INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - Ed. Especial 20 anos





 

Coordenador chefe:

Fernanda Regina Vilares

Coordenadores adjuntos:

Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi, Rafael Lira e Renato Stanzio

Conselho Editorial

Em defesa da juventude

Autor: Luís Fernando Camargo de Barros Vidal

O IBCCRIM e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são da década de 1990. Frutos de uma mesma geração, nascida sob o signo da Constituição de 1988, expressam cada qual e a seu modo o esforço de reconstrução da sociedade brasileira após a ditadura militar. Não seria possível pensar um novo país sem a reformulação de sua (des)ordem jurídica, nem promover e consolidar as reformas sem organizações civis que garantissem espaço para a reflexão e para a ação cidadã, capazes de intervir no processo político e na formação da opinião pública.

O Código de Menores de 1979 era produto bem-acabado de quase um século de controle social autoritário sobre a infância, e garantia, pela autoridade de sua Doutrina da Situação Irregular, o instrumental jurídico necessário para a seletividade das intervenções do Estado sobre a criança e sobre a família conforme critérios de origem, condição social e econômica sintetizados na categoria menores carentes, significante da futura clientela do sistema penal. Isso, por óbvio, era incompatível com a nova ordem constitucional, fundada em valores-princípio de cidadania e de dignidade da pessoa humana (art. 1.º), e objetivos de solidariedade, de justiça, e de enfrentamento da marginalização e das desigualdades (art. 2.º). Precisava mudar.

A nova linguagem era a dos direitos, e por isso a necessidade de dotar a infância e a adolescência de um instrumento jurídico capaz de reconhecer e promover a titularidade de direitos fundamentais gerais e direitos específicos correspondentes à condição peculiar desse grupo de pessoas em desenvolvimento, há muito negados. A Constituição Federal, em seu art. 227, e já então a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, assentavam a Doutrina da Proteção Integral, que se traduz na ideia básica de garantia prioritária dos direitos básicos de existência do grupo social a que se destina.

Grupo social, e vulnerável, leia-se bem, e não categoria criminógena. Daí a prescrição constitucional do art. 228 contra a imputabilidade penal das crianças e dos adolescentes, a inspirar a disciplina do ato infracional e sua apuração no ECA sob os fundamentos da legalidade e do devido processo legal. Aqui o pomo da discórdia e divisor de águas. Se tal era o preço a se pagar pela nova linguagem de direitos contra a ideia cristalizada de seletividade a partir de critérios arbitrários de origem social e condição econômica, o jogo haveria de ser pesado. A convergência dos interesses conservadores na grande mídia encontrou no ato infracional terreno fértil para colocar o novo direito da infância sob permanente ataque, com o que a ideia fácil da redução e da flexibilidade da imputabilidade penal foi e segue como a bandeira do movimento reacionário.

Nesses 20 anos de existência, o IBCCRIM jamais hesitou em defender o nascente Direito da Infância e Juventude. Fez-se presente nas discussões acadêmicas e movimentos sociais em defesa da criança e do adolescente, sempre contra a ideia de que o Direito Penal é a solução para a juventude. Afinal, uma organização civil que se propõe a estudar o crime e o Direito, e a cultivar os valores próprios de uma sociedade democrática, deve saber onde não pode haver Direito Penal. A crise do direito da infância e juventude não é normativa, mas de falta de políticas públicas que concretizem seus objetivos.

Nesta quadra em que o ECA e o IBCCRIM transitam na juventude para a maturidade, é curioso notar que a problematização da delinquência juvenil, tal qual patrocinada pelo (neo)correcionalismo conservador, coloca-nos diante do espelho. Revela uma sociedade ainda imatura, com medo de crianças e adolescentes e seus rompantes de rebeldia mal-direcionados e mal-compreendidos à luz das teorias que lidam com as respostas diferenciais, renitente em refletir sobre seus problemas em bases científicas e incapaz de realizar seu projeto democrático assentado na razão. Por isso vai ao léu, nua e descoberta, sujeita à selvageria de alguns rebeldes e ao oportunismo político que explora o luto de outros e o medo de todos.

O espelho revela, também, a necessidade das boas leis e de quem as defenda por mais mil anos, se sonhamos ser a Nova Roma.

Luís Fernando Camargo de Barros Vidal
Presidente da Comissão Especial de Infância e Juventude do IBCCRIM.
Ex-Presidente da Associação Juízes para a Democracia.
Juiz de Direito.



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