (na falta de palavra melhor) tipicamente do sistema acusatório, mormente daquele norte-americano. Além disso – diga-se desde logo –, é falar de um instituto incompatível com um sistema inquisitório como o brasileiro atual(5).
Ora, o sistema acusatório – ao contrário daquele inquisitório –, antes de qualquer coisa, demarca o lugar dos sujeitos de modo a não deixar muita dúvida para comparações apressadas. Como se sabe, ele engendra um processo de partes, no qual cada um tem o seu papel: 1. O juiz exerce a função jurisdicional por excelência; e muito pouco mais, de modo a preservar sua imparcialidade substancial (como equidistância) e não só formalmente. O juiz, sobretudo, deve julgar, dizer o direito, dicere jus e, assim, juris dictio. Está lá para isso e não para outras coisas, todas secundárias. Não cabe a ele, então, salvo de modo secundário e complementar, ir à cata da prova, algo que faz, em geral, no processo do sistema inquisitório, para testar a decisão que já tomou, em face daquilo que Cordero, com genialidade, chamou de “il primato dell’ipotesi sui fatti”. Afinal, não é e não deve ser o comandante da investigação; muito menos de Forças-Tarefas (Task Force); logo, alheia-se à obtenção do conhecimento ou à descoberta da Verdade (para quem ainda acredita nela dessa forma) e, portanto, tem lugar de primazia, pela função e pelo poder que dela decorre; 2. O Ministério Público, da sua parte, é dominus litis – também substancialmente – em face da vigência do princípio da oportunidade quanto ao exercício da ação/acusação e, depois, em razão do princípio da disponibilidade quanto ao conteúdo do processo, motivo pelo qual pode não acusar (antes) e, depois, retirar a acusação no curso do processo. Por isso, comanda as investigações (para descoberta dos fatos criminosos e avolumar conhecimento sobre eles), em geral levadas a efeito por uma das inúmeras autoridades policiais de que dispõem os norte-americanos. Esse lugar do MP permite que faça ele acordo com a defesa, como investigado/réu e seu(s) defensor(es). Eis o plea bargain e o plea bargaining. Exercendo cargo político, recebe controle sério nessa esfera e, em ultima ratio, dos eleitores; 3. Por fim, o lugar da defesa – e, por evidente, dos investigados e réus – é singular. Em sendo um processo de partes, deve a defesa estar em pé de igualdade com a acusação. Na prática, isso é retórico, razão por que o desequilíbrio gerou mecanismos processuais de proteção do investigado/réu, em geral para lhe proteger contra o recolhimento arbitrário do conhecimento, ou seja, as descobertas arbitrárias das provas. E isso, de regra, é levado a sério. Veja-se, por exemplo, as questões sobre a prova ilícita. Tem, como se sabe, matriz constitucional, a partir, sobretudo, das Emendas 4, 5, 6 e 14. Em uma estrutura de Common Law e, portanto, com pouca legislação, as diminutas regras que têm forjam um Judge made Law, o qual vai fundando uma estrutura de precedentes, depois usados para sustentar o(s) case(s) em razão do chamado stare decisis, ou seja, as decisões serem obrigadas a respeitar a eles, os precedentes. O equilíbrio entre acusação e defesa decorre não só do cumprimento das regras e precedentes, mas, também – e quem sabe principalmente –, porque os juízes, historicamente, estão também para garantir o sistema e fazer com que funcione democraticamente. Em suma, a defesa – e nela o investigado/réu – tem no juiz um guardião dos direitos e garantias individuais, o que tende a fazer com que todos, da mesma forma, respeitem-nos.
Como se trata de um sistema, logo se vê que o objetivo é a busca do conhecimento (finalidade), de modo a que se possa bem decidir ou, pelo menos, decidir de forma equivocada o menos possível. Às partes, portanto, cabe, prioritariamente, a gestão da prova; e assim, garantindo a equidistância (imparcialidade) do juiz, devem carrear ao processo o conhecimento necessário para terem um julgamento positivo em relação àquilo que pretendem. A dúvida, por evidente, deve favorecer o acusado, em face do in dubio pro reo; e por isso à acusação se aconselha amealhar o maior conhecimento possível na direção do que pretende. Tal premissa, como é elementar, não retira da defesa a incumbência de trazer o conhecimento que lhe beneficie, quiçá desconstituindo aquele advindo da acusação. O juiz, como se percebe, resta – e deve restar – longe de tal disputa, justo para poder bem garantir a ordem estabelecida. Ele, em definitivo, não tem e não deve ter, lado.
Por outra parte, o processo do sistema acusatório, para poder funcionar adequadamente, alavanca-se na oralidade. Tudo – ou quase – deve ser feito em audiências e de forma oral. Está-se muito distante de uma estrutura processual fundada na escritura, de cariz inquisitorial, lenta por definição. O escopo, como parece sintomático, no processo do sistema acusatório, é se ter velocidade. Sim, um processo veloz (ou o mais veloz possível), sem abrir mão dos direitos e garantias individuais. Com o tempo curto (ou mais curto),(6) as agências de investigação e o MP tratam de bem funcionar para, no momento adequado, terem o conhecimento necessários em mãos e, assim, poderem ter sucesso no que pedem aos juízes. Isso, por si só, invoca outra coisa demais importante a ser pensada por quem pretende importar um instituto tão próprio de outro sistema: as agências precisam estar aparelhadas com mecanismos que respondam pela eficácia do que estão a fazer. No Brasil, levando-se em consideração o atual estágio, isso pareceria quimera.
Assim, é preciso chegar ao conhecimento e, com ele, forjar os meios de prova que sustentarão a acusação e, quem sabe, a procedência da acusação e da condenação. E tem mais (e talvez mais importante): não se terá o juiz para fazer isso por tais agências... como, com frequência, ocorre no processo do sistema inquisitorial, do qual aquele brasileiro é exemplo para o mundo.(7)
Por outro lado, as notitia criminis, mormente agora com sistemas interligados de computadores, vão registradas, compartilhadas, analisadas e devem resultar em procedimentos individualizados. Portanto, ao mesmo tempo que se tende a afastar a tradicional seletividade das agências (máxime daquela policial), acumula-se um volume excepcional de trabalho, sobre o qual, mantido o status quo, não se dá conta. Eis por que os norte-americanos precisam do plea bargaining; e dele, agora, não podem abrir mão. Quem tentou fazê-lo, como o Alaska e El Paso (Texas), teve que voltar atrás.(8)
Na prática, o plea bargainig visa lutar contra o acúmulo de trabalho (e isso, pelo menos, desde o Século XIX, nos E.U.A.), mas sem deixar de lado os direitos e garantias individuais, dos quais eles não abririam mão, ainda que muita gente reclame e afirme que é justo isso que estão fazendo.
Eis, então, que, fundados em um modelo de pensamento (Francis Bacon como principal corifeu) utilitarista (Jeremy Bentham e John Stuart Mill), empiricamente não se incomodam, em tantas passagens, de operar com uma ética na qual os fins justifiquem os meios, desde que se almeje o bem-estar de todos.
De certa forma, isso justifica, para eles, a negociação de um acordo sobre o crime e a pena; o próprio acordo ainda na esfera material ou mesmo naquela processual em face dos lugares ocupados pelos atores; e o lugar do juiz como aquele de – quase que – tão só controlar o que se fez, para não permitir que se vilipendiem direitos e garantias individuais.
No Brasil, como é sintomático, com um processo do sistema inquisitório, nada disso se vai passar.(9)
Antes de tudo, a Constituição da República não permite que os sujeitos invertam ou subvertam seus papéis constitucionalmente demarcados. O juiz, no lugar a ele reservado no processo do sistema inquisitorial, por certo não fará aquilo que faz ou deve fazer o juiz norte-americano. O sistema como que o empurra para outro lugar (para dizer que a culpa, em geral, não é dele), o de senhor do processo. Tanto que, com muita frequência – para não dizer quase sempre –, são indicados e tomados como os chefes do combate ao crime. E alguns se sentem, de fato, assim. Por óbvio, não haveria nenhum problema nisso... se não fossem os juízes dos processos. Juris dictio, imparcialidade, e assim por diante, não são coisas compatíveis com quem tenha lado nas disputas. Pelo menos que se saiba. A grandeza da jurisdição está – sabem todos – no lugar do poder (Max Weber) de fazer valer a CR e as leis. Fora daí é ela invadida por um moralismo absurdo, inconstitucional e que corrói a segurança jurídica da sociedade e, com isso, a própria democracia.
Nesse quadro caótico (entrópico) e de difícil compreensão, salta fora, como realidade, o volume de investigações preliminares e processos, o que demanda uma solução. É ela que se pretende, ao que parece, com essa tentativa de plea bargaining à brasileira, sem se mexer em nada do sistema inquisitorial. Isso é um acinte.
Como parece primário, vai-se potencializar a estrutura inquisitorial do processo, retirando-se ainda mais as chances de os investigados/réus terem uma estrutura democrática, na qual seus direitos e garantias sejam – todos – respeitados. E ainda, em geral, sem os juízes para lhes garantir, como se pode ver com o que se tem passado com as chamadas audiências de custódia, nas quais (os percentuais demonstram), converte-se a prisão em flagrante em prisão preventiva sem a menor dificuldade, com frequência com fundamentos meramente retóricos. São os juízes (mas não todos, por elementar) como que engajados em uma cruzada contra o crime, quando deveriam estar umbilicalmente ligados na luta pela CR e as leis. Cruzadas desse porte, se necessárias, devem ficar afetas a outros órgãos, quem sabe dedicados a isso.
No fundo – e isso há de ser dito, embora, de uma maneira geral, todos estejam sendo parcimoniosos em tal direção –, a ideia do plea bargaining no Projeto de Lei Anticrime vem, nesse processo do sistema inquisitorial, com a missão de dar ao MP um pouco do trabalho que deve fazer o juiz nas medidas cautelares e no processo.
O MP, por seu lado, eminentemente parcial (Francesco Carnelutti tinha razão quando falava dessa parcialidade) e engajado na investigação (princípio da objetividade, inclusive para fazer com que se arrecadem todas as provas, conforme o art. 6º, do CPP), na ação/acusação (princípio da obrigatoriedade) e no processo (princípio da indisponibilidade do conteúdo), pela estrutura legal que o contempla (da CR às demais leis), não tem o mínimo perfil para tanto. Ademais, não se presta e não se deve prestar para funcionar assim (não esquecer que em geral é um só órgão que conduz tudo e não grandes estruturas formadas como Forças-Tarefas), mais ou menos como se fosse um auxiliar, como aquele que faz as coisas que o juiz deveria fazer e esse, ao depois, se o feito estiver bem, homologa. A CR não permite isso. A tendência do MP é agir como parte e, por isso, com seu lugar definido, tende a negociar buscando o que é melhor para seu interesse. Assim, tende a fazer tudo – ou o que for possível – para “vencer” na negociação, sem que a isso se possa dizer, a priori, que está errado. Não está. Mas também não é isso que se quer, que se pretende, se a CR estiver a balizar o que se faz. O controle de uma negociação do gênero é muito difícil ou quase impossível e, por certo, a minimização do dano só de dará com a exigência de que tudo o que se faz seja gravado e exibido quando necessário. Órgãos públicos necessitam de transparência.
Tudo leva a crer, enfim, que um plea bargaining metido em um processo do sistema inquisitório como o brasileiro seja um desastre, retirando ainda mais o pouco de democracia processual que restou depois da americanização à brasileira promovida nos últimos anos, tudo sem o devido controle por quem de direito, seja lá por qual motivo for.
Ter plea bargaining é inevitável se o processo penal brasileiro vier a ser acusatório. Mas para isso é preciso, antes, importar o sistema todo, com ônus e bônus. Do jeito que se está tentando impor, os ônus ficarão para os cidadãos investigados/acusados(10); e os bônus – tudo indica – ficarão para o Estado e seus órgãos. Em tempos neoliberais, tudo é contra o cidadão, quem sabe em nome daquela ética utilitarista precitada, embora se saiba que ela é só discurso fácil para iludir os incautos. Os de sempre serão os beneficiados, como sempre foi. É como se existissem cidadãos e... cidadãos. O problema em uma sociedade assim é que tudo se faz em nome do bem comum e da democracia, nem que seja contra a Constituição. Um dia – ahimé, como dizem os italianos – a vida revida.
Notas
(1) Deviam ter dito a essa gente do Ministério da Justiça e Segurança Pública o que isso significava, o que é despiciendo discutir aqui.
(2) “What is BARGAIN? A mutual undertaking, contract, or agreement. A contract or agreement between two parties, the one to sell goods or lands, and the other to buy them. Hunt v. Adams, 5 Mass. 300, 4 Am. Dec. OS; Sage v. Wilcox, 6 Conn. 91; Bank v. Archer, 16 Miss. 192. The law dictionary. Disponível em: <https://thelawdictionary.org/bargain/>. Acesso em: 20 mar. 2019.”
“Plea bargain, n. (1963) A negotiated agreement between a prosecutor and a criminal defendant whereby the defendant pleads guilty to a lesser offense or to one of multiple charges in exchange for some concession by the prosecutor, usu. a more lenient sentence or a dismissal of the other charges. Also termed plea agreement; negotiated plea; sentence bargain. [Cases: Criminal LawC;;>273.1(2).] plea-bargain, vb. - plea-bargaining, n. GAMER, Bryan A.; GARNER, Bryan A. Black’s law dictionary. 9. ed. St. Paul: West, 2009. p. 1270.”
“What is PLEA BARGAINING? An agreement set up between the plaintiff and the defendant to come to a resolution about a case, without ever taking it to trial. The law dictionary. Disponível em: <https://thelawdictionary.org/plea-bargaining/>. Acesso em: 20 mar. 2019.”
“Plea bargaining, in law, the practice of negotiating an agreement between the prosecution and the defense whereby the defendant pleads guilty to a lesser offense or (in the case of multiple offenses) to one or more of the offenses charged in exchange for more lenient sentencing, recommendations, a specific sentence, or a dismissal of other charges. Supporters of plea bargaining claim that it speeds court proceedings and guarantees a conviction, whereas opponents believe that it prevents justice from being served. The great majority of criminal cases in the United States involve some form of plea bargaining. Plea bargains are not always easy to recognize. Negotiations that result in formal agreements are termed “explicit plea bargains.” However, some plea bargains are called “implicit plea bargains” because they involve no guarantee of leniency. Explicit bargains are the more important of the two. Encyclopedia Britannica. Disponível em: <https://www.britannica.com/topic/plea-bargaining>. Acesso em: 20 mar. 2019.”
(3) “Chegados aqui, pensamos que uma definição suficientemente abrangente poderá ser a que defina a plea bargaining como “a negociação entre o arguido e o representante da acusação, com ou sem a participação do juiz, cujo objecto integra recíprocas concessões e que contemplará, sempre, a declaração de culpa do acusado (guilty plea) ou a declaração dele de que não pretende contestar a acusação (plea of nolo contendere).” (ALBERGARIA, Pedro Soares de. Plea bargaining: aproximação à justiça negociada nos E.U.A. Coimbra: Almedina, 2007. p. 20).
(4) Para uma aproximação com tema, v. LANGBEIN, John H. Tortura e plea barganing. In GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (org.). Sistemas processuais penais. 1. ed. Florianópolis: Emporio do Direito, 2017, pp. 133-150; FANCHIOTTI, Vittorio. Origini e sviluppo della giustizia contrattata nell’ordinamento statunitense. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale. p. 56-101. Disponível em: <http://201.23.85.222/biblioteca/index.asp?codigo_sophia=54913>. Acesso em: 25 mar. 2019; LANGER, Máximo. Dos Transplantes Jurídicos às traduções jurídicas: A Globalização do Plea Bargaining e a tese da Americanização do Processo Penal. DELICTAE: Revista de Estudos Interdisciplinares sobre o Delito, [S.l.], v. 2, n. 3, dez. 2017, p. 77. Disponível em: <http://delictae.com.br/index.php/revista/article/view/41>. Acesso em: 04/03/2018; THAMAN, Stephen C. (ed.). World of plea bargaining: consensual procedures and the avoidance of the full criminal trial. Durham: Carolina Academic Press, 2010; LIPPKE, Richard L. The ethics of plea bargaining. New York: Oxford University Press, 2011; FISHER, George. Plea Bargaining’s triumph: a history of plea bargaining in America. Stanford: Stanford University Press, 2003; HEUMANN, Milton. Plea bargaining. Chicago: The University of Chicago Press, 1978.
(5) Seria desnecessário dizer que todos os sistemas processuais penais que o mundo conhece são mistos. E não pelo motivo que boa parte da dogmática explica, assentada em um senso comum retirado da palavra (misto), mas construído quando da elaboração do Code Napoleón, de 17.11.1808. Em verdade, os sistemas são mistos porque, em tendo uma base inquisitória (um princípio reitor inquisitivo), viram agregar a si institutos provenientes do sistema acusatório; ou, ao contrário, tendo um princípio reitor dispositivo (ou acusatório) viram agregar a si institutos provenientes do sistema inquisitório. Não se definem, porém, em face dessas contingências; e isso é fundamental, de vital importância. Assim, o “misto” ganha uma nova feição que, por evidente, não é de um terceiro sistema; e nem pode ser.
(6) Veja-se que não se trata de termos e lapsos temporais. Os prazos, mesmo no processo inquisitorial brasileiro, em geral são próprios para a defesa (alguns também para o MP) e, portanto, por ela as coisas deveriam andar. Mas os prazos dos órgãos públicos (sobretudo para o Juiz e o MP) são, de regra, impróprios; portanto, não geram consequências de ordem processual. E o desequilíbrio é evidente; e as consequências, imensas. Não obstante isso – e muito mais –, a defesa, com frequência, é acusada, pelos que desconhecem a estrutura brasileira (ou não raro por má fé), de provocar o tardio andamento dos processos.
(7) É tão assim que o senso comum indica os juízes, em geral, como chefes das Operações. Veja-se, sobre o tema, as matérias jornalísticas sobre a prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer: Operação Lava Jato. Michel Temer é preso pela Lava Jato, últimas notícias. El País. São Paulo, 22 mar. 2019. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2019/03/21/politica/1553178069_072501.html?>. Acesso em: 20 mar. 2019: “O mandado de prisão foi expedido pelo juiz federal Marcelo Bretas, responsável pela operação no Rio de Janeiro”.
(8) Para um início de compreensão sobre o tema, veja-se o site da Britannica indicado na nota 3, supra.
(9) Sobre o sistema inquisitorial brasileiro e seu processo seriam muitos os autores a indicar, mas, quem sabe, seria o caso de começar por: MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson. Observações sobre os sistemas processuais penais. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018. 329 p.
(10) Por evidente que não serão tão só os menos favorecidos. Hoje, em alguns espaços, a persecutio tem chegado nos que mais têm, embora siga uma seletividade considerável. Um dos problemas – que merece um estudo à parte – é como se tem chegado nesses mais favorecidos; e tem imperado a delação premiada, quem sabe, como o principal fator: per faz et nefas, nela se fala das pessoas, correta ou incorretamente, justo ou injustamente; e daí por diante os delatados têm sérios problemas para manter uma vida normal, ainda que consigam superar o problema.
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho
Professor Titular de Direito Processual Penal da UFPR (aposentado).
Professor dos Programas de Pós-graduação em Ciências Criminais da PUCRS e da Faculdade Damas, Recife.
Presidente de Honra do Observatório da Mentalidade Inquisitória.
Advogado.
jnmc@uol.com.br
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