INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - Ed. Especial 20 anos





 

Coordenador chefe:

Fernanda Regina Vilares

Coordenadores adjuntos:

Bruno Salles Pereira Ribeiro, Caroline Braun, Cecilia Tripodi, Rafael Lira e Renato Stanzio

Conselho Editorial

A Promoção dos direitos das mulheres: o papel do IBCCRIM

Autor: Alessandra Teixeira e Fernanda Matsuda

Ao longo dos últimos 20 anos, algumas mudanças importantes marcaram a trajetória de lutas pela igualdade formal e material da mulher brasileira num contexto fortemente determinado pela desigualdade e pela violência de gênero.

O IBCCRIM, em sua própria trajetória, também se alinhou em diferentes momentos a essa luta, destacando sua atuação junto às mulheres talvez mais tradicionalmente apartadas de seus direitos: as encarceradas. Esquecidas – de um lado pelas políticas públicas que não as contemplam em seus protocolos e não as inserem como população alvo de proteção, e de outro pelo próprio movimento feminista, que também não costuma reconhecer suas demandas –, as mulheres presas permanecem como a face menos visível, mas nem por isso menos abjeta, do descaso e da violência promovida pelo Estado brasileiro contra pessoas privadas de liberdade.

Sobretudo a partir da primeira década do século XXI, o IBCCRIM se juntou a outras vozes de entidades e de grupos de militantes para denunciar as múltiplas violações de direitos sofridas pelas mulheres nas prisões brasileiras. Nas unidades prisionais femininas, além da superlotação, da insalubridade, da violência institucional, da falta de acesso a trabalho, educação, saúde e assistência jurídica que atingem o sistema prisional brasileiro de modo geral, mulheres presas ficam sujeitas a condições particulares que guardam relação com a questão de gênero. Ausência de uma política ou de ações que observem as especificidades de gênero, inexistência de estabelecimentos adequados ao cumprimento da pena por mulheres, desrespeito aos direitos sexuais e reprodutivos, uso excessivo de medicamentos psicotrópicos e rompimento dos laços familiares são alguns dos problemas que afetam as mulheres presas, população que praticamente triplicou nos últimos 20 anos, apresentando crescimento superior ao dos homens na mesma situação.

Desde 2001, quando participou, com outras entidades, da mobilização pelo direito de visita íntima às mulheres encarceradas, que foi conquistada em setembro daquele ano, colocando fim a uma iniquidade que persistia no Estado de São Paulo há quase duas décadas, o IBCCRIM integra o movimento pelos direitos das mulheres privadas de liberdade. Foram diversos editoriais nos boletins, artigos e apoios a encontros, fóruns e seminários, bem como petições demandando a atuação das diversas instâncias de governo.

Em 2007, após vir a público a barbárie praticada contra uma adolescente acusada de furto e detida durante semanas em uma cela masculina em delegacia da cidade de Abaetetuba, no Estado do Pará, o IBCCRIM se manifestou em editorial do Boletim e participou com outras entidades da elaboração do Relatório sobre Mulheres Encarceradas no Brasil, que serviu de base para audiência realizada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema, ocasião em que o Estado brasileiro foi instado a prestar esclarecimentos sobre as violações de direitos sofridas pelas mulheres presas no país.

Nos últimos anos, o IBCCRIM vem construindo outras frentes de atuação na defesa dos direitos das mulheres, inserindo-se de modo importante no debate e na luta pela erradicação da violência contra a mulher. Temática sensível no âmbito das ciências criminais, o IBCCRIM, sem se furtar às discussões que se promoveram em diferentes números de suas publicações periódicas, abriu espaço para o reconhecimento inconteste da violência contra a mulher como um problema cujo enfrentamento é crucial para a consolidação de uma sociedade mais igualitária e atenta à questão de gênero.

Não se podem negar os avanços trazidos pela Lei Maria da Penha nessa seara. Instrumento legal híbrido, tal lei combinou dispositivos penais e extrapenais, objetivando romper o vicioso ciclo da violência e os poderosos consensos que ao longo da história brasileira foram responsáveis por banalizar a violência praticada contra as mulheres, principalmente no espaço doméstico.

Se o processo educativo, imbuído nos preceitos dessa legislação, constitui ainda um caminho a construir, os desafios que se impõem de imediato se referem à implementação das principais disposições da lei: criação dos juizados especiais de violência doméstica, expansão e funcionamento em período integral das delegacias da mulher, sensibilização e capacitação dos profissionais envolvidos em sua aplicação, assistência jurídica às vítimas, ampliação da rede de serviços (apoio psicossocial, abrigos etc.) e atenção ao agressor.

Essa empreitada, que tem sido levada adiante pelos mais combativos movimentos sociais em defesa dos direitos das mulheres, também foi assumida pelo IBCCRIM, que promove desde 2009 o projeto Maria Maria, em parceria com a União de Mulheres de São Paulo. O projeto consiste na consolidação de uma rede sustentável de conhecimento sobre os direitos das mulheres, com ênfase nos aspectos protetivos da Lei Maria da Penha. Pelo curso já passaram promotoras legais populares, lideranças comunitárias, estudantes de diversas áreas e profissionais dos Centros Integrados de Cidadania e de outros órgãos que compõem a rede de serviços, sendo muito maior o número de pessoas beneficiadas pela ação multiplicadora do grupo de participantes do curso. Assim, não é casual que a verdadeira interface hoje do IBCCRIM com os movimentos sociais se dê por meio de uma atuação nessa seara, do combate à violência contra a mulher.

A perseverança na luta pelos direitos das mulheres, rumo à construção de uma sociedade mais igualitária, justa e democrática – eis o projeto do IBCCRIM.

Alessandra Teixeira
Doutora em Sociologia (FFLCH-USP).
Presidente da Comissão Especial do Sistema Prisional do IBCCRIM.

Fernanda Matsuda
Doutoranda em Sociologia (FFLCH-USP).
Coordenadora-Chefe do Núcleo de Pesquisas do IBCCRIM.



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